tag:blogger.com,1999:blog-31965112405111128742024-03-19T08:20:51.331-03:00Blog do HaytonNinguém sabe o valor de um momento até que se torne uma memória.Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.comBlogger282125tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-76678867050225347862024-03-13T04:36:00.002-03:002024-03-13T04:36:56.805-03:00No frescor dos novos tempos<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Está em discussão no Congresso Nacional um projeto de lei que visa regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos e de empresas por meio de entidades de classe.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Com o calorão que anda fazendo ultimamente, há cada vez mais queixas nas redes sociais contra motoristas que cobram adicional dos passageiros que querem viajar com o ar-condicionado ligado. É como se os prestadores do serviço se tornassem os novos mercadores do Egito, onde tudo se compra e se vende, até mesmo a brisa que nos refresca durante a viagem. E veja que não trato aqui de um conto de fadas moderno, mas da triste realidade das plaquinhas que adornam o encosto de cabeça dos bancos dianteiros dos carros, oferecendo o refrigério por certo preço. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNPGn-yvt_p-MxZ_nEwPrElI8614hITrpq7P9MU19P_X63jF6DH2CKMv_xq-a7zjp9IVenkRAftEp6Yry5WzIPVGu5JS77Jl31TOYUS9JPckO1TkkQhFB-08_YFY9wsN2ubSyNVwATD7RJThFcinNoE4BrLJ0L_oqJn9_NVhlzzi5xsRBs-Y6NlZu9GZw/s1307/IMG_4836.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1307" data-original-width="1202" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNPGn-yvt_p-MxZ_nEwPrElI8614hITrpq7P9MU19P_X63jF6DH2CKMv_xq-a7zjp9IVenkRAftEp6Yry5WzIPVGu5JS77Jl31TOYUS9JPckO1TkkQhFB-08_YFY9wsN2ubSyNVwATD7RJThFcinNoE4BrLJ0L_oqJn9_NVhlzzi5xsRBs-Y6NlZu9GZw/s320/IMG_4836.jpeg" width="294" /></span></a></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;">É a cortesia cedendo lugar à cobrança. Balas (ou confeitos) e água gelada foram substituídas por um pagamento antes mesmo de o carro partir. Enquanto alguns defendem a gratuidade da climatização, principalmente em tempos de aceleração do aquecimento global, outros apontam que esse custo não pode recair nas costas dos motoristas, pois o uso do equipamento aumenta muito a conta do combustível. <o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Conheço um militar reformado que se aventura pelas estradas urbanas como condutor de aplicativos. Ele me contava outro dia, com resignação, que as plataformas têm repassado muito pouco aos motoristas. "Infelizmente é assim. Ah, se eu pudesse oferecer o conforto de antes, sem pedir aos passageiros o reforço por fora...”, lamenta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Aqui deitado em rede esplêndida, ao som do mar e à luz de um sol escaldante, depois de dias e mais dias sem fazer nada de útil à aventura humana sobre a Terra, resolvi perturbar o sossego das plataformas de transporte com minhas indagações de aprendiz de rábula. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Uma delas, em sua sapiência tecnológica e a partir do caso do ar-condicionado, me garante que quando detecta que "o motorista conduz mal uma corrida, pune o desobediente com severa advertência", uma espécie de marca de Caim nos tempos modernos. Nada como uma avaliação ruim para trazer à tona o pior de nós mesmos, não é?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Diz mais: que "a cobrança de qualquer adicional por fora representa violação às regras de segurança e podem levar à desativação da conta do motorista parceiro envolvido". <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Uma segunda empresa me manda uma mensagem rebuscada, sem nada de novo: “Somos uma empresa de tecnologia voltada à mobilidade urbana e conveniência, que conecta passageiros e motoristas parceiros por meio de seu aplicativo”. E sugere que “motoristas e passageiros decidam juntos sobre o uso do ar-condicionado”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Com a aprovação da lei que regulamentará o trabalho de motoristas de aplicativos por meio de sindicatos, me ocorre propor </span><span style="font-family: verdana;">uma negociação bastante simples </span><span style="font-family: verdana;">para resolver o impasse. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sem falsa modéstia, a ideia só não é melhor porque é minha. Vejam bem: por que não estabelecer uma taxação mútua? Os passageiros pagariam pelo ar fresco, mas seriam compensados quando fossem obrigados a escutar <i>funk</i>, sertanejo ou dissertações intermináveis sobre preferências clubísticas, políticas ou religiosas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Para os motoristas que insistirem em tentar convencer “convertidos” com suas réplicas e tréplicas, uma penalidade extra seria cobrada: aumento de 50%, com o lembrete de que ficar em silencio é nunca mais precisar ter razão, mesmo em tempos de overdose de informações.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A flatulência (e a eructação) também teria cobrança recíproca, apesar da previsível polêmica quanto à autoria de disparos letais silenciosos, sobretudo no caso do transporte compartilhado de passageiros, do meio-dia pra tarde.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No fim da corrida, haveria o acerto de contas entre as partes, com razoável chance de a maioria das viagens terminarem com as despesas adicionais anuladas entre si. Elas por elas, digamos assim.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Com tanta gente por aí que não se constrange em compartilhar sua estupidez a qualquer hora do dia ou da noite, inclusive espalhando notícias falsas, a taxação mútua, que a princípio pode parecer injusta aos motoristas, teria também um caráter pedagógico e profilático.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sei que na categoria <i>Confort</i> da principal plataforma que opera no Brasil existe a possibilidade, antes da viagem, de o passageiro marcar a opção de não conversar com o motorista e até de definir a opção pelo ar-condicionado, porém me refiro aqui às categorias mais populares, claro, de todos os aplicativos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Não é a solução perfeita, admito, mas ao menos se poderia transformar as viagens em momentos de bem-estar e paz social, ouvindo-se, no frescor dos novos tempos, apenas o barulhinho do ar-condicionado e não </span><span style="font-family: verdana;">monólogos de donos da verdade ou </span><span style="font-family: verdana;">música de qualidade duvidosa para passageiros cujos ouvidos correm o risco de virar penicos.</span></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com32tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-60123027605200393862024-03-08T06:42:00.002-03:002024-03-08T09:55:01.845-03:00Elas amadurecem bem antes<p><span style="color: #222222; font-family: verdana; font-size: large;">Na semana do Dia Internacional da Mulher, andei relendo uma pesquisa realizada há alguns anos, no Reino Unido, sobre diferenças de maturidade entre sexos. Em resumo, chegou-se à <span style="caret-color: rgb(34, 34, 34);">conclusão</span> de que o homem permanece emocionalmente imaturo até 43 anos de idade e a mulher atinge a maturidade emocional bem antes: aos 32. O estudo revelou ainda que 80% das mulheres acreditam que os homens “nunca deixam de ser crianças”. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Certas atitudes não deixam dúvidas sobre a lerdeza da maturidade de alguns homens: recontar as mesmas piadas e achar graça de novo, não se interessar por tarefas domésticas, confundir masculinidade com grosseria, exibir bíceps e tríceps para demonstrar como são fortes, entre outras bobagens.<br /><br />As mães percebem essa diferença desde cedo, principalmente nas famílias mais numerosas como a que me trouxe ao mundo, com pais, cinco filhos e quatro filhas. Vi isso bem de perto quando uma de minhas irmãs, apenas um ano mais velha que eu, tornou-se adolescente “décadas” antes de mim.<br /><br />Estamos falando do começo dos anos 1970. Enquanto eu, entre 12 e 13 anos, dividia meu tempo entre dormir, comer, estudar, bater bola, jogar botões (futebol de mesa), ler "Placar" e zoar meus irmãos mais novos, minha irmã já suspirava ouvindo <i>Dio come ti amo, Non ho l’età</i> <i>(per amarti)</i> ou assistindo aos requebros de Elvis Presley. Lia muito fotonovelas e até desenhava seus próprios "quadrinhos", em meio a namoricos movidos a doses generosas de estrogênio e progesterona de ovários fresquinhos.<br /><br /></span></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQP2A4Hr05KG1KUEoJD1dnfcCiLhFU8nIrfKA00vNaCTN-Z58o7RehFRgkF982LsZ0PmcYbUs8BWTNDqd8WJOnBKPJNyrGkHrvz4Kd9lx1wqF5zz6YbQvqcpQLZRudfchu0_4exG7ulO3WGoIjajooccHFYv7Udt_lLDqWA5AbXqvXRGJJthTq_M47DDQ/s968/IMG_6130.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><img border="0" data-original-height="697" data-original-width="968" height="288" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQP2A4Hr05KG1KUEoJD1dnfcCiLhFU8nIrfKA00vNaCTN-Z58o7RehFRgkF982LsZ0PmcYbUs8BWTNDqd8WJOnBKPJNyrGkHrvz4Kd9lx1wqF5zz6YbQvqcpQLZRudfchu0_4exG7ulO3WGoIjajooccHFYv7Udt_lLDqWA5AbXqvXRGJJthTq_M47DDQ/w400-h288/IMG_6130.jpeg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Foto: Álbum de família </span></td></tr></tbody></table><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Nessa época, a banda LSD – sob a batuta de um certo Djavan – fazia sucesso em Alagoas, animando as noites de sexta-feira na AABB Maceió, na Praia da Avenida. Ela, claro, sonhava em ir à balada toda semana, mas nosso pai era inflexível feito porta de cofre: “só vai se seu irmão for junto!”.<br /><br />Como ela iria me convencer se, todo dia, no máximo às dez da noite, eu já tropeçava de sono? E se eu fosse à balada, cadê coragem pra dançar com as garotas? Dormir sentado numa cadeira dura, sob a luz negra e o barulho ensurdecedor da banda, inalando fumaça de cigarros até a hora de voltar?<o:p></o:p></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /><span style="color: #222222;">Ela sabia do meu gosto por desenhar e, certa manhã, pediu a um traíra do colégio que me desafiasse a desenhar uma cena de sexo daquelas típicas de revistinhas suecas, fonte de deleite da molecada nos tempos em que se passava mais tempo nos banheiros do que estudando. </span><br /><br /><span style="color: #222222;">Em pouco tempo, o inocente aqui rabiscou algo com toda carga erótica possível, assinou no rodapé e o traíra ainda insuflou o ego do “artista” dizendo que nunca vira nada parecido a não ser nos "catecismos" de Zéfiro (1921 – 1992). Meia hora mais tarde, lá estava minha irmã triunfante com a "obra de arte" nas mãos: "Como é, vai ou não vai sexta-feira à noite?"</span><br /><br /><span style="color: #222222;">Se me recusasse, meu pai ficaria sabendo do que eu andava “aprendendo” na escola e por certo mudaria a rota em meu GPS com o desgraçado de um cinturão de couro, me inspirando a escrever mais um parágrafo na crônica de minhas surras inesquecíveis. </span><br /><br /><span style="color: #222222;">Travei, engoli seco e ali também aprendi, na marra, o que era chantagem emocional e suas implicações diretas e indiretas, durante as cinco semanas seguintes. </span><br /><br /><span style="color: #222222;">Enquanto isso, passei a vasculhar cada centímetro da casa à procura do famigerado desenho. Até que um dia, folheando “Grande Hotel”, revista de fotonovelas favorita de minha irmã, notei que a protagonista de uma história escondera uma carta comprometedora entre o tampo traseiro e a gravura de um quadro de parede. </span><br /><br /><span style="color: #222222;">Ao encontrar a “obra”, nem cogitei guardá-la em lugar alternativo, seguro. Matei no ninho o aspirante à <span style="caret-color: rgb(34, 34, 34);">sucessão</span> de Picasso (1881 – 1973), o gênio espanhol obcecado pelo erotismo. Picotei o desenho, joguei os pedacinhos no vaso e acionei a descarga para ter certeza de que a agonia realmente chegara ao fim. Ainda bem que não havia fotocópias e a digitalização de papéis não existia nem nas revistinhas de "Flash Gordon".</span><br /><br /><span style="color: #222222;">À noite, vestida e maquiada, pronta para chamar o táxi, minha irmã espantou-se quando eu lhe disse que estava cansado e não iria nunca mais, com direito a um risinho de esculacho. Ela então correu ao local onde escondera o desenho e quase subiu pelas paredes ao descobrir que já não dispunha da “arma” pra me convencer. </span><br /><br /><span style="color: #222222;">Aqui entre nós, penso que nosso pai, mesmo sem nunca ter desconfiado de que o filho vinha sendo vítima de "condução coercitiva", aprovou a "nossa" decisão de não sair. Para ele, não precisava ser toda semana, deixando-o aflito até que a madrugada nos trouxesse de volta.</span><br /><br /><span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Essa experiência só reforçou em mim a percepção de que as mulheres amadurecem antes. A sagacidade de minha irmã foi prova viva disso, deixando claro que certas mulheres dominam artes como a manipulação e a camuflagem de sentimentos muito mais do que os homens, esses inocentes que se acham sabidos.<o:p></o:p></span></span></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #222222;"><span><br />Homens, como elas mesmo admitem, “nunca deixam de ser crianças”. Deve haver um anjo da guarda de plantão para cada um. Caso contrário, viver torna-se perigoso demais.</span></span><span style="color: #222222;"> </span></span>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com26tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-31685078326250079622024-03-06T04:32:00.003-03:002024-03-06T06:51:32.676-03:00Não é certo<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quem sou eu pra falar dessas coisas, mas resolvi navegar no intrigante universo do insulto, essa prática sofisticada para exibir nossa erudição social. Palavras, gestos e atitudes desrespeitosas, verdadeiros mimos linguísticos com o poder de ferir a dignidade alheia. Afinal, quem precisa de flores quando pode presentear alguém com um insulto afiado, daqueles que cortam o coração da pessoa ofendida?</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O ser humano, esse bicho seletivo por conveniência, ainda luta para superar conceitos primitivos como a ideia de que homens "garanhões" merecem tapinhas nas costas, enquanto mulheres que têm mais de um parceiro são chamadas de "putas". A dualidade dos sexos, tão incensada pela sociedade, permanece uma figura de retórica. Afinal, quem precisa de igualdade quando pode apontar o dedo apenas numa direção?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E o que dizer das pérolas linguísticas utilizadas para xingar o próximo? A palavra "vagabunda", por exemplo, uma verdadeira sinfonia de desrespeito quando dirigida a uma mulher, com uma simples troca de vogal pode virar afago no ego masculino. Chamar um homem de "vagabundo" às vezes é reconhecê-lo como “esperto”, “malandro”, capaz de tocar a vida à custa dos outros.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No território do caráter relacional, “egoísta”, "farsante", "mentirosa" são termos que refletem a complexidade das relações interpessoais, com destaque para a exploração de traços físicos. Chamar uma mulher de "gorda" atinge o ápice do ultraje, enquanto atribuir gordura a um homem vira e mexe é um elogio cúmplice. Já vi até machão vestindo camisa onde escrito “um homem sem barriga é um homem sem história”. A incoerência nos insultos realmente nos remete à idade da pedra lascada.<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirQIUWC9Ltd833GGWBaTiWdP3mMfF-MamALRs4bo6bzwHg-zKzaXjJE_uyzAkOKtZtkYK6vRr_qlKr7zDQQAkzxPr5lzQnsZQ3eEVPD-VrVSrrtpgk_9O8gElxaAgRS09VX1bDDUuVzlIlGXdz53QuHGH1EQpBlzot2a6VGFe2GskNvst-7i1jKpJ2eyA/s1600/5a36d53f-0f26-4139-a7f3-408752af81dc.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1364" data-original-width="1600" height="341" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirQIUWC9Ltd833GGWBaTiWdP3mMfF-MamALRs4bo6bzwHg-zKzaXjJE_uyzAkOKtZtkYK6vRr_qlKr7zDQQAkzxPr5lzQnsZQ3eEVPD-VrVSrrtpgk_9O8gElxaAgRS09VX1bDDUuVzlIlGXdz53QuHGH1EQpBlzot2a6VGFe2GskNvst-7i1jKpJ2eyA/w400-h341/5a36d53f-0f26-4139-a7f3-408752af81dc.jpeg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Ilustração: Umor</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />E que tal palavrões em tom de brincadeira? Entre amigos ou amigas, o insulto pode ser apenas uma forma de zombar o outro. Mas, olhe lá! A entonação é crucial, pois no contexto errado, a mesma expressão pode passar de uma piada inofensiva para um ataque de proporções épicas. É o caso dos clássicos “pqp!”, “vtf” e “vtnc!” (evito grafá-los para não vulgarizar o texto), desabafos que levam alguns à catarse no desfecho de uma conversa.<br /><o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E quando a ideia é desferir insultos "funcionais", a diferença entre homens e mulheres atinge níveis cômicos. Se um dos piores insultos para elas é ser chamada de "gorda" ou “velha”, para eles alcança o topo da ofensa ser chamado de "broxa" ou “corno”. Torna-se alto o risco de lesões corporais recíprocas.<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">No futebol, </span><span style="font-family: verdana;">outro terreno fértil para insultos a granel, </span><span style="font-family: verdana;">gírias e expressões são comuns aos dois gêneros. "Chinelinho" (quem faz corpo mole, simula contusão ou se machuca com frequência, e só aparece na mídia usando chinelos), "mascarado" (quem se acha a última pipoca do saco), "pipoqueiro" (quem se esconde nos momentos críticos, quando seu time mais precisa). São verdadeiros coices nas canelas das vítimas.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E no meio militar, hein?! Tá o maior bafafá em Brasília desde que um certo general, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente da República em 2022, foi alvo de uma operação da Polícia Federal que mira articulações ideológicas de extrema direita (gostaram do eufemismo?). </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mensagens obtidas nos celulares confiscados revelam que o general insultou integrantes das Forças Armadas que não aderiram às “articulações”. Numa delas, ele se refere ao então comandante do exército com o epíteto de “cagão” e pede (não se sabe a quem) que a cabeça dele seja oferecida. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Claro, não falava de um desarranjo intestinal do velho companheiro de farda e quepe. Mas cheguei a pensar que estávamos prestes a assistir a um duelo meticulosamente orquestrado entre ambos, em campo aberto, na presença de testemunhas representativas dos três poderes da República, com armas escolhidas pelo ofendido para desagravo de sua honra. Uma espécie de <i>revival </i>medieval confrontando dois nobres da corte.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Descobri, no entanto, que duelos estão proibidos desde a época colonial, uma proibição confirmada logo depois da independência do Brasil, com a constituição outorgada por Pedro I em 1824. Melhor assim, sem melodramas. Afinal, lavar a honra com sangue suja a roupa toda, como diria Stanislaw Ponte Preta (1923</span><span style="caret-color: rgb(13, 13, 13); color: #0d0d0d; font-family: verdana;">–</span><span style="font-family: verdana;">1968).</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Soube ainda que, há pouco </span><span style="font-family: verdana;">tempo, num inquérito administrativo contra uma militar mato-grossense acusada de ferir moral, ética e disciplina, os xingamentos proferidos, inicialmente considerados como pressão psicológica sobre um recruta, foram perdoados. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Argumentou-se que certos insultos, extraídos de um dicionário de gírias e jargões militares, são inofensivos e funcionam apenas como meio de animar a tropa a dar o melhor de si. Bisonho, cagão, caga pau, coisa, cu de tropa, mocorongo, morcego, molambo, perebento, pulha, rolha, tapado, entre outros… Ótima forma de incentivar a equipe! Como nunca pensei nisso!?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span><span style="font-family: verdana;">Convicções pessoais e xingamentos à parte, aos que estranharam a ocorrência verde-oliva em Brasília, recordo aqui um certo personagem criado nos anos 1970 pelos cartunistas Cláudio Paiva, Hubert Aranha e Agner, em tirinhas publicadas na última página de </span><i style="font-family: verdana;">O Pasquim</i><span style="font-family: verdana;">. Avelar, o general que não aderiu ao golpe de 1964 </span></span><span style="font-family: verdana;">–</span><span style="font-family: verdana;"> um linha dura que apanhava da esposa em casa </span><span style="font-family: verdana;">–,</span><span style="font-family: verdana;"> vivia repetindo, resignadamente: “Não ia dar certo mesmo...”</span></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com31tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-42920773868476129792024-02-28T04:35:00.002-03:002024-02-28T17:01:24.623-03:00Vai passar?<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;">Nomes não vêm ao caso, mas no </span></span><span style="color: #0d0d0d;">Carnaval deste ano os mandachuvas de uma grande rede brasileira de TV resolveram escalar influenciadores digitais e apresentadores novatos para a cobertura jornalística na Marquês de Sapucaí, no Rio. E o que aconteceu? Uma enxurrada de críticas devido ao baixo nível da transmissão, com muitas queixas sobre a qualidade das entrevistas, que mais pareciam bate-papos de boteco do que jornalismo sério.</span></span></p><p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0d0d0d;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Enquanto a TV se esforçava para entreter a massa carnavalesca, eu surfava na internet em busca de fatos dignos de uma crônica e nada. Na verdade, uma maré de notícias triviais e sem graça. Nem mesmo o vexame da Seleção Brasileira, atual bicampeã olímpica de futebol que ficará fora dos Jogos de Paris, teve algo de novo no feriadão. Só mais um fracasso da CBF.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em meio à monotonia, recebi de um velho amigo um artigo interessante sobre os estudos de um doutor espanhol, de 39 anos, especialista em gerontologia (cuida do envelhecimento nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais), confirmando que uma vida sexual ativa faz um bem danado à saúde. Além de animar o coração, a mente e fortalecer o sistema imunológico, é um verdadeiro elixir para o humor. A intimidade libera substâncias no cérebro que nos deixam mais contentes que cachorro com dois rabos. Claro, não é remédio para a depressão, mas certamente melhora o astral.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Tem mais! Ele garante que reduz o estresse e melhora o sono, tudo isso, bem, com um pouquinho de amor, carinho e as finanças sob controle. Parece até que tem efeito contra o coronavírus. Se é verdade ou não, não me cabe atestar, mas há outros especialistas, iraquianos, sugerindo que relações íntimas três vezes por mês podem nos proteger do coronavírus. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Falando em proteção, fizeram uma pesquisa com 16 mil participantes em 33 países, divididos em dois grupos. O primeiro mantinha uma frequência de pelo menos três relações por mês, enquanto o segundo não chegava a tanto. Quatro meses depois, viu-se que 77% dos membros do primeiro grupo não foram infectados pela doença, mesmo que o tamanho da amostra estatística não seja lá grande coisa. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sobre tamanho, aliás, um ex-ator pornô brasileiro, de 69 anos de idade, conhecido por um atributo bem específico, anda fazendo propaganda para uma das maiores redes de <i>fast food</i> que operam no Brasil. Causou furor, inclusive, ao anunciar uma oferta de dois sanduíches por 25 reais, com o lembrete provocativo de que "tamanho é documento, sim!". <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O assunto dominou os <i>Trending Topics</i> do X (ex-<i>Twitter)</i>, no segmento de comidas. Os internautas foram à loucura, uns achando engraçado, outros uma insanidade absoluta, por causa das criaturas inocentes que têm acesso às redes sociais e que ainda acreditam que a principal função de uma bengala é aumentar a base de apoio, melhorando o equilíbrio do vovô.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E sem ter uma escola de samba pra desfilar este ano, uma famosa atriz de novelas, de 44 anos, teceu comentários abertamente sobre o órgão do marido num canal de TV por assinatura. A declaração sobre “quão duro ele é" pode ter atiçado o complexo de inferioridade de muita gente, sobretudo porque a moça arrematou beirando o esculacho, com enorme naturalidade: "Além de grande e grosso, é duro, tipo madeira...". <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;">Bem, agora imaginem que cena poderia ter virado a grande notícia do Carnaval 2024! Um animado bate-papo num boteco entre o espanhol e o casal de brasileiros. Chope vai, chope vem, croquetes pra cá e pra lá, ao som dos </span><i style="color: #0d0d0d;">hits</i><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"> “Macetando” e “Perna Bamba”, com a prosa descambando para uma mistura de temas anatomicamente sensíveis. Nisso, alguns fregueses mais sóbrios, com garfos e facas de mesa nas <span style="caret-color: rgb(13, 13, 13);">mãos</span>, exigem do trio a suspensão do desfile de "dados científicos" a partir de suas respectivas habilidades, sob pena de ultraje ao pudor em plena apoteose. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;">Mas nada disso aconteceu, é claro. </span></span><span style="color: #0d0d0d; font-family: verdana;">Como se vê, não é fácil preparar uma crônica toda semana, havendo ou não temas palpitantes. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><br /></span></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZDkzTWYUsfB-5vOkQjRgwi2Sf78ZLWvm8G-kYulnPk8KfxuEsDWfKSdaEml7jGIKj_uc-Er0bBmKw0lK3R-WaGjslykEe2qZBP3eXj5Dl1xqM0VUiTg8jReGt78D7PS2LQhPKjPrkszIwBQaFvpJ5gHpMdjcFtsuITjHFt6OQg-hpxTl4u1jUCQckT1w/s1133/IMG_4681.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><img border="0" data-original-height="968" data-original-width="1133" height="341" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZDkzTWYUsfB-5vOkQjRgwi2Sf78ZLWvm8G-kYulnPk8KfxuEsDWfKSdaEml7jGIKj_uc-Er0bBmKw0lK3R-WaGjslykEe2qZBP3eXj5Dl1xqM0VUiTg8jReGt78D7PS2LQhPKjPrkszIwBQaFvpJ5gHpMdjcFtsuITjHFt6OQg-hpxTl4u1jUCQckT1w/w400-h341/IMG_4681.jpeg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Reprodução/FaceBook</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><br />Já quase desistindo de garimpar um fato que me instigasse a escrever, descobri no <i>FaceBook</i> uma charge em que um casal de meia idade passeia com um garotinho numa calçada sem sinais de chuva, suor nem urina. O pai, talvez interessado em avaliar o legado genético-carnavalesco transmitido ao rebento, indaga: </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;">– Que escola você queria ver campeã? </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– A pública, pai! – responde o inocente.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span face="Verdana, sans-serif" style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas em meio à batucada, os foliões de hoje e os mandachuvas de sempre, irmanados na política do pão e circo, não parecem interessados em discutir meios e modos de virar de vez essa página infeliz de nossa história. "Ai, que vida boa, olerê! Ai, que vida boa, olará! O estandarte do sanatório vai..." </span></span><span style="font-size: large;"><span style="caret-color: rgb(13, 13, 13); color: #0d0d0d; font-family: verdana;">– entoam.</span><span style="color: #0d0d0d; font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #0d0d0d;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Vai ver, a charge foi publicada por engano, só para me deixar aqui reflexivo, contrariado, pensando no que vem aí e cairá no colo de nossas novas gerações, quando a ressaca geral passar. </span></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com28tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-44541715871193298942024-02-21T04:09:00.004-03:002024-02-21T17:20:49.478-03:00Teria sido assim<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Gilton Della Cella, cantador e compositor dos melhores que conheço, dia desses compartilhou um <i>link</i> de vídeo comigo. Trazia depoimento de Sandro Haick, multi-instrumentista, arranjador, produtor e diretor musical, falando sobre Dominguinhos, figura lendária na MPB. </span></p><p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjg60ey0n0J8jzUMOQS_7XOf_omzmnjLgab__28-ZQiKQI2cJnupIlsXcrJ-FblGs_E6gb3oekQLIuoNVxDSUqc8rfTL6XO9gRUD0U9YRFV-x5rHBiLsEYTX0qUIMnyLqrqE6EoY_P15KD1MG_z1ET00BDHLmOcKjERbK9XuObG6o_V2MCKP49zIBXSoUE/s450/dominguinhos-mat.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="271" data-original-width="450" height="241" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjg60ey0n0J8jzUMOQS_7XOf_omzmnjLgab__28-ZQiKQI2cJnupIlsXcrJ-FblGs_E6gb3oekQLIuoNVxDSUqc8rfTL6XO9gRUD0U9YRFV-x5rHBiLsEYTX0qUIMnyLqrqE6EoY_P15KD1MG_z1ET00BDHLmOcKjERbK9XuObG6o_V2MCKP49zIBXSoUE/w400-h241/dominguinhos-mat.jpg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Reprodução/YouTube</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />O trecho final comove. Sandro conta que, com muito tato, consultou Dominguinhos sobre se manteria um baixista que não acertava uma nota sequer para a segunda de três apresentações. O gênio, sorrindo, respondeu “sim”, com uma generosa ressalva: “ele tá precisando...” </span><span style="font-family: verdana;">(<a href="https://youtu.be/rAjcYCPP4eA?si=s_OUAc9zD7UfaSoW">ouça aqui</a>)<span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Lembrou-me de um dito popular nordestino que descreve um político decente que surge de vez em quando, daqueles que existem apenas pra não perdermos por completo a esperança. Os mais humildes o reconhecem: “esse entende de precisão!”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Também me veio à cabeça meu sogro, Tertulino, que desde menino, no sertão de Quixeramobim (CE), foi dispensado pelo próprio pai do trabalho no balcão do armazém da família. Por ter o coração mole diante do sofrimento alheio, renunciava parcialmente ao pagamento dos mais necessitados.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"> </span><span style="font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Compartilhei o vídeo com outros amigos, amantes da boa música instrumental, registrando que Dominguinhos merecia uma biografia escrita por mestres como Ruy Castro ou Fernando Morais, para que nossos netos pudessem conhecer sua história.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Dois deles, talvez combinados na brincadeira, sugeriram que eu encarasse a missão, com o argumento meio furado de que conheço a alma nordestina. Um até soltou que poderia ser “o desafio, a obra de minha vida”. O outro, ponderando que “esses medalhões não vão topar”, me recomendou a leitura do livro “A vida por escrito – Ciência e arte da biografia”, onde Ruy Castro divide segredos, técnicas e truques sobre o assunto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"> </span><span style="font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Confesso que quase caio na conversa, mas estou seguro de que essa missão exigiria alguém mais dedicado do que eu, disposto a pesquisar a fundo, fazer perguntas difíceis e tirar conclusões lógicas de onde ninguém mais vê lógica.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"> </span><span style="font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Deus sabe que já fiz a obra da minha vida quando ajudei minha mulher a trazer ao mundo e a criar nossos filhos na justa medida de minhas limitações, cada qual com seus acertos e desacertos, mas todos tocados pela mais nobre das virtudes: a prontidão para servir aos mais frágeis. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Notei que pouco posso acrescentar ao que já foi dito sobre Dominguinhos, tudo acessível na internet. Desde o fato de que era um dos 16 filhos de um casal de alagoanos, mestre Chicão, sanfoneiro e afinador, e dona Mariinha, que migraram pro agreste pernambucano na primeira metade do século passado em busca de vida melhor.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Como tantos meninos pelo interior, Neném, como era chamado, tomou gosto pela música com o pai e aprendeu cedo a tocar pandeiro, triângulo e sanfona. Logo se apresentava com dois irmãos em feiras livres e na porta do antigo hotel Tavares Correia, em Garanhuns (PE), onde conheceu Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, que se impressionou com a criança e se ofereceu pra ajudá-la, caso um dia fosse pro Rio de Janeiro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Anos depois, o pai resolveu procurar Gonzagão, no Rio, fugindo das dificuldades enfrentadas no Nordeste, carregando a família, inclusive Neném do Acordeon, aos 13 anos, numa viagem de pau-de-arara que durou 11 dias. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhq2D5F82_iAfM-LFHbm4PJYeNSSXoudy_W9zQRf2FnP6yGji5anaUcE1aEFgt7JavX9_yC5sUaCF_R2MFDvdDMbuQFhUcXIglQ4j84J3eazpXbim3265t12okT2iThdz9khZUiB60xPYegHnWcv3PEYzhbhd4S78_Y-lq9AktvisIxeym5wx9z09OCjic/s236/images.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="236" data-original-width="213" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhq2D5F82_iAfM-LFHbm4PJYeNSSXoudy_W9zQRf2FnP6yGji5anaUcE1aEFgt7JavX9_yC5sUaCF_R2MFDvdDMbuQFhUcXIglQ4j84J3eazpXbim3265t12okT2iThdz9khZUiB60xPYegHnWcv3PEYzhbhd4S78_Y-lq9AktvisIxeym5wx9z09OCjic/w361-h400/images.jpeg" width="361" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Foto: Acervo Rio Gráfica Editora</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Mais pra frente, já batizado de Dominguinhos por Luiz Gonzaga, voltaria ao Nordeste numa turnê, em 1967, como motorista e sanfoneiro do grupo de músicos. Foi quando conheceu a recifense Anastácia, cantora e compositora com quem foi casado por 11 anos e compôs mais de 200 músicas (as “filhas” do casal, segundo ele).<o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Entrar pro grupo do Rei do Baião deu-lhe maturidade como músico e arranjador. Mais do que aprender, o discípulo inovou a arte do mestre, e se aproximou de artistas famosos (Chico Buarque, Djavan, Gal Costa, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Maria Bethânia, Nara Leão, Roberto Carlos etc.), abrindo a porteira para uma carreira que passeou por vários estilos musicais, de Baião, Forró, Xote, até Bossa Nova, Choro e <i>Jazz.</i><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em<i> Lamento Sertanejo, </i>sua canção preferida, em parceria com Gilberto Gil,<i> </i>consta<i> </i>que, "por ser de lá, do sertão, lá do cerrado, lá do interior do mato, da caatinga, do roçado", era uma "rês desgarrada na multidão". </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Dizem que a solidão é a sorte dos espíritos excepcionais, o que talvez explique um legado (506 obras musicais, 34 LPs e 38 CDs) que transcende gerações, tocando corações em todo o mundo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E o reconhecimento veio também de fora. Em 2002, ganhou o <i>Grammy Latino</i>, com o CD <i>Chegando de Mansinho</i>, e 10 anos depois repetiu o feito, na categoria melhor álbum brasileiro de raiz, com o CD/DVD <i>Iluminado</i>. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"> </span><span style="font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas aí chegou 2013 e, aos 72 anos, ele não resistiu à luta travada contra um câncer de pulmão. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Não duvido nada ter encontrado, em outro plano, o Criador de tudo, tendo ao lado Gonzagão, a quem Dominguinhos se dirigiu: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0d0d0d;">– Mestre... Dá licença? Tô de</span> volta pro meu aconchego, trago saudade, quero um sorriso, um abraço pra aliviar meu cansaço... <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0d0d0d;">– Oxe! </span>Precisa pedir? <span style="color: #0d0d0d;">– responderam, sorrindo, os dois.</span></span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com47tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-54725322081596581152024-02-14T04:19:00.000-03:002024-02-14T04:19:30.194-03:00A falta que faz uma pomba<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Se você espera um texto sobre o luto de alguém, relacionado aos carnavais de outrora, sentindo a ausência de seu cobertor de orelhas "macetando" o apocalipse, bem, sugiro que ajuste seus óculos e prepare-se para uma reviravolta. Não é disso que pretendo falar nesta Quarta-feira de Cinzas.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sábado retrasado, eu seguia pela orla da Pajuçara, de olho nos foliões que se arrumavam para homenagear o “Pinto da Madrugada”, bloco carnavalesco maceioense que acaba de completar 25 anos. Meu passeio me levou até o Memorial Teotônio Vilela, que mais parece uma ode à arquitetura de Niemeyer, com seu vitral patriótico e uma estátua do Menestrel das Alagoas em pleno ato de libertação de uma pomba, símbolo de sua batalha pela pacificação do Brasil após quase 20 anos de ditadura militar. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Esse gesto me fez lembrar da cantora Fafá de Belém, que, um ano após a morte do senador, em 1984, também soltou uma pomba que tinha nas mãos, no histórico comício pelas “Diretas Já”. Tempos duros em que a liberdade era mais valorizada do que dinheiro na cueca ou em paraísos fiscais, onde a sociedade, artistas populares e os políticos de diferentes partidos se uniram em torno de um interesse maior: a redemocratização do Brasil.</span><div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;"><o:p></o:p></span><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3P6UHWMzzxE1ROVdCN3y0LB_vtO0wk4W2rBjO0JOogGLSkz4YMf12C7fTtKM2IMfA1u-4o82UOG6D0Tk5oxeUQMfx_d8XV991ydSDnfMKvUH_GmvH5j2hFq02KRGsRWUHtm_JzO2DyUB1DL4ZCHkd9SyFc3LpT_tKoM74M7yfUu0b4CuxOtAvWuGAwVs/s1000/IMG_4589.JPG" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: x-small;"><img border="0" data-original-height="660" data-original-width="1000" height="264" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3P6UHWMzzxE1ROVdCN3y0LB_vtO0wk4W2rBjO0JOogGLSkz4YMf12C7fTtKM2IMfA1u-4o82UOG6D0Tk5oxeUQMfx_d8XV991ydSDnfMKvUH_GmvH5j2hFq02KRGsRWUHtm_JzO2DyUB1DL4ZCHkd9SyFc3LpT_tKoM74M7yfUu0b4CuxOtAvWuGAwVs/w400-h264/IMG_4589.JPG" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: x-small;">Foto: Fafá de Belém, Teotônio Vilela e Fernando Brant (álbum da família Vilela)</span></td></tr></tbody></table></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Falando em pombas, essas criaturas aladas não são apenas mensageiras de paz na Bíblia. São protagonistas de histórias que vão desde a arca de Noé até o batismo de Jesus. Mas, vamos combinar, de uns tempos pra cá elas têm sido rotuladas por muita gente como verdadeiras “ratazanas do céu”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No palco urbano, onde fazem as vezes de coadjuvantes, seguem ecoando seus arrulhos misteriosos, quer a plateia aprecie ou não o espetáculo. Mas, quem diria, no civilizado Japão da paz (como canta Gil), a trama ganha contornos dignos de uma novela policial, com essas bichinhas alçando voos rumo ao estrelato de vítimas de um crime inusitado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No final do ano passado, Atsushi Ozawa, um taxista de 50 anos, morador de Tóquio, decide que é hora de fazer justiça com as próprias rodas, encenando uma versão motorizada de "O Predador" contra um grupo de incautas pombas. Seu veículo, antes mero meio de transporte, transforma-se na arma do crime contra uma ave que não constava na lista de espécies caçáveis.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O enredo se torna denso quando Ozawa, sem uma gota de remorso, declara à polícia que agiu em legítima defesa territorial, alegando que as ruas são domínios humanos e as pombas, simples intrusas que deveriam ter o bom senso de evitar carros, atrapalhando o trânsito. "As estradas são para as pessoas," proclamou, após um episódio de alta velocidade digno de ser narrado por Sílvio Luiz, com direito aos bordões “olho no lance!” e “pelas barbas do profeta!”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O desfecho dessa saga urbana não poderia ser mais dramático. A lei japonesa, pouco acostumada a tratar casos de homicídio avícola, convoca um veterinário para realizar uma autópsia na vítima fatal, buscando evidências de que a morte foi um trágico encontro com o táxi de Ozawa. A conclusão? Um choque cruel, doloso, digno de cadeia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Nas redes sociais, a coisa pega fogo, com pessoas chocadas com o fato de que atropelar uma pomba possa render cadeia, enquanto outras acham que o motorista passou dos limites. Quem diria que esses símbolos pacíficos iriam causar tanta polêmica?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A má vontade com as pombas tem explicação: por serem bonitinhas e ordinárias, as pessoas gostam de alimentá-las com restos de comida, algodão doce, pão, pipocas, que são alimentos inadequados e prejudicam a saúde, além de viciá-las.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Como já não são mais caçadas por predadores urbanos (os gatos preferem ração de boa qualidade), cresce sem controle a população de pombas e o aumento tornou-se um sério problema, pois são potencialmente perigosas para a saúde humana. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A Salmonelose, por exemplo, é uma doença infecciosa provocada por bactérias, e a contaminação ocorre pela ingestão de alimentos com fezes (coisa que prefiro acreditar nunca aconteceu comigo ou com você). Ou a Histoplasmose, provocada por fungos que se proliferam nas fezes de aves e morcegos, cuja contaminação se dá pela inalação de esporos (células reprodutoras do fungo).<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A versão brasileira da novela japonesa será facilitada pela atual concentração da sociedade em dois lados, onde adversários são tidos como inimigos e transgredir as regras é sempre justificável. Quem procura se manter fora desses dois polos, com outras visões e ideias, ou mesmo quem defende que ambas as facções têm acertos e erros, é tratado pejorativamente como “isentão”. E tome insultos e patrulhamento ideológico!</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIjPhak-xmk2u_7B0Nrw-cRNZvk1uJbhgtQo-Z3BjJfvQR8134RC72wUle8F4I4Q1gbnWJxLiskCWY4vq6yfq4kA-hSajlaiepD5ZZa6CIMb5LRogyVHf0IK5BVXhwIAD3nwGK_CaYlPdWYOZNPJZd1qfiGey8wNWFcRDibGU5eOYswQjVZWWc_ae_FdI/s2048/IMG_4601.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="2048" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIjPhak-xmk2u_7B0Nrw-cRNZvk1uJbhgtQo-Z3BjJfvQR8134RC72wUle8F4I4Q1gbnWJxLiskCWY4vq6yfq4kA-hSajlaiepD5ZZa6CIMb5LRogyVHf0IK5BVXhwIAD3nwGK_CaYlPdWYOZNPJZd1qfiGey8wNWFcRDibGU5eOYswQjVZWWc_ae_FdI/w400-h400/IMG_4601.jpeg" width="400" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sem trocadilho, penso que essa gente intolerante e raivosa anda precisando mesmo é de meia hora de pomba (com o relógio parado!). E não estou falando de uma qualquer, mas daquelas que tiveram o privilégio de voar das mãos de Teotônio Vilela e de Fafá de Belém. Se voltaram, não tenho notícia...</span><p></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com25tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-9691558704231217762024-02-07T04:14:00.002-03:002024-02-07T04:16:27.044-03:00E o livre-arbítrio, como fica?<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Dia desses eu conversava com um amigo baiano, escriba dos bons, que anda meio azedo por conta da dificuldade de encontrar quem goste de ler e escrever. Tem até opinião formada sobre a causa do problema: o ChatGPT! E desabafou, carregando nas tintas: “você sugere um tema qualquer e o computador cospe um texto mastigadinho, feito banana amassada com farelo de aveia. Tá virando drama inclusive para os mercadores de monografias, que estão perdendo a reserva de mercado".</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Tentei discordar, mas sem muita firmeza, apenas buscando esticar um papo que me dava retorno reflexivo: "Olhe só, o ChatGPT, assim como a maioria das inovações tecnológicas, veio apenas para facilitar a vida no vale de lágrimas. O problema é a preguiça generalizada, que tem sido a mãe de quase todas as invenções. Até pensar agora é serviço terceirizado. O xis da questão é como usar a ferramenta, para o bem ou para o mal. E essa história de 'livre-arbítrio' é igual a democracia perfeita: é bonita no papel, mas na prática... Sei não, viu?".</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;"></span></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWLRyY10RHG6jl7DF1mQPt6qS14xGa1GLnTsSOQZpUIxzvMIVyJDA7MW0WeTHO257GBt4zpltTHVqZfL4Y2QU4_08hyr9ory3mDtdadS2yAwbQJ15w_LUxFWhDtjISc7NoG_kaB1KcMLb4DZMDBzQOOzA-JoDSyr2n3Xj3Vn9jRbITDk89xhOa5KtyDJI/s1284/IMG_4554.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1159" data-original-width="1284" height="361" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWLRyY10RHG6jl7DF1mQPt6qS14xGa1GLnTsSOQZpUIxzvMIVyJDA7MW0WeTHO257GBt4zpltTHVqZfL4Y2QU4_08hyr9ory3mDtdadS2yAwbQJ15w_LUxFWhDtjISc7NoG_kaB1KcMLb4DZMDBzQOOzA-JoDSyr2n3Xj3Vn9jRbITDk89xhOa5KtyDJI/w400-h361/IMG_4554.jpeg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: large;">Ilustração: Umor</span></td></tr></tbody></table><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;"></span></span></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;"><br />Como eu não estava muito seguro daquilo que defendia para convencê-lo, reforcei o argumento citando um</span><span style="color: #403e3b;"> gênio que segue vivíssimo na memória do povo brasileiro, João Ubaldo Ribeiro. Dizia ele, em resumo, que sem livre-arbítrio, o homem não é nada, não tem dignidade nem responsabilidade. Se queremos um mundo melhor, temos que correr atrás, porque o mundo é nosso. Não dá pra esperar que Deus resolva tudo. </span><o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #403e3b;">Consegui convencer meu amigo daquilo de que não tinha tanta certeza, mas fiquei matutando. Então resolvi </span><span style="color: #0f0f0f;">mergulhar um pouco mais no assunto. Descobri que um tal de Robert Sapolsky, cérebro de primeira grandeza vinculado à Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, andou estudando babuínos selvagens no Quênia e demonstrou como o estresse social afeta a saúde dos animais. Tempos depois, virou neurocientista e concluiu que livre-arbítrio não passa de lenda. "Somos frutos daquilo que não controlamos: nossa biologia, o ambiente, a interação entre ele</span>s", ele es<span style="color: #0f0f0f;">creveu.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Faz sentido? – me perguntei – Será que a gente decide alguma coisa mesmo? E se pegar isso de que “somos frutos daquilo que não controlamos”, o que vai ser de nós numa sociedade onde chafurdam elites (com o perdão da palavra!)</span> <span style="color: #0f0f0f;">empresariais, políticas e judiciárias, agindo em benefício próprio com suas artimanhas em produzir verdades a granel?</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">E quem não quer um pouquinho mais de liberdade nessa vida? Mas será que temos mesmo liberdade de escolha? Falo desde decidir entre café com ou sem açúcar, salsa ou coentro, até os grandes dilemas éticos, morais e políticos.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Essa discussão do livre-arbítrio saiu das mãos dos filósofos e teólogos e caiu no colo dos neurocientistas. E eles agora questionam se realmente a gente escolhe alguma coisa. Dizem que nosso cérebro decide antes de a gente notar. Igual o coração, que tem vida própria, bate quando quer, até que certo dia... </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Mas o que é escolher conscientemente? Filósofos e neurocientistas estão numa disputa danada. Os filósofos acham que os neurocientistas só arranham a superfície da questão. Os neurocientistas respondem apelando para o antigo bordão de compadre Washington, do antigo grupo musical<i> É o Tchan!</i>: “Sabem de nada, inocentes!” </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">No futuro, tudo indica que será possível prever decisões antes mesmo de a pessoa saber. Vem aí uma revolução filosófica! </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Decisões complexas, no entanto, como juntar as escovas de dentes com a pessoa amada, escolher uma carreira, cometer um crime ou romper um relacionamento, continuarão um emaranhado de escolhas e reflexões. </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #0f0f0f;">Talvez essa confusão toda seja apenas um nó na nossa compreensão da consciência humana. Afinal, se somos aquilo que não controlamos (a herança genética, o ambiente e a interação</span> incluídos<span style="color: #0f0f0f;">),</span> então o livre-arbítrio “irresponsável” pode nos estimular a cometer sem culpa alguns pecados capitais. A gula e a luxúria, por exemplo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quem sabe, quando este mundo for repaginado, a gente pare de tentar convencer os outros daquilo em que nem acredita. Tem tanta coisa que fazemos sem pensar que é pecado, mas ser intelectualmente desonesto está virando prática abusiva, assédio moral, pois pode expor alguém a situação constrangedora.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Já desejar a cara-metade alheia, como diz o meu amigo baiano, é injustamente classificado desde que o mundo é mundo. Segundo ele, precisaria ser excluído da lista. “Que seja pecado avançar sem o consentimento, mas só cobiçar de longe, sem tocar num fio de cabelo da criatura, meu Deus, não deve ser pecado. E o livre-arbítrio, como fica?” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #403e3b;"> </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #403e3b;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Fato é que, mesmo aqueles que não acreditam em livre-arbítrio e acham que está tudo predeterminado, que não se pode fazer nada para mudar o que foi escrito nas estrelas, ainda olham pros dois lados antes de atravessar a rua. </span></span><span face="Calibri, sans-serif" style="font-size: 13.5pt;"><o:p></o:p></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com31tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-85832686924038587712024-01-31T04:19:00.005-03:002024-01-31T08:50:11.897-03:00A flauta que fez<p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Para celebrar o centenário de Altamiro Carrilho (1924 – 2012), o gênio da flauta transversal, a Casa do Choro, no Rio de Janeiro, está lançando um site com o acervo particular do músico, doado pela família à instituição. </span><span style="font-family: verdana;">São gravações, manuscritos, partituras, fotografias, troféus e objetos pessoais, catalogados pelo pesquisador Tomaz Retz, agora ao alcance dos fãs do mais antigo gênero de música popular urbana do Brasil: o choro.</span></span></p><div><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><br /></span><span style="font-family: verdana;"><o:p></o:p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7UpVWra8qOZZAHbqSQWB9GIxoI7-7edjt7RTvM09VT293sxLgFHvC-vq2zDZOIt02J1emfTKOjUD4TigyYxqht3qE376SsIQ5j0lGFdpzLo4QtTV0FtBKEBTH6EV_lRGK06TOriAjoLKOZv3-6eVt-xJrKcS2txGa1k0LZRkfOWiHTSIil4s8RGd4U54/s882/IMG_6118.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="571" data-original-width="882" height="259" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7UpVWra8qOZZAHbqSQWB9GIxoI7-7edjt7RTvM09VT293sxLgFHvC-vq2zDZOIt02J1emfTKOjUD4TigyYxqht3qE376SsIQ5j0lGFdpzLo4QtTV0FtBKEBTH6EV_lRGK06TOriAjoLKOZv3-6eVt-xJrKcS2txGa1k0LZRkfOWiHTSIil4s8RGd4U54/w400-h259/IMG_6118.jpeg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Reprodução/YouTube</td></tr></tbody></table></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Que manhã inesquecível em 1998, no Recife, aquela sexta-feira em que conheci Altamiro Carrilho! De noite, ele se apresentaria para convidados do Banco do Brasil na cobertura do prédio onde a Avenida Rio Branco cruza com o Cais do Apolo. Um lugar iluminado, à beira-rio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Altamiro, com mais de 100 discos, fitas, CDs e sei lá mais o que gravados em 60 anos de carreira, dois anos antes havia participado do <i>Projeto Tom Brasil</i>. Uma ação de marketing cultural que reuniu uma seleção de craques da música instrumental brasileira, incluindo Armandinho, Dominguinhos, Raphael Rabello e outras feras.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Dava para notar que, muito mais que um instrumentista famoso, eu estava diante de um cara no ápice da maturidade (74 anos), ainda apaixonado pelo que fazia e de um bom humor contagiante. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Contava histórias impagáveis. Um dia, dizia ele, sofrendo horrores com uma apendicite, foi levado de ambulância ao hospital, no Rio de Janeiro. Lá, enquanto era anestesiado, só pensava em como iria pagar a despesa, já que a situação financeira nunca foi lá essas coisas. Mas quando acordou, o médico, todo sorridente, acelerou sua recuperação ao dizer que a conta já tinha sido paga: ao lado do pai, de quem herdara o gosto pelo choro, ele curtia os discos de Altamiro desde criança. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Gratidão é algo interessante. Geralmente as pessoas preferem retribuir um dano com um coice a agradecer, com o coração, um favor. Talvez porque ser grato pesa mais do que querer se vingar. Poucos enxergam que, ao receber um benefício com gratidão e reconhecimento, já quitam parte da dívida na origem.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas até as boas conversas chegam ao fim. Quando ofereci de presente a Altamiro uma caneta chique, com a logomarca do patrocinador do evento da noite, ele sorriu e desandou a falar de como se tornara conhecido no mundo todo, depois de rodar países como Alemanha, Egito, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, México, Portugal, União Soviética e mais um montão de lugares. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Numa turnê em 1963, um famoso maestro russo ficou encantado depois de assistir a um espetáculo em Moscou e fez questão de cumprimentá-lo no camarim, afirmando que acabara de ouvir um dos melhores flautistas do mundo. Resultado? Teve que esticar a estadia por mais três meses por causa de tantos convites para shows.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No último dia, o famoso maestro o convidou para um café da manhã. Os russos são conhecidos pela sua hospitalidade. Gostam de receber amigos e mesas fartas são o atributo principal desses encontros. Mesmo que seja apenas um encontro amistoso, modesto, é comum, ao final, oferecer um mimo ao visitante que seja muito relevante para o anfitrião em termos afetivos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Altamiro recebeu uma velha caneta-tinteiro, com a ressalva de que ela havia assinado diplomas de grandes músicos russos. “Que presentão, hein!?”, pontuou o flautista brasileiro com os olhos marinando, dizendo </span><span style="font-family: verdana; font-size: large;">que quase se ajoelhou diante do russo.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ao chegar no Rio, um duro golpe: sua mala tinha sido violada e levaram a caneta que ele escondera entre meias e cuecas. E um dos maiores divulgadores do nosso choro, inconsolável, tomou o rumo de casa, onde se trancou no quarto por dois dias e chorou, chorou como nunca, segundo ele.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Pensando bem, o que esperar de uma nação que, anos mais tarde, acordaria estarrecida com a notícia de que o mais importante ícone do futebol (o troféu Jules Rimet, conquistado em definitivo após três vitórias em Copas do Mundo, em 1970) havia sido roubado e derretido?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A estatueta com 3,8 kg de ouro estava na sala da presidência da CBF, no prédio da Rua da Alfândega, no Rio, onde funcionava a entidade. O vidro à prova de balas da vitrine não serviu de obstáculo aos ladrões, que quebraram a moldura de madeira e levaram inclusive outros três troféus. O roubo foi considerado escandaloso pela facilidade com que os ladrões entraram e saíram do prédio carregando o maior símbolo da história do futebol brasileiro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Embora a conexão entre um roubo e o outro possa parecer forçada, a comparação com a perda pessoal de Altamiro reflete uma questão cultural e histórica bem mais ampla. Triste Brasil.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas voltemos à sexta-feira em que conheci Altamiro Carrilho, há 25 anos. Preciso contar que ele esqueceu, na sala em que conversamos, a caixinha com a caneta que ofereci. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Não lhe fez falta, imagino. A que fez, era outra. Tinha a tinta da gratidão e do reconhecimento no bico da pena. </span><span face="Calibri, sans-serif"><o:p></o:p></span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com34tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-46819560125839726572024-01-24T04:37:00.003-03:002024-01-24T05:45:50.028-03:00Coisa para poucos<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ultimamente, minha maior aflição tem sido a hora de ir para a cama. Mas antes que alguém insinue que isso tem a ver com a proximidade de meus 66 anos, adianto que são as dores lombares as verdadeiras vilãs dessa novela. </span></p><p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjepB9W8co3TxYNzuDSQtbDsIRoyeN5yDJlf_UrUdm4T9o0IdJ3laWHXr3U4qfHvtI-l5LYXsMg4X_xywGxyKPzYlGOAX2xw0GuGwl-MUPZBtwrZr7Kv-J_AncVCqMECTkP0KolxQOjCQUsuQsGXBLRRXIE2bVLvHGpgAtIgh6s_ryikcxD5SPUyD86fos/s1024/3ae7024a-4c80-4697-9053-908f45d929cd.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjepB9W8co3TxYNzuDSQtbDsIRoyeN5yDJlf_UrUdm4T9o0IdJ3laWHXr3U4qfHvtI-l5LYXsMg4X_xywGxyKPzYlGOAX2xw0GuGwl-MUPZBtwrZr7Kv-J_AncVCqMECTkP0KolxQOjCQUsuQsGXBLRRXIE2bVLvHGpgAtIgh6s_ryikcxD5SPUyD86fos/w400-h400/3ae7024a-4c80-4697-9053-908f45d929cd.webp" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Ilustração: ChatGPT</span></td></tr></tbody></table><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-size: large;"><br /></span></div><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Quase todo dia, às quatro da madrugada, minhas costas recusam qualquer tipo de colchão, por mais confortável que seja. Só aceitam de bom grado as curvas de uma rede pendurada na varanda, que se torna o refúgio perfeito, numa afronta à lógica e ao senso comum.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Costas, aliás, que se fazem de míopes quando saio para a caminhada matinal, diante de tantas criaturas que dormem ao relento na dureza de papelões estendidos em bancos e nas calçadas, vencidas pelas desigualdades que as ruas escancaram, ainda que a brisa morna queira adocicar a cena. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Costas que reconhecem, inclusive, que na lista das melhores coisas para se fazer nessa vida, duas dependem de um bom local para se deitar. A segunda é dormir, esse deleite ainda isento de impostos, tarifas e taxas. É natural, portanto, que as dores lombares mexam com o humor de qualquer um, e não seria diferente comigo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Há quem sonhe com um príncipe encantado (ou uma princesa) que leve a sua cara-metade no colo para a cama e, depois de tudo, faça uma faxina na casa enquanto ela tira um cochilo. No meu caso, isso é impensável. A minha não perde um minuto de vigília, e eu jamais ousaria despertá-la para tais façanhas. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Porém, antes que alguém pense bobagens, registro que considerações sobre meu peso estão educadamente dispensadas. Aliás, minha</span><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">s dores podem estar com os dias contados, pelo que andei lendo </span><span><span style="font-family: verdana;">sobre uma espécie de “luxo de dormir” chamada </span><i style="font-family: verdana;">Alaskan King Size</i><span style="font-family: verdana;">, que virou sensação nas redes sociais. </span></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Esse colosso industrial mede 2,74 metros tanto de cumprimento quanto de largura, fazendo as </span><span><span style="font-family: verdana;">camas </span><i style="font-family: verdana;">king size</i><span style="font-family: verdana;"> brasileiras, de apenas 1,98 m x 1,85 m, parecerem brinquedos de bonecas (nem sei se ainda existem).</span></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Curioso é que os tamanhos variam ao redor do mundo, e nos Estados Unidos, levam nomes inspirados nos estados de origem – uma <i>Texas King</i>, uma <i>California King</i> e, claro, a gigantesca <i>Alaskan King</i>, batizada em homenagem ao território glacial no extremo norte do Planeta.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Abro aqui um parêntese: tem líder político mundial afirmando que o Alasca é território russo invadido por norte-americanos e que a Rússia tem todo direito à reintegração. É mais uma manobra para tentar reacender o orgulho em baixa de uma nação e, quem sabe, justificar novas ações colonialistas. A indústria bélica mundial esfrega as mãos, mas não perco mais meu sono com isso. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Volto à cama <i>Alaskan King. </i>Virou<i> </i>curiosidade exótica entre os brasileiros. Não faltam comentários divertidos de internautas: um brinca sobre a necessidade de um Uber para cruzá-la na diagonal, outro ironiza sobre a dificuldade de encontrar lençóis, e um terceiro sugere que, pela "extensão territorial", deva ter seu próprio IPTU, martírio que, junto com o IPVA, nos lembram de que não somos donos de nada nem no capitalismo de mercado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Esse “latifúndio” é vendido como item de luxo ou solução para famílias numerosas, podendo custar o equivalente a um rim ou um pedaço de fígado, especialmente se dotados de personalizações e materiais nobres. A marca <i>Purple</i>, por exemplo, estima que uma cama custe mais de 15 mil dólares – pequeno tesouro, convenhamos. Caso de o sujeito perder o sono, com ou sem dores lombares.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas tem gente que não se encanta com essa vastidão amazônica. Uma usuária, falando sobre suas relações poliamorosas, lamentou que a <i>Alaskan </i>seja grande demais até para o trisal de que participa, ironicamente refletindo uma realidade moderna onde três salários mal cobrem as contas do mês. “Ela é tão grande que para dormir de conchinha são necessárias umas cinco roladas para alcançar o outro lado”, queixou-se. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Toda essa história me remeteu ao primeiro grande salto de qualidade em minha dormida cotidiana: quando troquei uma rede, num quarto sem janela nem ventilador, por uma cama de campanha dobrável, revestida em lona verde, com o bônus de uma espiral da marca <i>Sentinela</i> para espantar muriçocas, apesar do risco de morrer carbonizado. Inesquecível, ainda assim, mesmo porque não havia naquela época o menor sintoma de dores lombares. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E enquanto pesquisava sobre um remédio sem contraindicações para a minha maior aflição ultimamente, dei de cara com a propaganda da <i>Alaskan King Size, </i>que<i> </i>foi<i> </i>ganhando corpo como alternativa tentadora para as minhas madrugadas insones.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Acontece que o recente reajuste das aposentadorias do INSS, na casa dos 3,7%, recomenda que devo continuar fiel à minha velha rede, no gozo de uma das duas grandes alegrias da vida que dependem de um lugar aconchegante para se deitar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Pois se existe uma coisa que pode dar uma ideia de céu, de bem-aventurança, de paz entre as criaturas de boa vontade, é acordar de um sono profundo e restaurador sem dor alguma, nem na alma. Coisa para poucos.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><br /></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com44tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-21777972749906116032024-01-17T04:35:00.001-03:002024-01-17T05:35:53.745-03:00Sábios populares <p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Deus é testemunha de que não sou de ostentar, não quero ser metido,</span><span style="font-family: verdana;"> mas sou nordestino, filho de maranhense casado com paraibana (que um dia me levaram, ainda menino, para viver em Alagoas), de quem herdei a pitada cigana que me deu a graça de ainda virar pernambucano e baiano, mais adiante, antes de mergulhar de cabeça no caldeirão cultural brasiliense. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Nessas andanças todas, colecionei alguns achados incomuns – ditos populares, provérbios e outras expressões sábias que nem o Aurélio, o Houaiss ou o Michaelis explicam. Cada um mais original que o outro, anotados ao longo de décadas de ouvido atento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">O linguajar falado no Nordeste tem seu charme único, diferente do resto do Brasil, mas o português continua sendo o fio desencapado que nos une como nação. </span><span style="caret-color: rgb(34, 34, 34); font-family: verdana;">Nem sou especialista no riscado, mas estou seguro de que essas tiradas linguísticas são a pimenta e o sal que temperam a comunicação de nossa gente.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Vou listar aqui algumas pepitas raras que recolhi na grande viagem e guardei no fundo da mala de minhas melhores lembranças. Preparem-se, principalmente aqueles que ainda não tiveram a ventura de experimentar do Nordeste (tudo tem seu tempo, não desanimem!). <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Lá estava eu, começando a carreira </span><span style="font-family: verdana;">no setor de cadastro de um banco, onde tinha que apurar antecedentes para firmar juízo sobre a idoneidade dos clientes </span></span><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">nos fuxicos de uma cidadezinha</span><span style="font-family: verdana;">. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Quando alguém até parecia ser boa pessoa, mas tinha fama de vagabundo ou velhaco, por causa de deslizes de maior ou menor gravidade, eu me via obrigado a buscar nos manuais de serviços termos mais polidos para conceituá-los, mesmo convicto de que seria bem mais assertivo se assentasse aquilo que ouvira:</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– É cheiro de canto de unha.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– É de dar caganeira em bode.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– É pior que falta-de-fôlego.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Não dou nele um dedal de mel-coado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Não vale a bufa de uma muriçoca.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– O cabra é cano-de-esgoto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Pense numa carne-de-cabeça.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="caret-color: rgb(34, 34, 34); margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Um dia, em meio a uma reunião, escutei alguém criticar o comportamento de um novato que “vivia entrando onde não era chamado” (ou “se metendo em conversas acima do seu nível”). Dizia-se que o sujeito era “atravessado que só pau-de-lata d’água”. Meia hora depois, inconformado com a “insistência” do intruso em permanecer no recinto, alguém soltou: “O cara é feio e saliente que só bico de chaleira. Parece o cão chupando manga!”. </span><div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><o:p></o:p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyshH_zVJhUTKSPW_ZyjS6W3JSDp2TzWSQBxhQyex0T953gP1l8dG45fI_ewDaJnj0u34X5On-cl3FK890qbGXFu_9FBbjgK62UcYcJd4oj0uqVDCVGILVHBsV561F-sZW_4SykRNGyV6x1ugN9dWrSt0HfeCvWiyA3izVMDcaMzPLWw6tEKWhQz4DsjY/s3530/IMG_4187.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="3530" data-original-width="3024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyshH_zVJhUTKSPW_ZyjS6W3JSDp2TzWSQBxhQyex0T953gP1l8dG45fI_ewDaJnj0u34X5On-cl3FK890qbGXFu_9FBbjgK62UcYcJd4oj0uqVDCVGILVHBsV561F-sZW_4SykRNGyV6x1ugN9dWrSt0HfeCvWiyA3izVMDcaMzPLWw6tEKWhQz4DsjY/w343-h400/IMG_4187.jpg" width="343" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Ilustração: Jessier Quirino</span></td></tr></tbody></table></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mais tarde, quando visitava comerciantes vinculados a um programa de apoio a pequenas e médias empresas, ouvi de alguns, invejosos dos “segredos” de seus concorrentes, classificarem “adversários” com frases impagáveis:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Aquele ensina jumento a deitar com a carga.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Ele vive dizendo que gosta de ouvir a freguesia. Escuta mais que vizinha solteira.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Esse aí ensinou rato a tirar manteiga da garrafa com o rabo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– O preço dele até que é bom, mas o bicho é mais grosso que pescoço de carreteiro.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Taí um que puxa leite em cabra morta!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="caret-color: rgb(34, 34, 34); margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Conheci um zootecnista que demorava uma vida e meia para analisar um projeto de investimento, procurando pôr<span class="apple-converted-space"> </span>obstáculos em tudo. Nada lhe dava maior prazer do que emitir parecer contrário à liberação de uma operação de crédito. Um dia, escutei seu chefe, já sem paciência com a demora na análise de um caso, desabafar: “Esse galego é como barata; não come, mas bota gosto ruim em<span class="apple-converted-space"> </span>tudo. Vou ter que arranjar ‘Detefon’ (famoso inseticida de uso doméstico)”.<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sobre quem passava por dificuldades financeiras (aliás, não sei hoje em dia, mas antigamente “bancário apertado” era pleonasmo), ouvi comentários que traduziam perfeitamente o aperreio:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Cantando coco sem saber da toada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Fazendo cruz na boca.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Liso que só bochecha de anjo.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Não tem um couro pra morrer em cima.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Tá com o beiço no prego.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Já próximo da aposentadoria, estive em várias cidades do Norte/Nordeste, negociando convênios de prestação de serviços com entes da administração pública vinculados aos três poderes da República. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="caret-color: rgb(34, 34, 34); margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Um secretário municipal, que morria de medo do prefeito, foi bastante sincero ao me dizer que não "daria um pio" sobre nada relacionado a sua área sem antes ouvir o "chefe". Justificou-se: “Em tempos de vassouradas, é melhor ficar do lado do cabo” </span></p><p class="MsoNormal" style="caret-color: rgb(34, 34, 34); margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E alguns interlocutores desses entes públicos, na ânsia de conhecerem as “novidades” oferecidas a outros estados e municípios, abriam a conversa alertando que com eles a coisa seria diferente: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Besta é coco, que dá leite sem ter peito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Bobo é sabonete</span><span style="font-family: verdana; font-size: large;">, que se acaba pra limpar os outros.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Não mamei em carreira de peitos.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Quem tem filho barbado é camarão. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Quem quer mamar que carregue a mãe na garupa.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Louvados sejam esses sábios populares, minha gente! O linguajar de qualquer região lateja neles mais claro, curto e reto, do que se pensa. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Pelo que escutei, dá para imaginar o que ainda existe de pepitas incrustadas por aí. Só os cegos, moucos e mudos não se deram conta disso.</span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com44tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-78969818361000873552024-01-10T04:15:00.000-03:002024-01-10T04:15:53.143-03:00Azar de quem não crê!<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sim, existem histórias tão surreais que parece que são inventadas. Como a de Manezinho, um menino cabeçudo, dentuço, míope, cerca de 12 anos de idade, que apareceu no começo do ano passado, sem documentos, </span><span style="font-family: verdana; font-size: large;">vagando pelas ruas do Pontal da Barra, no entorno da lagoa Mundaú, na capital alagoana.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Meses depois, sofreria uma cirurgia para ressecção de um tumor cerebral. E o vidro da porta da sala cirúrgica ficou repleto de curiosos, todos querendo vê-lo falar enquanto era operado. Muitos, inclusive, diante do que ouviam, achavam que o caso se agravava com o correr dos minutos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> “Eu sou minha imaginação e meu lápis – dizia ele em voz alta no leito cirúrgico, ora mirando os médicos, ora a plateia sob espanto –. “Quando o lápis acerta um erro, ele percebe e grita por uma borracha... Desaprender oito horas por dia ensina os princípios... Minha imaginação não tem estrada. E eu não gosto mesmo da estrada. Gosto do desvio...” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Orientado pelo neurocirurgião, o menino matraqueva sem parar durante o procedimento, <span style="background: repeat rgb(250, 248, 245); color: #555554;">para </span>garantir que nenhuma área do cérebro fosse afetada. “Tenho um senso apurado de irresponsabilidades… Só não desejo cair em sensatez. Não quero a boa razão das coisas. Quero o feitiço das palavras...” – declamava.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A certa altura, lhe perguntaram se recordava de seu local de origem. Ele repetiu o que vinha dizendo desde que apareceu: “Não me lembro. Sei que passava o dia ali quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei... Eu queria fazer para mim uma naturezinha particular tão pequena que coubesse na ponta de meu lápis. As coisas que não existem são as mais bonitas...” – pontuava.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK609LtbxidQdPNZu74ly2L6T85F_mm2tV6QJLdYWGfeWbPC3GVGG0lLUkCh2CyDWw01eejJ_bgCLEVptTYTRZoTUD6x3tx6GMboH1iznOZSZgG2BuqzI1bzEV0zzuHEMZyDw-iRfRnCMZw0_ESp_9CrkJQa21Ih4jMNm77bYhJspn5Y1buwMVQ48ZWBg/s1024/59db1dff-de8c-4b07-a553-7ca14ff5c2da.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK609LtbxidQdPNZu74ly2L6T85F_mm2tV6QJLdYWGfeWbPC3GVGG0lLUkCh2CyDWw01eejJ_bgCLEVptTYTRZoTUD6x3tx6GMboH1iznOZSZgG2BuqzI1bzEV0zzuHEMZyDw-iRfRnCMZw0_ESp_9CrkJQa21Ih4jMNm77bYhJspn5Y1buwMVQ48ZWBg/s320/59db1dff-de8c-4b07-a553-7ca14ff5c2da.jpeg" width="320" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ilustração: ChatGPT<br /><br /></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span><div><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Uma primeira convulsão aconteceu em março. "Ele estava dormindo, acordou de repente e se estatelou no chão” – explicava “Tia” Stella, uma artesã simpática que lhe deu casa, carinho e comida –. “Chamei a ambulância e os médicos disseram que poderia ser estresse... Bastava um comprimidinho”.<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Dois meses mais tarde, veio a segunda convulsão, que também não foi investigada. Em julho, ocorreu a terceira, da qual o menino não lembrava<span style="color: red;"> </span>nada do que houve antes. Conversavam em casa, após o almoço. Ele se levantou para pegar café no fogão e acordou no hospital, internado para exames, pois caiu e ficou um tempão desmaiado. Ela o livrou de bater a cabeça no chão. <span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No hospital, decidiram fazer uma ressonância, que revelou um tumor na região do cérebro que controla a linguagem. “Quando o doutor disse que precisaria ser operado, fiquei preocupada – disse “Tia” Stella – Só procurei saber se afetaria a voz de Manezinho. Daí a ideia do procedimento em que ele pudesse ficar acordado...” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Resolvi checar a história que me contaram e o próprio cirurgião revelou que era impossível não aplaudir o moleque ao final de cada “esquisitice” dita, ainda que incompreensível para alguns. Precisou solicitar que falasse com menos empolgação, pois mesmo com a cabeça fixa, a mesa cirúrgica se mexia com a intensidade da voz. E não parava: “Queria que a minha voz tivesse o formato de canto... Só uso a palavra para compor meus silêncios.” <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 13.5pt;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O médico disse ainda que o menino recebeu anestesia e ficou desacordado apenas na primeira parte do procedimento para a neuronavegação com um computador que auxilia na localização do foco, na incisão e na abertura do crânio. Na sequência, a sedação foi reduzida e ele acordou, passando a responder a perguntas e executar algumas ações, como ler, escrever e falar. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Descobri que a técnica cirúrgica empregada com o paciente acordado existe há algumas décadas nos grandes centros e objetiva diminuir sequelas neurológicas, comprometimento funcional e agravos dos casos. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Durante a cirurgia, os pacientes são testados em atividades básicas como responder perguntas ou correlacionar figuras. Em alguns casos, é possível fazer o mapeamento antes da cirurgia, por meio de ressonância magnética, delimitando as regiões do cérebro relacionadas à fala ou às funções motoras, como também as fibras que conectam essas áreas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No final da cirurgia, “Tia” Stella quis saber se Manezinho sentira medo. Ele balançou a cabeça negativamente e completou: “As folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes... Não preciso do fim para chegar. Do lugar onde estou já fui embora...”<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Já era madrugada quando ele sumiu como que por encanto da UTI, para perplexidade inclusive de “Tia” Stella. Ela suspirou ao encontrar um pedacinho de papel sobre uma almofada, olhando para a janela, de onde se via, na penumbra, um pé de manga "carregado": “Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina... Aonde eu não estou, as palavras me acham.” <span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ah, chegou a hora de dizer que esta é uma daquelas histórias inventadas, mas cem por cento verdadeiras. Azar de quem não crê! Eu só duvido de mim mesmo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: times;"><span>Nota: Texto inspirado na obra do poeta mato-grossense Manoel de Barros (1916 – 2014), autor, dentre outros, de</span><span> </span><span>O livro das ignorãças (1993), Livro sobre nada (1996) </span><span>e</span><span> O fazedor de amanhecer (2001).</span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com40tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-52714094713072973602024-01-03T04:18:00.001-03:002024-01-03T04:18:16.614-03:00Aonde iremos?<p><span style="color: #374151;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Diz o escritor Ruy Castro que frases feitas são aquelas que entram por um ouvido e saem pelo outro sem um estágio intermediário no cérebro. Mesmo assim, anote aí: tudo evolui na natureza. Tirando, claro, certas figuras que conhecemos. </span></span></p><p><span style="color: #374151; font-family: verdana;"><span style="font-size: large;">Nós, humanos, não somos exceção – ainda que alguns dos nossos hábitos façam pensar o contrário. Depois de milênios, aqui estamos, bem diferentes de nossos tataravós. Não só demos uns pulinhos na árvore genealógica, acompanhando gorilas e chimpanzés, mas também nos empoleiramos, com todo o nosso charme, no topo da cadeia alimentar.</span></span></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Se nossa memória fosse um pouco melhor, talvez nos lembrássemos daquele dia em que descemos das árvores para dar uma voltinha no chão. Ficamos de pé, esticamos as pernas, encolhemos os braços e, ao longo da jornada (obrigado, fogo, roda e bússola!), nosso cérebro sofreu um <i>upgrade</i> que faria qualquer <i>software</i> de última geração corar de inveja. O resultado? Um salto enorme em aprendizagem e socialização.<o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;"></span></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5qFk20aeRSBJQ-HzSSMQq6a1t6H6PdAHt3FSZep0iV7BaiiuR8BT7Mw3Wui3iJe_vf1ecf7-RuupkPCXevJVwTG43HAU52Yccsu5BCzz6WsxqHF2qLimXZ9EH1NnXNTAVNBxbCm9PmbhjouGDORFEF98V_Uxle7xiXoi3wiIA60EOso_aeksyhBrAwUk/s1024/778cbe96-0143-4aa6-abd4-6d15cdeb229f.webp" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5qFk20aeRSBJQ-HzSSMQq6a1t6H6PdAHt3FSZep0iV7BaiiuR8BT7Mw3Wui3iJe_vf1ecf7-RuupkPCXevJVwTG43HAU52Yccsu5BCzz6WsxqHF2qLimXZ9EH1NnXNTAVNBxbCm9PmbhjouGDORFEF98V_Uxle7xiXoi3wiIA60EOso_aeksyhBrAwUk/w400-h400/778cbe96-0143-4aa6-abd4-6d15cdeb229f.webp" width="400" /></a></span></span></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;"><br />Avançamos tanto que começamos a trocar ideias, domesticar animais (e alguns chefes, vizinhos etc.), criar sociedades e, veja só, regras de convivência. Cruzamos oceanos, exploramos o espaço e, vira e mexe, uns aos outros, com uma facilidade impressionante.</span><o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Mas, o que o futuro nos reserva? Será que partimos para uma versão 2.0 de nós mesmos? Além da seleção natural, que outras colheres mexem a panela de nosso caldo genético? Uma coisa é certa: assim como escalamos o pico da montanha evolutiva, há sempre o risco de um escorregão. E qualquer vascaíno pode dar uma aula sobre quedas e recomeços.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Comparados aos nossos ancestrais hominídeos, somos mais altos. Uma pesquisa de 2016 da revista <i>eLife</i> mostra isso: os holandeses cresceram </span>em média <span style="color: #374151;">19 cm em um século, os asiáticos até 20 cm. E nós, brasileiros? Bem, ganhamos uns 8,6 cm – avanço modesto, porém melhor do que nada!</span> Nem vou falar do crescimento lateral, para não ferir suscetibilidades após as festas de fim de ano.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Esse "viés de alta" parece estar ligado à dieta: mais proteínas, menos miojo. Mesmo enquanto uns se fartam de nutrientes, muitos ainda esperam um pedaço de pão. E ser mais alto tem seus desafios – problemas nas juntas, certos tipos de câncer. Mas os baixinhos também não vão sumir do mapa, porque, afinal, genética é importante, mas não é tudo. Guerras, fome e doenças ainda dão as cartas nesse jogo evolutivo.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">As mudanças não param por aí. Estamos ficando mais franzinos e curvados – dizem que vamos acabar nos transformando em emojis devido ao uso excessivo de mensagens eletrônicas e de páginas da <i>web</i>. Você já viu dedos com aparência de tentáculos de polvo por causa da digitação? E a Academia Americana de Oftalmologia avisa: até 2050, metade dos seres humanos pode estar usando óculos graças à obsessão por telas.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Um estudo de 2019 da Universidade de Potsdam, na Alemanha, sugere que a virtualidade excessiva pode nos levar a uma vida sedentária e ao ganho de peso. Nosso esqueleto enfraquece, os cotovelos encurtam. E nossos pés, antes acostumados a andar descalços, agora estão mais longos, fracos e achatados por conta da rotina moderna. E ainda tem quem use sapatos altos, apertados, de pontas estreitas. </span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Quanto ao crânio, também entrou na onda das mudanças. Com comidas mais macias, nossas mandíbulas e dentes deram uma encolhida. Isso facilitou a fala, mas nossa mordida anda cada vez mais frágil, se comparada a outros animais com estrutura óssea similar.</span> Exceções para Mike Tyson e Luisito Suárez.<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Para não dizer que só falei de horrores, a novidade é que recentemente alguns cientistas descobriram que um macaco pode reproduzir a fala humana, graças ao seu trato vocal capaz de emitir os mesmos sons que nós. Essa descoberta, publicada na revista <i>Science Advances</i>, pode ser um sinal de que, talvez, os macacos tenham algo a nos ensinar sobre a humanidade.</span> Se não enveredarem para o <i>funk</i>, o pagode ou o sertanejo universitário, tudo bem!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Já se sabia que traços de comportamento humano podem ser encontrados nos símios. Eles escolhem amizades baseadas em afinidades, se revoltam com injustiças e têm consciência da morte. Mas, falar? Opinar sobre a vida alheia ou discutir a relação com a cara-metade? Isso é revolucionário.</span> Daí a assistir <i>reality shows</i> será um pulo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Através do uso de imagens de raio-X, os pesquisadores 'desenharam' a anatomia vocal do nosso primo distante. Após examinarem as imagens, eles identificaram 99 diferentes possibilidades de expressão vocal, incluindo as cinco vogais. Já pode até arriscar compor uma nova versão do famoso “Prefixo do Verão” (Aê, aê, aê, aê... Ei, ei, ei, ei... Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô) para os adeptos do <i>axé music</i>.</span><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #374151;">Brinca</span>deiras<span style="color: #374151;"> à parte, com os 'primos' entrando no jogo, quem sabe não encontraremos soluções mais inteligentes e racionais para os grandes flagelos da humanidade – doenças, fome e guerras – e adiamos o fim da aventura humana na Terra.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 15pt 0cm 0cm;"><span style="color: #374151;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No fim das contas, mais do que os humanos, são os bichos que mais nos ensinam sobre o que realmente significa ser humano.</span></span><span face="Arial, sans-serif" style="font-size: 14pt;"><o:p></o:p></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com29tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-22413918596639407122023-12-27T04:41:00.002-03:002023-12-27T05:44:56.615-03:00Existirmos: a que será que se destina?<p><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;">Fruto da saudade que sente de um grande amigo, Caetano Veloso há quase meio século questiona o propósito da vida logo no primeiro verso de sua marcante canção "Cajuína". </span></span></p><p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Agora, aos 81 anos, anuncia que vai tirar um período de “férias radicais". Uma pausa para descansar, por prazo indeterminado, após uma série de três shows na Bahia que fizeram parte da turnê "Meu Coco".</span><span> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Pede a "amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos" que não o incomodem. “...Não me convidem para atividades públicas, participações, conceder entrevistas ou emitir opiniões, gravar vídeos, escrever releases e outros textos ou qualquer outra atividade, sobretudo àqueles que sabem que mais me tocariam com seus chamados…”.</span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;">Milton Nascimento, também aos 81 anos, tem aproveitado “radicalmente” sua aposentadoria dos palcos para ver televisão, encontrar amigos e viajar. Fez a última turnê da carreira em novembro do ano passado e, desde então, vive noutro ritmo, sendo descrito por seu filho como um aposentado convicto.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span><span>Virada de ano é época de reflexão.</span><span> </span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span> </span></span><span style="font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Eu ainda não tive o privilégio de chegar aos 81, mas já gozo “férias radicais” há algum tempo, com toda convicção. E neste calorão de chamuscar orelhas às sete da manhã, saio pra caminhada sob o olhar atento de uma coruja-buraqueira e só penso na volta pra casa, no banho refrescante do jeito que Deus me mandou ao mundo, debaixo de um chuveirão próximo da aroeira-salsa do quintal. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;"> </span></span></p><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;">Se hoje o que prevalece é o “aqui e agora”, como pregam os céticos quanto à vida eterna, esse calorão anda derretendo sem dó, noite e dia, milhares de almas pecadoras. Tudo indica Deus baixou uma ordem de serviço, em papel timbrado e com firma reconhecida, determinando ao Tinhoso que aplique em vida as penas cabíveis aos merecedores por pensamentos, palavras e obras, aliviando a sobrecarga de trabalho no Juízo Final.</span></span><div><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></div><div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNvka33sr3sVCpHf_27ZLN4A-MTY9AGR_XudjQAQVkTaznz2hUPqGk2-xBn7_RxC3DxnQGnPZjuINSs6VBrSguRMU5Cwy4U3p4eoHaZRcZTpP_8J7Ms1TEqhR7qQZ1oBGQhg9C-IbLFqUg7F-n9ThsFcPOoJ_3URvxZfLRwqhZqDFKK2BZQE-okvJ17q8/s1024/3d58ea79-e4c6-4877-9651-4589b7b6b964.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1024" data-original-width="1024" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNvka33sr3sVCpHf_27ZLN4A-MTY9AGR_XudjQAQVkTaznz2hUPqGk2-xBn7_RxC3DxnQGnPZjuINSs6VBrSguRMU5Cwy4U3p4eoHaZRcZTpP_8J7Ms1TEqhR7qQZ1oBGQhg9C-IbLFqUg7F-n9ThsFcPOoJ_3URvxZfLRwqhZqDFKK2BZQE-okvJ17q8/w400-h400/3d58ea79-e4c6-4877-9651-4589b7b6b964.webp" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: large;">Ilustração: ChatGPT</span></td></tr></tbody></table><span style="font-size: large;"><br /></span><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Por mim, trabalho nunca mais! É triste que a única coisa que uma pessoa possa fazer oito horas por dia seja trabalhar. Não consegue comer, muito menos beber ou namorar por oito horas seguidas. Nem mesmo dormir, ainda que de barriga cheia, com as contas em dia e sem muriçocas zumbindo nos ouvidos ou crianças tossindo por perto. </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Mas não sou radical. Queria ser pago para dormir. Seria o emprego dos sonhos, porém nunca sequer fui convidado para uma entrevista. Confirma-se que a única coisa que uma pessoa consegue fazer por oito horas é trabalhar. O pior: para alguns, não fazer nada pode ser fatal. O tédio fica só espreitando nas sombras, sabe-se lá com que intenções.</span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Fato é que sempre desconfiei dessa coisa de que cada dia é um presente. Se fosse assim, haveria um balcão em algum lugar onde se poderia devolver segundas-feiras. Era inaceitável, para mim, que toda segunda-feira estivesse tão longe da sexta-feira e sexta-feira tão perto da segunda-feira. </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Quem não me conhece pode pensar que fui (ou sou) um irresponsável. Nada disso! Trabalhei por mais de quatro décadas. Portanto, não tenho nada de pessoal contra o trabalho, principalmente quando realizado, silenciosa e discretamente, por meus sucessores. </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Pena que só agora, após a aposentadoria, percebo que um sujeito sozinho pode ser um burro completo, mas para se alcançar a plenitude da asnice coletiva, nada supera o trabalho em equipe (o território da terceirização das culpas!). Neste ponto, começo a acreditar em reencarnação porque certos níveis de estupidez não podem ter sido acumulados numa única existência. </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Hoje, considero a preguiça uma grande virtude, pois é o único pecado que nos impede de cometer outros. E quando tentam me convencer de que trabalho é saúde, inclusive mental, digo que a vida toda fui solidário para com “amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos” (como classifica Caetano). Logo, se trabalho é saúde, renuncio a parte que me cabe em favor dos carentes de saúde.</span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>E quando reencontro antigos colegas de trabalho ainda estressados com prazos de entregas, dou razão a Millôr Fernandes, para quem “o que o dinheiro faz por nós não é nada em comparação com o que a gente faz por ele.” Ou, como pontuou certa vez, “...quando o Criador criou o homem, os animais todos em volta não caíram na gargalhada apenas por uma questão de respeito”. </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span> </span><span><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Enfim, volto ao ponto de partida. Existirmos: a que será que se destina? Penso que para cometer todos os </span><span>acertos e desacertos possíveis numa breve janela do tempo, esse “compositor de destinos, tambor de todos os ritmos”, como bem lembra Caetano noutra bela canção. Nem tudo relacionado a trabalho, claro!<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Minha lista particular, no entanto, é tão comprida que, ao chegar aos mesmos 81 anos que ele e Milton, ainda estarei bastante atrasado. Portanto, não devo morrer tão cedo. </span></span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com38tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-70114132043735196972023-12-20T04:01:00.002-03:002023-12-21T07:59:06.446-03:00Bolachas e marmotas<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Todos os anos, pertinho do Natal, eu esperava na estação ferroviária o som do apito e o facho de luz que trariam </span><span style="font-family: verdana; font-size: large;">minha avó materna, a quem chamava de Mãe (diferente de mamãe) porque ela nunca quis o prenome de “vovó”. Ficava por duas ou três semanas no Sertão paraibano, longe do sítio onde vivia, no Brejo, a duas léguas e meia de Itabaiana, onde nasci.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ela chegava com o coração dividido, não entre a esperança e a razão, como na canção <i>Borbulhas de Amor</i>, cuja versão brasileira recebeu letra de Ferreira Gullar e imortalizada na voz de Fagner. Dividida, isto sim, entre matar a saudade da filha e dos netos e deixar para trás seu primo e marido, meu avô, que não arredava o pé do chão onde nascera por nada no mundo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Devia lhe doer também afastar-se do ti-ti-ti (espécie de aboio para galináceos) com que espalhava milho e xerém ao redor da casinha de chão batido. Ainda era tempo de galinhas, pintos e pardais, de verde nos quintais, em que havia frutos num pomar qualquer de se tirar do pé, como Sivuca, seu vizinho de cerca durante a meninice, e Paulinho Tapajós diriam mais adiante noutra bela canção.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ela não podia dar presentes caros aos netos, mas nunca deixou de levar uma sacola de broas escuras e cheirosas, embrulhadas num papel grosso, a que chamava de bolachas de leite. Evitava outros nomes pelos quais se conhecia a iguaria na região: bate-entope, bolacha preta, engasgador, mata-fome, soda ou sorda. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><br /></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0x5W-anOHs28yWf3JLdKcec3yuTljSd4htKSx9jZVGGfWVZQ8sAu3cXDEGHfT4ykadzlwfMbuxIW9yfN-HEr7fio2d3l4wr_z1xrdFdOzCumVjTvDXVF9qdmhKuV0pL1bcBHnShipWauWyUNFIkJk2iVov4ZMRaSo47-BWW6lizCNpQnf6vcHXKqroqQ/s2048/IMG_6071.JPG" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="2048" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0x5W-anOHs28yWf3JLdKcec3yuTljSd4htKSx9jZVGGfWVZQ8sAu3cXDEGHfT4ykadzlwfMbuxIW9yfN-HEr7fio2d3l4wr_z1xrdFdOzCumVjTvDXVF9qdmhKuV0pL1bcBHnShipWauWyUNFIkJk2iVov4ZMRaSo47-BWW6lizCNpQnf6vcHXKqroqQ/w400-h400/IMG_6071.JPG" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Imagens: álbum de família </td></tr></tbody></table><br />Os anos sessenta passaram ligeiros. Queiramos ou não, tudo passa. Coisas ruins, devagar. </span><div><span style="font-family: verdana; font-size: x-large;"> </span><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Do moleque de ontem, buliçoso, chorão e contador de histórias (em que nunca se sabia onde acabava a realidade e começava o sonho), sobrou quase nada, exceto o gosto pelo exagero ao contar o que via ou ouvia, o que levou sua avó, certo dia, a questionar: <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Repare, minha filha, esse menino é cheio de marmotas! A quem será que puxou? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Não sei, Mãe, só sei que ele é assim... – arremedou, sem saber, Chicó, personagem da peça teatral <i>O Auto da Compadecida, </i>de Ariano Suassuna.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Marmota, no caso, não era o mamífero roedor comum na América do Norte, Ásia e Europa, que vive em tocas no subsolo e hiberna durante o inverno. Era uma gíria usada para se referir a alguém atrapalhado, esquisito, presepeiro, dado a artimanhas. Nada a ver comigo, mas quem "desrespeitaria" a opinião dos mais velhos?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No Natal de 1976, elegantemente penteada, vestida e cheirando à colônia <i>Contouré</i>, lá estava Mãe na Capela do Bom Pastor, em Maceió/AL. Assistiu da primeira fila ao neto ajoelhado aos pés da Santa Cruz com a namorada, que tentava esconder a barriga com um buquê de flores. Poderia ter dito: “Eu não falei que ele era cheio de marmotas?”. Mas silenciou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Doze anos mais tarde, eu já morava em Brasília/DF, vi meus filhos aos beijos e abraços com minha sogra, a avó deles, ganharem alguns brinquedos eletrônicos. E me dei conta de que a felicidade não era maior do que a minha quando diante das bolachas de leite.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em pouco tempo, chegou a notícia de que Mãe falecera de repente (uma forma antiga de não determinar a causa). Já fora até sepultada. O travo na garganta e duas ou três lágrimas não preencheram o vazio que se instalou dentro de mim. Mas passou. Queiramos ou não, tudo passa. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Outro dia, descobri na Feira de Ceilândia – espaço criado no Distrito Federal, em 1971, para reduzir a ocupação de áreas próximas ao Plano Piloto – que as bolachas que tornaram bem mais doces meus primeiros dezembros ainda são fabricadas artesanalmente no Nordeste e não levam uma gota de leite sequer. São feitas de farinha de trigo, mel de rapadura, manteiga e especiarias (cravo, canela e gengibre). </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Já na primeira mordida, a mesma sensação de quase seis décadas atrás, com um ingrediente adicional: a lembrança do gesto largo com que Mãe, com seu olhar cintilante sob duas respeitáveis sobrancelhas e seu sorriso iluminado, abraçava cada neto na fronteira entre a expressão de um amor incondicional e a fratura de costelas inocentes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Chega um dia em que a nossa lista de desejos para o Natal se reduz a cada ano, até que tudo aquilo que queremos é alcançar o próximo dezembro com as dores e os rancores sob controle, o que não se consegue no <i>shopping</i> nem parcelando no cartão de crédito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">É quando nos damos conta de que não existe amor mais despretensioso e puro do que o de uma avó por seus netos. Por isso, Mãe, o meu único desejo agora é bem modesto: que a senhora, de onde estiver, possa ver o quanto uma bolacha de leite ainda é capaz de mexer com o coração de um neto já cheio de netos, e ainda cheio de marmotas.</span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com48tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-29007412406388902302023-12-13T04:01:00.004-03:002023-12-13T07:09:25.812-03:00Certas perguntas<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <span face="Arial, sans-serif">“Atenção, tripulação, preparar para o pouso!”. Mais uma vez, acordo com este velho anúncio, vindo da cabine de comando do avião que iniciava a manobra de aterrisagem.</span><span face="Arial, sans-serif"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Volta e meia querem saber de mim como </span><span>alguém</span><span> que nasceu na Paraíba, foi criado em Alagoas, morou em Pernambuco e na Bahia, gosta tanto de Brasília. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Digo que não sei. É o tipo de questionamento que pressupõe que as pessoas costumam se sentir mais felizes quando moram perto do mar, com o benefício da umidade e de alguns espaços associados ao prazer e à preguiça. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>Certas perguntas não devem ser feitas! Sobrevoando Brasília, essa miragem de curvas, retas e mistérios</span><span> debaixo do céu do Cerrado, volto sem gravata, paletó nem sapatos, para fazer o que mais gosto ultimamente: nada, exceto contar histórias, tateando na nebulosa fronteira entre o testemunho e a fantasia.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>“Meu Deus, mas que cidade linda!”, cantava Renato Russo em sua épica “Faroeste Caboclo”, quando aqui cheguei pela primeira vez, em 1981, para participar por 100 dias de um curso de </span><span>aperfeiçoamento </span><span>profissional. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Arial, sans-serif"><span> </span></span><br /><span face="Arial, sans-serif"><span></span></span></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMnJFZl5ehqBQ8suVbUMKQ1KhSM9LOSv9J-JRZcnJnGlKvL_kv0gRgIG8AsfF5hEWLzZW8LPygZXEL8quLgddrhIX5pwffpMg9SGPQboZDYWmuy6MuqVbqaVjTqPUb9oAJ6eoE4YnoyG70ejH-yTmxT1JR6crccPvBDIWtB0V7HTWgHKR2EXixGDLt1u4/s1555/0350c022-014f-4f72-85b1-e3782a8d20f8.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1037" data-original-width="1555" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMnJFZl5ehqBQ8suVbUMKQ1KhSM9LOSv9J-JRZcnJnGlKvL_kv0gRgIG8AsfF5hEWLzZW8LPygZXEL8quLgddrhIX5pwffpMg9SGPQboZDYWmuy6MuqVbqaVjTqPUb9oAJ6eoE4YnoyG70ejH-yTmxT1JR6crccPvBDIWtB0V7HTWgHKR2EXixGDLt1u4/w400-h266/0350c022-014f-4f72-85b1-e3782a8d20f8.jpg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;">Fotografia: Dedé Dwight</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Arial, sans-serif"><span><br /></span></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Arial, sans-serif"><span>Daqui de cima, revejo a ponte sobre o Lago Paranoá, ligando o Setor de Clubes ao Pontão do Lago Sul, e me vem à memória a</span><span> figura risonha e robusta de Luiz Arnaud, que morava por perto e com quem convivi nos primeiros dias de trabalho sete anos mais tarde, em 1988.<o:p></o:p></span></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Certa manhã, numa conversa à toa regada a café com pão de queijo, ele me dizia da preocupação de sua esposa, Valéria:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span>– Olhe só, Arataca, ela quer saber com quem ando aprendendo este vocabulário de jardineiro – disse, numa óbvia alusão ao palavreado e ao sotaque do novo colega</span><span>.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Porra, bicho! Ela não pode ser injusta assim com o coitado do jardineiro, que já ganha uma mixaria e ainda querem que fale como se tivesse nascido com trancelim de ouro! – devolvi, recorrendo à interjeição mais usada pelos nativos das nações de língua portuguesa, a quarta mais falada no mundo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ele passava horas contando das descobertas de sua escadinha de filhas: Juju, Bebel e Didi. Falava da casa hipotecada no Lago Sul, onde aos sábados lambia os dedos roliços enquanto preparava a galinhada numa panela de barro. Da loja de vinhos que abrira com um parceiro no ainda despovoado Lago Norte. Do tanto que tudo mudara desde que virou bancário em Conceição do Mato Dentro (MG). <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Todo dia, às oito, já folheava os classificados do <i>Correio Braziliense</i> em busca de “achados” (oferta de compra ou venda de veículos, imóveis, linhas telefônicas etc.). E gargalhava lendo anúncios de garotas de programa, que atendiam em quitinetes ou em prédios comerciais com áreas adaptadas ao exercício de uma das mais antigas profissões.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Demorou pouco a aprontar comigo, que havia comentado sobre a intenção de adquirir um carro usado. Numa tarde, depois do almoço, ele sumiu por alguns minutos da sala onde trabalhávamos, após colocar furtivamente um bilhete sobre a minha mesa dizendo: “Não quis deixar recado. Pede retorno pelo telefone…”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Disquei supondo que fosse o dono de um Passat em que eu estava de olho. Tive então que ouvir insultos e ofensas partindo de uma jovem morta de sono que passara a madrugada de terça para quarta-feira trabalhando duro, envolvida de alma e corpo com a inesgotável demanda do submundo parlamentar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ano e meio depois, retornei para o Nordeste (Porto Calvo, interior de Alagoas). Trocávamos cartas e telefonemas. Não havia e-mails nem videochamadas. Um dia, ele riu quando lhe contei de um rebanho de cabras com chocalhos, salivando, que invadira a sala de visitas de minha casa, atraídas pelos cachos de uvas verdes artificiais que enfeitavam a mesa de centro. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">De repente, muda o tom de voz e se queixa:<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> – Nem sei por que estou rindo tanto. Se você me encontrar não vai me reconhecer...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– O que houve?!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Tá difícil... Perdi metade do peso. O Arnaud que você conheceu não existe mais. O tratamento tá acabando comigo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Puta que pariu! – gritei, mesmo sem saber ao certo da extensão da doença – Mas você é novo, forte, tem plano de saúde e quatro “meninas” pra cuidar. Vai resistir, sim! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">– Só elas me fazem continuar na briga...<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A briga não demorou. O nocaute foi inevitável.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quase 10 anos depois, em 2000, voltei a morar em Brasília, mas nunca mais soube do paradeiro de Valéria, Juju, Bebel e Didi. Nem o <i>Google</i>, que surgiria entre nós a partir de 2005, me ajudou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E agora me pego pensativo, revendo Luiz Arnaud a caminho de casa, atravessando aquela ponte sobre o Lago Paranoá. Como teria sido sobreviver por suas "meninas" de lá até aqui? Do que estaríamos rindo agora, numa conversa à toa regada a café com pão de queijo? <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Certas perguntas não devem ser feitas nem a mim mesmo. Nunca sei as respostas.</span></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com46tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-43568045987660987052023-12-06T04:05:00.007-03:002023-12-06T04:23:17.233-03:00Novas noites tropicais<p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Há 20 anos, quando li <i>“Noites Tropicais – solos, improvisos e memórias musicais”</i>, obra do jornalista, compositor e escritor Nelson Motta, fiquei só imaginando como teria acontecido um duelo doido, emocionante e técnico, no Festival de Jazz de Montreux, na França, em 1979. Bem depois pude ver as imagens, com a criação da plataforma de vídeos YouTube.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A gaúcha Elis Regina era a grande estrela da “Nuit brésilienne”. Ao lado do maestro paulista César Camargo Mariano e de um grupo de músicos, ela montou sua apresentação com grandes sucessos, embora quase nada de cunho político e, apenas por conta da exigência dos organizadores do festival, um pouco de Bossa Nova (a sua voz forte não batia com cantar baixinho e suave do movimento criado pelo baiano João Gilberto). </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Hermeto Paschoal, alagoano de Lagoa da Canoa, arranjador e multi-instrumentista reconhecido nos meios jazzísticos até por Miles Davis (um dos mais influentes músicos do século XX), fez a abertura do evento. E arregaçou: foi aplaudido de pé por vários minutos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Meia hora depois, Elis entrou no palco. Cantou com a categoria de costume, mas sem ousar muito. Para os <i>experts</i> no assunto, o repertório era conhecido, os arranjos discretos, a performance com técnica apurada, mas de emoção contida. Ainda assim, todos ficaram encantados com sua afinação e seu timbre de voz. Muitos aplausos também, menos, é verdade, do que aqueles oferecidos a Hermeto. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Hermeto, aliás, que assistira ao show de Elis na coxia, voltou ao palco, atendendo aos apelos vindos da plateia. Recebido com uma espetacular ovação, sentou-se soberanamente ao piano. Elis sabia que o brilho do “bruxo” fora bem mais intenso. Aparentemente frustrada, ela também retornou, disposta a provar quem de fato era a grande estrela no céu da “Nuit brésilienne”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">“...Silêncio total, piano e voz. Hermeto começa a tocar <i>Corcovado</i> e, quando Elis começa a cantar, suas harmonias começam a se transformar, dissonâncias surpreendentes começam a brotar do piano, é cada vez mais difícil para Elis – ou para qualquer cantor do mundo – se manter dentro da tonalidade, tantas e tão sofisticadas são as transformações que Hermeto impõe... E Elis lá, respondendo a todos os saques do bruxo com uma precisão que o espantava e o fazia mudar ainda mais os rumos de uma canção não ensaiada. Na corda bamba e sem rede, Elis cantava como uma bailarina, como uma guerreira... Hermeto arregalava seus olhos vermelhos atrás dos óculos. Elis crescia a cada nota, a cada frase de seus improvisos e <i>scats</i>, a cada compasso... Foram delirantemente aplaudidos...”, assim escreveu Nelson Motta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quando Hermeto veio de <i>Garota de Ipanema</i> (que a gaúcha não gostava e dizia que jamais a cantaria), Elis acusou a pancada. “Mas logo se recuperou e cantou, com todo vigor, como se fosse a última música de sua vida, improvisou como uma negra americana, virou a música pelo avesso, provocou Hermeto, voou com ele diante da plateia eletrizada...”, garantiu Nelsinho.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Com o público em transe, as duas estrelas partiram para a apoteose de <i>Asa Branca</i>, “o baião de Luiz Gonzaga em ambiente <i>free-jazz</i>... harmonias jamais sonhadas se cruzando com fraseados audaciosos de Elis, trocas bruscas de ritmo e de andamento, propostas e respostas, tiros cruzados, arte musical de altíssimo nível protagonizadas por dois virtuoses”, concluiu Motta. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Passados 44 anos da “Nuit brésilienne” em Montreux, circula agora um vídeo nas redes sociais, reproduzido por vários sites noticiosos, que está causando furor entre os internautas. Nele, a cantora paulista Linda Mel, criada em Pernambuco, vocalista da banda <i>Top do Brasil</i>, aparece “servindo” cachaça coada na peça mais íntima de seus trajes.</span><div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYP8O9bF7q5qr-tFJMzV6SBmUWkG7sXDxZLQpwkZLTDGJbFXpKe-wKPGV6Qrb9aVfEkH3Nqm9yZDZU7nEaVbVWuZZ4rOL7jiBuG-iKbl7PnEol32oP7hlxuLac1S7xWbYsawiZksULcwqS1_bjaOyRk8YDYFkbOgQdiVK9RBfdXAxrQjmJYQ8kMrdtLEo/s1519/IMG_6051.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1030" data-original-width="1519" height="271" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYP8O9bF7q5qr-tFJMzV6SBmUWkG7sXDxZLQpwkZLTDGJbFXpKe-wKPGV6Qrb9aVfEkH3Nqm9yZDZU7nEaVbVWuZZ4rOL7jiBuG-iKbl7PnEol32oP7hlxuLac1S7xWbYsawiZksULcwqS1_bjaOyRk8YDYFkbOgQdiVK9RBfdXAxrQjmJYQ8kMrdtLEo/w400-h271/IMG_6051.jpeg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Ilustração: Umor</span></td></tr></tbody></table></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em resumo, a artista chama para perto do palco uma fã que assiste ao show, abaixa a calcinha, filtra e derrama sobre ela a bebida destilada, em meio a uivos e urros do público, cantando a trilha sonora da hora: o <i>hit</i> “Cachaça na Calcinha”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Segundos antes, ansiosa pelo momento em que tomaria o néctar de cheiro e sabor discutíveis, a fã partira com tudo para cima de sua deusa, que pediu moderação: “...Tem que ser com calma! Você quer tirar minha calcinha?”. E a criatura se mostrou ainda mais empolgada, preocupando Linda Mel: “Esta mulher vai me rasgar toda, segurança!”, queixou-se, de maneira não muito convincente, claro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Trecho do fundo musical cita uma certa funkeira que se popularizou por shows com performance nos limites da irresponsabilidade cristã: "Eu e a Pipokinha somos diferenciadas, na hora de fazer amor 'nós gosta de uma lapada'. É uma pancada que nos deixa excitada, bate na nossa bunda. Linda Mel e Pipokinha topa qualquer parada, dá cachaça na calcinha, virote na madrugada...”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm; vertical-align: bottom;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Noves fora o julgamento de cada leitora ou leitor, dinossauros como eu não compreendem bem os meandros dessas novas noites tropicais, suas exultações e seus desvarios. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm; vertical-align: bottom;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm; vertical-align: bottom;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A certeza da finitude, no entanto, nos traz o consolo de que seremos poupados de certos asteroides, de algumas cenas grotescas. Mas às vezes não dá tempo. </span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com35tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-12072080768017833552023-11-29T04:24:00.005-03:002023-11-29T08:24:41.089-03:00Ô mundão desigual!<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Deu nos jornais, semana passada, que o presidente Lula concedeu o mais alto grau da Ordem do Rio Branco à primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1ag-K3zuG-PCWyGa_xKT7w3emk4Z4rO0kDyp9EysEly36B1EbvnOChtC9wYvBuqEwOaO_vxh6M9f_xSzKXG5x4OYpMub9ooO3jt6Dbb2dJT9Go4ui7aJOLtC58Ju42j7r9kPrN5IPbTBkG0S8f0wrMSr5kYd8SQZiaF-wkgvbeCmQf-8akIjIXvd3z1I/s1201/IMG_6042.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="802" data-original-width="1201" height="268" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1ag-K3zuG-PCWyGa_xKT7w3emk4Z4rO0kDyp9EysEly36B1EbvnOChtC9wYvBuqEwOaO_vxh6M9f_xSzKXG5x4OYpMub9ooO3jt6Dbb2dJT9Go4ui7aJOLtC58Ju42j7r9kPrN5IPbTBkG0S8f0wrMSr5kYd8SQZiaF-wkgvbeCmQf-8akIjIXvd3z1I/w400-h268/IMG_6042.webp" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;">Reprodução/Redes Sociais</span><span style="font-size: large;"> </span></td></tr></tbody></table><span style="font-size: large;"><br /><span style="font-family: verdana;"><br />A Ordem de Rio Branco foi instituída em 1963, pelo então presidente João Goulart, em homenagem ao Patrono da diplomacia brasileira. A maior condecoração dada pelo Governo Federal é destinada àquelas pessoas que, por benemerência, trabalhos meritórios ou virtudes cívicas, se tornaram merecedoras da honraria.</span></span><div><span style="font-family: "Helvetica Neue"; font-size: large;"><br /></span></div><div><span style="font-family: verdana; font-size: large;">"Acho que medalhar a esposa é uma forma de Lula mostrar a ela o quanto ela tem valor como parceira dele de todas as horas... Ele não pode confiar em ninguém. É ela quem dá o ombro para ele. Além disso, ela tem capacidade e discernimento intelectual. Eu acho justo esse reconhecimento!", escreveu a gaúcha Gaya Becker no Painel do Leitor da Folha de São Paulo. </span></div><div><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Depois de ruminar a notícia na Barbearia do Onofre, uma das mais tradicionais da Asa Norte, em Brasília, enquanto aparava o resto de fios grisalhos de sua avantajada cabeça, meu amigo Chico Caixa d'Água foi de uma sinceridade constrangedora com os amigos presentes no recinto: “Sem querer ser injusto, nem negar minha origem de esquerda, não entendo como um cidadão acorda certo dia e, do nada, resolve conceder uma comenda deste calibre a alguém com quem divide a alcova e a escova matinal”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Estranhei o tom, mistura de desencanto e indignação, pois o noticiário trouxe também a condecoração de outras mulheres de vulto sob o céu tropical: Lu Alckmin (casada com o vice-presidente), as ministras Anielle Franco (Igualdade Racial), Aparecida Goncalves (Mulheres), Esther Dweck (Gestão e Inovação), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Margareth Menezes (Cultura), Simone Tebet (Planejamento) e Sônia Guajajara (Povos Indígenas). E não somente elas, também se concedeu a honraria, de forma póstuma, às cantoras Elza Soares, Gal Costa e Rita Lee.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Puxei conversa para entender melhor o raciocínio, quando ele me saiu com um inusitado ângulo de observação do fato: a desigualdade de meios para se alcançar o cessar-fogo num conflito conjugal. Coisa de diplomata em tempos de guerra! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ele foi bem didático, por sinal. Começou dizendo ser natural que todo mundo um dia pise no tomate, vacile perante sua cara-metade. Mas adiantou que não se referia àquela situação em que o sujeito, até de modo pueril, vai a uma cerimônia e compara o vestido de sua mulher com o de outra no local, argumentando que preferia vê-la de forma menos espalhafatosa, mais elegante e sóbria.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Nem àquela em que o marido, desligado de nascença, entulha roupa suja no chão do banheiro e deixa toalha molhada em cima da cama. Se bem que, para Caixa d'Água, toda esposa sabe desde o início da relação que a maioria dos homens um dia morou com mãe, tia ou mesmo avó, quando as roupas podiam ser largadas em qualquer lugar da casa até aparecerem cheirosas e bem passadas na gaveta do armário.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Disse ainda que não falava do companheiro que, ao menor espirro ou filete de coriza, transforma uma virose numa tragédia sem precedentes na evolução humana sobre a Terra, por conta, de novo, da mãe (tia ou avó) que, só de ouvir um gemido, seguido de uma expressão facial de quem estaria prestes a se acabar, cobria de mimos a criatura fragilizada, em vias da extrema unção.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Foi além. Também não se referia àquele camarada que, sem noção do quanto viver segue perigoso demais, esquece que circula de mãos dadas com a namorada (ou a esposa) e não consegue segurar o giro do pescoço – por si, um movimento antinatural para cabeçudo como o meu amigo, o que já caracteriza a infração – quando se vê diante de um decote generoso ou de um short estilo embalagem a vácuo, ainda que a cobiçada não lhe tenha reservado nem um olhar de desdém.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Na verdade – garantiu, como faz todo mundo que abre um comentário negando o que antes fora dito por outras pessoas –, ele se refere a casos mais complexos, com reflexos nas semanas e até nos meses seguintes. Como o da madame que, após relutar meses diante do espelho, decide cortar cinco dedos das madeixas e o maridão (que já não se senta frente-a-frente com ela nem no jantar, poupando-se do constrangimento do olhos nos olhos) nada percebe. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Pronto! O caminho até o portal do inferno está pavimentado, desde ouvir mágoas requentadas ou novas, até virar alvo da desconfiança de que existe um possível rabo de saia na área, com iminente disputa territorial à vista.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">“Vai por mim, é nessas horas que o homem perde a paciência e, buscando apaziguar a encrenca, acaba fazendo um sacrifício sobrenatural para provar à mulher que ela está sendo injusta, maldosa, precipitada!” – disse Caixa d'Água.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E confessou que foi assim que ele se viu obrigado, numa manhã dessas, a levar a “patroa” a uma liquidação de rodos e vassouras na feira do Paranoá, com a gasolina, o calor e a secura pela hora da morte!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Na impossibilidade de conceder uma comenda à companheira com quem divide a alcova e a escova matinal, não lhe restou alternativa. “Ô mundão desigual!” – protestou.</span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com22tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-2939553942761121052023-11-22T04:38:00.000-03:002023-11-22T04:38:01.096-03:00Duro na queda<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Outro dia procurei um otorrino para remover o excesso de cera nos ouvidos, além de avaliar a progressão de uma leve deficiência auditiva que, a rigor, considero até conveniente, pois me poupa de ouvir aquilo que não me interessa.</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Duvidei quando uma educada atendente, na recepção do ambulatório médico, me pediu a carteirinha do plano de saúde e o braço para colocar uma pulseira rosa (nada contra a cor!), com a curiosa ressalva de que faria parte do protocolo interno: indica que o paciente tem risco de queda.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsIR7TP2xvVChFuotlW2tWIG8_9dRN1CvhMWo-JpOt7IB4hLEJDKpMHbwnShNVWywukLALziRYrVSHvZSswFmsIkt0GPEcBecRxCo1h-jIVxQYewkF9bk0Brkb9ryDgjogaEIMjcyI9efCDMPBy1jjzBbgflQ4jP_BKYwH5FEGHpev506aGNf2_pkVz3Q/s1430/IMG_6039.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1249" data-original-width="1430" height="349" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhsIR7TP2xvVChFuotlW2tWIG8_9dRN1CvhMWo-JpOt7IB4hLEJDKpMHbwnShNVWywukLALziRYrVSHvZSswFmsIkt0GPEcBecRxCo1h-jIVxQYewkF9bk0Brkb9ryDgjogaEIMjcyI9efCDMPBy1jjzBbgflQ4jP_BKYwH5FEGHpev506aGNf2_pkVz3Q/w400-h349/IMG_6039.jpeg" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Ilustração: Umor </td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Quase sofro uma queda, sim, mas de tanto rir. Achei que estava diante de uma daquelas brincalhonas que adoram as bobagens, postagens e tatuagens de Gabigol e outros dândis. Pensei: talvez ela viu meu prontuário e imagina que as linhas tortuosas dos últimos eletrocardiogramas estão associadas ao sobe-e-desce do Vasco. <span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sobre futebol, aliás, há pouco mais de uma década, escutei por acaso (com estas fábricas de cerúmen que seguram meus óculos) uma conversa na fila de embarque do Aeroporto JK, em Brasília/DF, envolvendo dois atletas vascaínos por quem nutria grande admiração desde a vitoriosa campanha da Copa do Brasil 2011: o atacante Éder Luís e o lateral direito Fagner. <span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <span style="color: #500050;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em três minutos, a enxurrada de tolices que entrou pelos meus ouvidos poderia ter acabado com a incerteza que persiste em mim sobre se faz sentido continuar sofrendo ou vibrando com o chamado esporte bretão. A coisa é mais grave do que imagino.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas isso é assunto para outro momento. Eu não deveria cobrar deles a capacidade de desenvolver pensamentos e ideias com a linguagem falada, ainda que, se assim agissem, os dois teriam uma boa chance de contar suas experiências com clareza e algum grau de complexidade. Devo admitir, no entanto, que o mais importante era que continuassem formando uma boa dupla pelo lado direito do Vasco.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Não poderia também esperar que os jovens atletas refletissem sobre a própria existência, trocando perguntas do tipo: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Seria bom refletirem sobre os objetivos pelos quais faziam o que faziam. Seria ótimo terem consciência de que jogar (ou torcer) por um clube com a grandeza do Vasco é olhar para os outros e dizer a si mesmo: “sim, eu sou melhor que ele!”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas volto à recepção do ambulatório médico. Não vejo motivo, pelo menos por enquanto, para que uma moça tão simpática olhe para mim e tema uma queda relacionada, por exemplo, a piso escorregadio, atrapalhar-se com sapatos e gatos pelo chão, trombar noutras pessoas, subir e descer escadas ou simplesmente cair da cama sem uma explicação etílica ou sexual (nunca se sabe, não é?). <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Não posso aceitar que alguém que me vê pela primeira vez, desconhecendo as minhas queixas da hora e sem prévia consulta a um repositório de informações a meu respeito, possa deduzir que estou velho, escorado em meia dúzia de muletas químicas que me ajudam desde o controle da pressão arterial até o tratamento da próstata aumentada e seus reflexos sobre uma bexiga preguiçosa, com vontade própria. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Deus me poupe de ficar velho e rabugento como certas pessoas que conheço, mas, pensando bem, desconfio de que isso um dia será inevitável. Volta e meia já ouço uns e outros me chamarem de “senhor” e isso não ocorria com tanta frequência, nem mesmo vindo de filhos, noras, genro e netos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Agora, se vou ao supermercado, até o fiscal de prevenção de perdas (eufemismo infame para designar o dedo-duro responsável pela escolha aleatória dos torturáveis acusados de furto famélico), querendo ser gentil, me encaminha ao caixa de atendimento exclusivo a idosos onde existe uma placa com um desenho estilizado de um velho corcunda com uma das mãos no quadril e a outra numa bengala<span style="color: red;"> </span>(quem foi o “gênio” que criou aquilo?).<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Logo eu, que já fui comparado por minha mãe a ninguém menos que Antonio Fagundes<span style="color: red;"> </span>– reconheço, toda mãe é um tanto cega, muda e surda, mas, claro, fala apenas a verdade. Só que, hoje, obrigado a dormir com uma máscara nasal para encarar a apneia do sono e o ronco, além de um protetor bucal para evitar que o bruxismo destrua o que me resta de dentes, entendo quando minha mulher, no meio da madrugada, se assusta ao acordar do lado de Darth Vader, o vilão da saga Star Wars.<span style="color: #222222;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Sei não. Há possibilidade de que, em breve, minhas fotos estampem catálogos de fornecedores de medicamentos e utensílios voltados para a saúde em geral. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Fazer o quê? Da próxima vez que me pedirem o braço para colocar uma pulseira me identificando como paciente sob risco de queda, ficarei calado. Não posso sair por aí distribuindo a torto e a direito bengaladas verbais. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Se a queda for inevitável, vou relaxar e aproveitar, como ensinava uma vetusta sexóloga. Tem sido assim desde que deixei de engatinhar e aprendi a andar, cair e me levantar.</span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com49tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-36542685743077597172023-11-15T04:34:00.001-03:002023-11-15T13:27:04.511-03:00A mão Dele<p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Os fatos não deixam de existir só porque ainda não fomos capazes de fazer suposições sobre eles. E não pensem que estou ficando louco por dizer o que digo. O que seria da realidade se não fosse a fantasia a tirá-la do sério?</span><span style="font-family: verdana;"> </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Tudo é possível. Em algum lugar do universo deve existir um arquivo especial onde Ele – quem sabe, apenas para deleite próprio – guarda em gavetas emperradas fatos que estiveram a ponto de acontecer e que por um motivo qualquer não vingaram. Lá estariam armazenadas versões do que poderia ter chegado a jornais, livros, revistas ou ao diário particular de qualquer um do que poderia ter sido e não foi. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Todo mundo diz que se o “se” – esta inquietante conjunção subordinativa que nos propõe hipóteses, traduzindo nossas incertezas – jogasse futebol, seria o melhor goleiro ou o maior goleador do mundo. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Discordo. Quando escrevo, nunca abro mão do universo de possibilidades contidas no “por que não”, no “quem sabe”, no “talvez”, no “vai que”, sem o qual um texto se torna cartesiano, inflexível, sem a leveza da curva, do desvio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Quem sabe dizer onde foram parar alguns fatos que não se tornaram realidade por mero capricho sei lá de quem (talvez Dele mesmo, mas não estou aqui para acusar)? Em 1976, por exemplo, quando Roberto Dinamite, no minuto final de uma partida, amorteceu no peito um cruzamento dentro da grande área e, antes de estufar as redes botafoguenses com um voleio, cobriu com um lençol Osmar Guarnelli, o zagueiro interceptou a bola com o braço e o árbitro apontou a marca penal. Nunca existiu, portanto, o gol da fotografia colocada no </span><i style="font-family: verdana;">hall</i><span style="font-family: verdana;"> da entrada principal do Maracanã na inauguração do Projeto Memória do Futebol.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw_ziTmps2dWvNFLQ_tPAHpSg1KpxpTyyp87q7SNHbYSV0a0cU171IJd74_JWIeJWrRrZSs3ak2ImDciSJ-A3eQU2yzyJGf-ppBe5UwPdx9kxDCWOyjd0eAoMazoaWM1bHvmKp154vVAidVYXzDPUvWylgY_LEqHfyw3NBUO-iRQ5JpzZUVyBQOn39GNE/s940/IMG_6037.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="504" data-original-width="940" height="215" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhw_ziTmps2dWvNFLQ_tPAHpSg1KpxpTyyp87q7SNHbYSV0a0cU171IJd74_JWIeJWrRrZSs3ak2ImDciSJ-A3eQU2yzyJGf-ppBe5UwPdx9kxDCWOyjd0eAoMazoaWM1bHvmKp154vVAidVYXzDPUvWylgY_LEqHfyw3NBUO-iRQ5JpzZUVyBQOn39GNE/w400-h215/IMG_6037.jpeg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Reprodução/Redes Sociais</td></tr></tbody></table><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Mas será que o pênalti foi marcado mesmo, ou o árbitro, com a desfaçatez dos sopradores de apito que nos fazem de bestas a toda hora, teria dito que o gesto foi natural, não houve ação deliberada de bloqueio, não viu nada de mais (nem sabia de nada), como alguns cegos e sonsos que figuram na cena política brasileira? <o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E onde foi parar o gol de empate que o zagueiro brasileiro Oscar Bernardi marcou contra a Itália nas semifinais da Copa do Mundo de 1982? Após receber um cruzamento perfeito, o capitão acertou, à queima-roupa, uma cabeçada indefensável. O goleiro Dino Zoff ainda conseguiu fazer uma defesa monstruosa, mas a bola escapou e cruzou a linha fatal, matando no ninho uma geração de defensores da tese de que jogo bonito é sinônimo de derrota, que vibram com carrinho ou bicão de jogador grosso, na base de “bola pro mato porque o jogo é de campeonato”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Vai ver está no arquivo especial o antepenúltimo minuto da partida final do Campeonato Carioca de 2001? Falo do lance em que o goleiro vascaíno Helton conseguiu a proeza de evitar um gol numa espetacular cobrança de falta de Petkovic, que selaria o tricampeonato carioca para o Flamengo, no Maracanã. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A dois minutos do apito final, o time rubro-negro ficava com mais um vice-campeonato em virtude do placar agregado de dois jogos – o Vasco havia vencido a primeira disputa por 2 a 1. No segundo confronto, o Flamengo devolvia o placar, mas esbarrava na vantagem do empate do adversário. E o sérvio bem que caprichou, mas sem sucesso, mudar a história com uma cobrança de falta quase perfeita, à semelhança do que fizera, com êxito, o vascaíno Juninho Pernambucano três anos antes, no Monumental de Nuñez, contra o River Plate, da Argentina. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E o gol que Diego Souza, à época no Vasco, marcou diante do Corinthians do goleiro Cássio, no Pacaembu, conduzindo a bola desde o seu campo de defesa no jogo de volta das quartas de final da Libertadores de 2012? Ali começou a arrancada para a conquista da Copa Libertadores da América. Meses depois, inclusive, pintaram a Terra de branco e preto quando o Gigante da Colina derrotou o Chelsea, da Inglaterra, erguendo a taça de campeão mundial no Japão. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Dá pra imaginar quem teria autorizado a colocação de uma faixa diagonal atravessando o Planeta, evocando as travessias responsáveis pelas grandes descobertas das navegações marítimas. Puseram, inclusive, uma cruz de malta no céu da Mãe África, saudando o primeiro clube-nação de um país (detentor da segunda maior população negra do mundo) a reconhecer o protagonismo de negros e pardos na aventura humana na Terra. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Posso descrever outros fatos engavetados pela mão Dele, mas encerro por aqui seguro de que só são considerados singulares porque tiveram suas rotas alteradas em pleno voo e foram obrigados a aterrissar no território do “quase”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Se estiver correta a minha tese sobre este arquivo especial – onde cada um de nós dá nome a uma gaveta de fracassos e frustrações pessoais e intransferíveis, não restritas à paixão pelo futebol –, é pra lá que pretendo ir quando do acerto de contas. Sem pressa, bem entendido!</span><span face="Calibri, sans-serif" style="font-size: 18pt;"><o:p></o:p></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com35tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-41629863984911277812023-11-08T04:30:00.003-03:002023-11-08T13:53:26.815-03:00Com o caju na mão <p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span face="Verdana, sans-serif">Deu o que falar uma peça publicitária estrelada por uma famosa atriz, mas já saiu</span></span><span style="font-family: verdana;"> de circulação (a peça, bem-entendido!). Mostrava a beldade colhendo um caju. Dois pequenos descuidos chamaram a atenção dos internautas. Além de o fruto estar pendurado no galho de cabeça pra baixo, a árvore não era um cajueiro, que chega a alcançar 10 metros de altura, possui copa larga, tronco tortuoso e galhos pendentes.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <br /></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigRDl_3DU9xNYSx0eo6oYx7wWg3r0oerRaz7y-w-dEXo2GhDweQe8Qry_UuY7LPJRr8ea74uSNuf8gRW5yL2ky_Z0oLMVlsEGnvC84EMzE16t-J7Uolk6GNnhNWlsyogFipodmwkFdx0sW9wprXFFSIyvba-dF_j6rQt1TTA3HIBSdp26zIbDVME1se3c/s750/Grazi-e-o-caju.jpg.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="750" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigRDl_3DU9xNYSx0eo6oYx7wWg3r0oerRaz7y-w-dEXo2GhDweQe8Qry_UuY7LPJRr8ea74uSNuf8gRW5yL2ky_Z0oLMVlsEGnvC84EMzE16t-J7Uolk6GNnhNWlsyogFipodmwkFdx0sW9wprXFFSIyvba-dF_j6rQt1TTA3HIBSdp26zIbDVME1se3c/w400-h266/Grazi-e-o-caju.jpg.webp" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: inherit;">Reprodução/Tweeter</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"><br />Tem quem veja o dito-cujo como o fruto do cajueiro quando, na realidade, é a castanha. Nada de mais. Nem sempre aquilo que dá maior prazer é a fruta em si, sobretudo numa fase da vida em que uma caipirinha bem socada, rodela por rodela, desperta as papilas gustativas na língua, no céu da boca, na garganta e até na memória. Tem sido assim desde a mordida de Adão no fruto proibido.</span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">A campanha publicitária era de uma marca de cosméticos muito conhecida por usar em seus produtos ingredientes típicos do Brasil, como a bromélia, o capim-limão, a carambola, o mandacaru etc. Os cochilos viraram motivo de intensa zoada na web, rendendo vários memes associados à imagem da pobre moça com o caju na mão. E a peça sumiu rapidinho dos perfis oficiais da anunciante.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">Logo que o vídeo começou a circular, um internauta criticou os deslizes no processo de aprovação da campanha. "Como deixam isso passar? Geralmente tem uns 20 profissionais envolvidos (do briefing, passando por orçamento, estudo de tendências, escuta de consumidores, desenvolvimento de mensagem, até a escolha de veículos de mídia)", questionou.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">Outro quis explicar o fato invocando uma questão tão antiga quanto tola: os movimentos separatistas que pregam a independência de regiões brasileiras por motivos culturais, econômicos e políticos, realçando que a maior produção de caju está concentrada no Nordeste. "O vídeo foi feito por um ‘sudestino’ que nunca viu um cajueiro na vida, e o pior é que passou por uma equipe que viu e aprovou, não se deu nem ao trabalho de pesquisar", pontuou.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">Outra internauta chegou a ser desaforada. Abriu uma “caixa de ferramentas consoantes” que demorei alguns segundos para entender. Parecia uma expressão latina como “vade retro Satana”, ou “afasta-te, Satanás!”. Escreveu assim a garota: “VTNC, bando de analfas!”.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">Pela “caligrafia”, pensei até na improvável reencarnação de Dercy Goncalves. Vai ver se trata de uma neófita na área acostumada ao linguajar fluente nas redes antissociais, uma boca suja desgraçada a sugerir aos outros destino indesejável para si mesma. “Jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da imaturidade”, dizia Nelson Rodrigues. </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span face="Verdana, sans-serif">Não vou negar, um dia eu também já fui desaforado, ali na largada da década de 1980, quando um de meus rebentos me trouxe da escola, todo sorridente, um envelope contendo uma cobrança de mensalidades em atraso, assinada, em tom ameaçador, pela diretora e pela tesoureira</span></span><span style="font-family: verdana;">. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">Logo eu, que atrasaria qualquer conta – prestação do imóvel, do carro, da linha telefônica etc. –, menos uma que provocasse constrangimentos a quem mal começava a engatinhar sobre os mistérios da vida entre animais sociais.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif">Pior que não havia atraso. A transferência de recursos entre bancos, via DOC (Documento de Ordem de Crédito), fora criada naquela época. Gostei tanto da novidade que, logo que o salário pingava em minha conta, transferia para a escola o valor da mensalidade. Com o tempo apertado, dividido entre a faculdade e o trabalho, deixara de ir à tesouraria do colégio.</span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span face="Verdana, sans-serif">Eu poderia ter sido mais flexível, tolerante, como todo sujeito que vive nos braços da paz, com salários e impostos em dia. Mas na manhã seguinte achei de revidar a “ofensa” </span></span><span style="font-family: verdana;">no verso da própria cobrança escrevendo, em negrito/itálico, algo nessa linha</span><span style="font-family: verdana;">: </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><i><span face="Verdana, sans-serif">“(...) Não devo nada! Seguem os comprovantes de que transferi para a escola, antes de cada vencimento, os valores das mensalidades que ora me cobram. Dinheiro não cai do céu. Se aparece na conta, procurem identificar a origem no banco para evitar cobrança indevida. E nunca mais me cobrem dessa forma, utilizando portadores inocentes! Senão serei obrigado a mandar vocês enfiarem a cobrança no lugar onde macaco esconde castanha de caju (...)”</span></i><i><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></i></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span face="Verdana, sans-serif">Assim como imagino que macaco não gosta de abacate (o caroço deve assustar!), eu sabia que “caju” embute um dos monossílabos mais usados pelos brigões no esculacho do futebol. </span></span><span style="font-family: verdana;">Poderia, portanto, ter sido indiciado por agressão verbal, injúria, misoginia, ou levar uns sopapos (tiros, sei lá!) de um marido bravo, em legítima defesa da honra de sua esposa. E não estaria aqui contando o caso. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span face="Verdana, sans-serif"> </span><span face="-webkit-standard, serif"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Tive sorte. O Código de Defesa do Consumidor (tal como a troca de e-mails entre internautas) surgiria apenas 10 anos mais tarde. </span><span style="font-family: verdana;">Desde então, até um macaco pendurado de cabeça pra baixo no galho de um cajueiro sabe que não se deve criticar o trabalho de ninguém (nem mesmo contestar uma cobrança) citando o lugar onde supostamente esconde castanha. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Alguns primatas evoluem. Inclusive os espíritos de porco.</span></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com33tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-65979383570586600072023-11-01T04:06:00.002-03:002023-11-01T07:17:04.272-03:00Benza-te Deus, Vó!<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Trago comigo que o sorriso continua sendo a roupa mais luxuosa que alguém pode vestir, o reflexo de uma alma em movimento ou a curva mais bonita do corpo humano. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEin9VWNlFGq7K4VoccpbPqbLb3JuUpCLq_GKXe0hmot2R6R4rPVgI6I2yZ7fE_1fpr5Z5KvJu9QOQwj92tH83mVMO7mruw1uM6KFXQpqKRhC3OTi3Jg1RqPtSE0K2FWzPDXzzz1FhZZgCzT1bMHCH6uhUC5qg6jMmXttepP9xrL4XaPmSMkBBImFIyxOKw/s955/8bcb1fdd-b617-4bf6-bfbc-a13b0324e2f5.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="716" data-original-width="955" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEin9VWNlFGq7K4VoccpbPqbLb3JuUpCLq_GKXe0hmot2R6R4rPVgI6I2yZ7fE_1fpr5Z5KvJu9QOQwj92tH83mVMO7mruw1uM6KFXQpqKRhC3OTi3Jg1RqPtSE0K2FWzPDXzzz1FhZZgCzT1bMHCH6uhUC5qg6jMmXttepP9xrL4XaPmSMkBBImFIyxOKw/w400-h300/8bcb1fdd-b617-4bf6-bfbc-a13b0324e2f5.jpg" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>Foto: Rosângela Escórcio Lima</span></td></tr></tbody></table><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Um amigo me manda uma fotografia e pergunta se me lembro de Vó, que vendia jornais e revistas numa banca no 2º subsolo do edifício-sede I (o primeiro!) do Banco do Brasil, em Brasília, na segunda metade do século passado, ao lado do “Bandejão”, onde todo dia se restauravam mais de três mil almas. No fecho, a boa nova: “esta semana ela completou 100 anos”. <o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quis responder, mas me segurei diante da plenitude da imagem. Sou dos que acreditam que a fotografia é uma forma de expressão silenciosa capaz de congelar cenas e cores que a mente uma hora esquece. Que transforma algo comum em extraordinário. Dispensa comentários ou legendas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Até ontem, Vó, eu nem sabia o teu nome completo, e só hoje descobri: Helena Escórcio Lima, mãe de 12 filhos (só metade vive) e bisavó de sete bisnetos. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Você não faz ideia do quanto me recordo do dia em que te conheci, em agosto de 1982, pouco depois de minha chegada a Brasília, pela primeira vez, para participar por quatro meses de um curso de formação profissional. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A nova capital do país tinha apenas 22 anos. Para milhares de imigrantes domésticos, com destaque para o Nordeste, a história estava só começando, feito uma folha de papel em branco onde cada um escrevia a crônica de uma vida. Tu eras uma dessas cronistas, Vó.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Como me recordo daquela mulher aparentemente frágil, leve, mas forte e determinada, que avistei várias vezes, de manhãzinha, guiando uma kombi nos arredores da Galeria dos Estados, no Setor Bancário Sul, transportando amarrados de jornais e revistas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mais tarde, Vó, com os óculos na ponta do nariz, atenta às circunstâncias e aos circunstantes, quase sempre te encontrava em paz, de bom humor. Só perdia a paciência com alguns chatos, a quem mandavas para aquele lugar se zoassem com o “nosso” Vasco da Gama. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O Vasco que tocou teu coração, imagino, foi o mesmo que fez de meu pai um vascaíno raiz, com o time considerado um dos melhores da história do futebol: o Expresso da Vitória, de Barbosa, Danilo e Ademir de Menezes. Depois viriam Bellini, Roberto Dinamite, Juninho Pernambucano, Edmundo, mas isso é outra história.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ah, Vó, bem antes de te conhecer, não imaginas o quanto desejei tomar conta de uma banca de jornais e revistas em minha meninice, ao lado de meu irmão. Poder ganhar alguns trocados e, assim, ajudar na despesa de casa; de quebra, ter acesso amplo e irrestrito a todas as publicações da época. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Até hoje o cheiro de tinta que saía da revista <i>Placar</i> continua intacto em nossas narinas (minhas e dele), como um perfume que embriagava dois obcecados por bola, desde os rachas nos campinhos de terra batida na Gruta de Lourdes, em Maceió, até as noites de domingo, quando a extinta TV Tupi exibia os gols da rodada no programa <i>Ataque e Defesa</i>. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">E como esquecer as disputas de times de botão, com “craques” de acrílico feitos por nós mesmos? Bastavam dois discos translúcidos ensanduichando a foto recortada de <i>Placar</i> ou de <i>Manchete Esportiva</i>, o nome de “guerra” e o número (recorte de calendário) que usava na camisa do clube a que pertencia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Um dia, Vó, encontramos numa feira livre um camelô vendendo frascos de uma mistura de álcool comum com gasolina. Com um chumaço de algodão, ele molhava uma folha de papel e, usando o fundo de uma colher, decalcava imagens de revistas velhas, reproduzindo-as, de forma invertida, como se refletidas num espelho. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Era o que nos faltava para fazer a “cobertura” dos campeonatos de futebol de botão. Com folhas de caderno de desenho e imagens extraídas das páginas das revistas, criávamos "reportagens" para “jornais” reservados a um único leitor: eu lia o dele; ele lia o feito por mim. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Nem jornaleiros nem jornalistas, um dia eu e ele viramos bancários. </span><span style="font-family: verdana;">Quando te conheci, Vó, eu já era homem feito, pai de família, mas ainda cochilava em mim o moleque que a tua banca de jornais e revistas despertou.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Hoje, Vó, o número de publicações diminuiu ou sumiu de muitos desses pontos de venda. A crise no meio impresso sofreu o golpe fatal com a pandemia, quando muita gente deixou de comprar aquilo que não pudesse ser descontaminado. E as bancas sobreviventes parecem pontos de camelôs. Vendem de tudo: água mineral, bebidas, cigarros, doces, preservativos, acessórios para celular e sabe-se lá mais o quê.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas chega de saudade! Como bem disse um poeta, o futuro é uma astronave que tentamos pilotar e que muda a nossa vida, depois convida a rir ou chorar. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Agora, Vó, numa folha qualquer posso até escrever sobre sol amarelo, castelo ou uma linda gaivota a voar no céu. Mas o que queria mesmo é aprender a sorrir assim feito tu. Benza-te Deus!</span></p><p class="MsoNormal" style="background: repeat rgb(232, 234, 237); margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><img height="1" src="blob:https://draft.blogger.com/378a5f88-e1f8-4fed-a80d-95db34d9931d" v:shapes="Imagem_x0020_1" width="1" /><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><br /></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com48tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-91462681397594888112023-10-25T04:09:00.006-03:002023-10-25T06:06:40.918-03:00Quase todo dia<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif" style="-webkit-text-size-adjust: auto; word-spacing: 1px;">Foi-se o tempo em que uma boa menina, usando capuz encarnado (ressalte-se, sem nenhum viés político-religioso!), seguia pela estrada afora, sozinha, levando bolos e doces para sua querida vovozinha. Ainda não havia celulares nem redes sociais, mas sua zelosa mãe já recomendava não dar ouvidos a estranhos. Porém caiu na lábia de um lobo perverso que dela conseguiu descobrir o local de destino. E ao chegar lá, a netinha foi recebida com terceiras intenções pelo próprio animal disfarçado, </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif" style="-webkit-text-size-adjust: auto; word-spacing: 1px;">que inclusive já havia comido a vovó <span><span style="caret-color: rgb(255, 0, 0);">(</span></span></span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif" style="-webkit-text-size-adjust: auto; word-spacing: 1px;">literalmente, o que é pior). O resto você sabe. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 24pt 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="color: #222222; font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">Não </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">parece, </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">mas eu também um dia já fui neto e, entre calçadas, esquinas e praças, ainda sem celulares nem <i>web</i>, provei de quase todos os tarecos, traquinagens e mariolas que a rua oferecia a um representante daquilo que o poeta Jessier Quirino chama de "nação do desassossego". Por isso, eu seria capaz de jurar que já tinha visto de tudo sobre “artes infantis”, mas me enganei. Os tempos são outros e ando vendo assombração quase todo dia.</span><span face="Arial, sans-serif" style="color: #222222;"></span></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><div><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">Circula nas redes sociais um vídeo no qual um casal de avós (ele com 70 anos e ela, mais nova) salta do 4º andar de um prédio para escapar do fogo no apartamento onde moram, em Minas Gerais. E t</span></span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana;">udo começa quando a netinha deles, de 11 anos, contrariada com um castigo aplicado pela avó (dieta digital compulsória), tranca os dois no quarto e toca fogo no sofá da </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana;">sala de estar.</span></span></div><div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><img border="0" data-original-height="1619" data-original-width="2544" height="255" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEio-ZaN_bsJnaLrrHYw6ikGxaEI9CY5Op66UeKfIeMVSmn9ezKAigA3RXaz6uJRAVcZz3e93SKR81BrDBowBK5G_aYYh5u72ZetsBQhB9_bu24MUFgOfqNxIWbnRfdKk0oJq2P_Y2TG3QfLsjgjcwB0EADDpUs2xPovpx_cdvj-IQYuVXQEDAVg8yWpvic/w400-h255/IMG_6014.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;" width="400" /></span></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: times; font-size: medium;">Ilustração: Uilson Morais (Umor)</span></td></tr></tbody></table></div><div><p></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">Nas imagens, é possível ver o homem convencendo a mulher a pular primeiro de uma janela, não se sabe se por cavalheirismo, desespero, incerteza quanto ao desfecho, pavor ou todas as alternativas combinadas. Em seguida, ele também pula para não morrer queimado ou por asfixia. </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">A queda é amortecida por colchões colocados por moradores do prédio e ambos são levados para um hospital. A vovó com dores no peito e nas pernas. O vovô não chega a precisar de atendimento médico. A ciência ainda é omissa quanto à eficácia de um remédio para coração partido, ingratidão, essas coisas.</span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">Antes de provocar o incêndio, a menina pediu para usar o celular, o que foi negado pela avó, depois de descobrir que ela fizera buscas na Internet sobre rituais de bruxaria. Justamente no mês do <i data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-removefontsize="true">Halloween</i>, festa tipicamente norte-americana macaqueada em várias partes do mundo, inclusive aqui, na qual as pessoas se transformam em monstros como vampiros</span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">, zumbis e certos políticos. </span><span face="Arial, sans-serif" style="color: #222222;"></span></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">Houve quem dissesse que a pesquisa feita pela garota, na realidade, se referia à coreografia de uma famosa cantora que lançou recentemente um clipe com pitadas eróticas onde aparece com um microfone nas mãos fazendo simulações orais </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">(acho que você me entende) </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">num beco de comunidade. Não acredito nisso! A vovó teria infartado de forma fulminante e nem haveria os desdobramentos. </span><span face="Arial, sans-serif" style="color: #222222;"></span></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">Aborrecida, no entanto, a neta se aproveita que os avós estavam no quarto, tranca a porta por fora e risca o fósforo. Poderia ter sido pior, inclusive para a vizinhança. Vai que corta a mangueira do gás de cozinha. O estrago teria outra proporção. </span><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" face="Arial, sans-serif">Louve-se o equilíbrio dela.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">Minutos depois, desconfiando do cheiro de fumaça, o avô resolve arrombar a porta, mas percebe que só conseguiria escapar do fogaréu se rompesse a tela de proteção da janela. Do lado de fora, moradores já estavam a postos para ajudá-los, assustados com o volume de fumaça e o calor das labaredas.</span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">Enquanto as chamas se alastram, a menina, que costuma passar o fim de semana com os avós, desce para o <i>playground</i> para brincar de patins, como quem chupa pirulitos. </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">O síndico do condomínio afirma ter sido aterrorizante o momento em que os vizinhos decidiram colocar colchões no chão, bem próximo à fachada do prédio. Na hora da agonia, é óbvio que ninguém liga para o fato de que o peso de algo em queda livre é calculado pela massa do corpo multiplicada pela aceleração da gravidade. </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">Moradores das redondezas, ainda chocados, se mobilizaram para ajudar o casal a reconstruir o apartamento destruído. Com uma vaquinha digital, esperam arrecadar parte dos recursos necessários à reconstrução do imóvel. </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">Sem sequelas físicas – não se apurou a extensão das fraturas na alma, das escoriações na fé –, o avô passou o dia seguinte recolhendo o entulho, com a ajuda de parentes e amigos. Repetia que a neta é "seu xodó", não teve culpa de nada (teria diagnóstico de bipolaridade) e já a perdoou. Avô é avô.</span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">E a garota, que nunca usou chapeuzinho vermelho, mas se travestiu de loba nesta aventura urbana, foi entregue à mãe. Deverá receber proteção do Estado, e o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê acompanhamento social e psicológico.</span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="-webkit-text-size-adjust: auto; margin: 0cm; word-spacing: 1px;"><span data-originalcomputedfontsize="18.666666" data-originalfontsize="14pt" style="font-family: verdana; font-size: large;">O resto dessa história ainda não está nítido, mas dá para imaginar aonde tudo isso pode chegar. Os tempos são outros e ando vendo assombração quase todo dia.</span></p></div>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com30tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-79260954777551915942023-10-18T04:28:00.001-03:002023-10-18T07:25:26.467-03:00Menos, velho!<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O velho Jacob é um árabe radicado em Alagoas desde 1967, quando desertou da Guerra dos Seis Dias, no Oriente Médio. Conta ele que sua fuga facilitou a vitória israelense sobre as tropas do Egito, Síria e Jordânia, quando Israel anexou a seu território a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém e as Colinas de Golã. </span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhgSTyuhS6acBqfBm8w5UlwDNUhphoizTJq5rXBSxQ7OaI0lx31e6qWF4UbENTK0ZooLZhYlCi2YX4MSmCNxkbKo5tIA8KaJ6oqCdDvcPfP6nHIpFAhyphenhyphenu_CsImAM4yGsJNrXcBRTqOL8mgjel44VxKWBpA00vn3qWwfKL5XyLQuEaNwHZhABpsjLWc-0BY/s684/IMG_3273.JPG" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="633" data-original-width="684" height="370" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhgSTyuhS6acBqfBm8w5UlwDNUhphoizTJq5rXBSxQ7OaI0lx31e6qWF4UbENTK0ZooLZhYlCi2YX4MSmCNxkbKo5tIA8KaJ6oqCdDvcPfP6nHIpFAhyphenhyphenu_CsImAM4yGsJNrXcBRTqOL8mgjel44VxKWBpA00vn3qWwfKL5XyLQuEaNwHZhABpsjLWc-0BY/w400-h370/IMG_3273.JPG" width="400" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: medium;">Foto: arquivo pessoal</span></td></tr></tbody></table><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></div><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Um faroleiro </span><span style="font-family: verdana;">incorrigível! Já tentou até me convencer de que um de seus filhos foi aplaudido de pé em pleno Maracanã, depois de marcar um golaço contra o Flamengo de Zico. Mais que isso: jura que o moleque recebeu um passe perfeito de ninguém menos que Maradona, depois aplicou o drible da vaca sobre o goleiro adversário e só não entrou com bola e tudo porque não quis tripudiar. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Há três meses, ainda trabalhava como cozinheiro a bordo de um rebocador (um barco que auxilia as manobras de navios na área portuária) que naufragou devido a uma falha mecânica. Só ele, acreditem, sobreviveu. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O naufrágio foi tão rápido que nenhum dos 20 tripulantes conseguiu chegar à superfície. "Eu tinha ido ao banheiro. Fechei a porta e estava sentado no vaso sanitário quando o barco virou, a luz se apagou e ouvi gritos. Saí, mas não vi ninguém. A força da água me empurrou para uma das cabines e lá fiquei preso..."<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Ele não imaginava é que aquele jorro seria providencial, o empurrando em direção a uma bolha de ar que permitiu algo improvável: sobreviver por 60 horas no fundo do mar até ser resgatado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Nunca colocara os pés em um navio antes de conseguir o emprego a bordo. Havia sido cozinheiro numa pousada na Barra de São Miguel, no litoral Sul alagoano. A primeira experiência no mar, aliás, não foi nada boa. "Embora gostasse de praia, foram dois dias vomitando e rastejando”. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O rebocador havia estabilizado um petroleiro numa das plataformas de petróleo no Nordeste em meio ao mar agitado. De madrugada, o velho Jacob acordou e foi para a cozinha lavar pratos e panelas até que os reflexos intestinais de uma moqueca do dia anterior lhe fizeram procurar o banheiro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">"Afundou ligeiro. Fiquei apavorado, ouvia gritos. Eram cinco e pouco da manhã, muita gente ainda dormia. A água borbulhava enquanto invadia os compartimentos. Depois, veio o silêncio". <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quando a embarcação finalmente encalhou no fundo do mar, 30 metros abaixo da superfície, era o único que escapara, apenas de cuecas, preso num espaço pequeno, escuro e frio, sem comida nem bebida, com água pela cintura. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em terra, as famílias dos tripulantes foram informadas de que não havia sobreviventes, e a empresa proprietária do rebocador contratou especialistas para resgatar os corpos. Detalhe: se os familiares mantivessem a ocorrência sob absoluto sigilo, evitando redes sociais e a consequente investigação pelas autoridades, todos seriam muito bem recompensados.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Três mergulhadores, então, desceram até o fundo do mar numa câmara pressurizada, coordenados por um supervisor que acompanhava as ações por meio de uma câmera de um barco na superfície.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O velho Jacob disse que conseguia ouvi-los enquanto quebravam as portas para entrar na embarcação. "Quase não havia mais oxigênio na bolha de ar quando vi o reflexo de uma lanterna. Aí mergulhei, segui na direção da luz e, de repente, vi a água borbulhando. Era um mergulhador."<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Os especialistas trouxeram então um equipamento de mergulho e o conduziram com cuidado até a superfície. "Estava tudo cheio de lama, não se via nada. Quando eu entrei na câmara pressurizada e percebi que era o único que havia escapado, desabei no choro”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Depois de 60 horas de agonia, ainda teve que passar mais três dias numa câmara de descompressão para normalizar os níveis de nitrogênio que se acumularam nos tecidos e poderiam causar um ataque cardíaco. Enquanto isso, sua família (esposa e duas netas) era informada de que ele fora encontrado com vida. "Minha patroa chegou a desmaiar. Foi levada às pressas pro hospital..." – comentou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quando acordou, o médico enfim descobriu o real motivo do desmaio da esposa: a direção da empresa proprietária do rebocador havia autorizado a concessão de uma polpuda pensão vitalícia, além de plano de saúde e bolsa de estudos até a faculdade, para todos os herdeiros das vítimas fatais da tragédia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">“Pois é, doutor, na hora decisiva pro futuro de nossas netas, o inútil do meu marido estava cagando! Pode?!” – queixou-se a quase viúva, em compreensível, indignado e justo desabafo!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></p><br /><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMNmWqiWXQQX1on95OsmgREBlBYhPzHkC7KZRY1bCy8_hqzwmpke1e9Pvh1GgIwbdt49q5k-mg41FNrCj-HggEYBHlJJGywlOjmKS1CWDibz2cubo-xlILoEQYq73PhB__4832t-R9ulQaIluJg-VL3Bxvw2-xf4tqUa4fImgBqd1BzjShRNw26be1RKY/s494/IMG_3309.jpeg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="494" data-original-width="361" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMNmWqiWXQQX1on95OsmgREBlBYhPzHkC7KZRY1bCy8_hqzwmpke1e9Pvh1GgIwbdt49q5k-mg41FNrCj-HggEYBHlJJGywlOjmKS1CWDibz2cubo-xlILoEQYq73PhB__4832t-R9ulQaIluJg-VL3Bxvw2-xf4tqUa4fImgBqd1BzjShRNw26be1RKY/w293-h400/IMG_3309.jpeg" width="293" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Reprodução: Placar</td></tr></tbody></table><br />Como nada encontrei sobre a suposta tragédia na costa brasileira, tudo indica ser mais uma lorota do velho Jacob que, por ser bastante parecido, anda se passando por pai de Givaldo Santos Vasconcelos, o Jacozinho, ex-atacante do CSA nos anos 1980. Mas, o que é real ou ficção no noticiário em tempos de guerra?</span><span face="Verdana, sans-serif" style="font-size: 18pt;"><o:p></o:p></span><p></p><br />Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com36tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-65437591050473135112023-10-11T04:21:00.001-03:002023-10-11T04:21:19.279-03:00O outono da vida<p><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Um dos maiores escritores do século passado, Gabriel Garcia Marquez, Gabo (1927–2014), teve sérios problemas de saúde no outono da vida. Primeiro, enfrentou um câncer linfático. Depois, a demência que lhe roubou dois de seus bens mais preciosos: a memória e a capacidade de contar histórias. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKCOA2SHYCoFkbFKz3fbHblQ-87jMjO5OSaq5DSqLzk7uTxxYuxxDcaSdyDeUckTN50RWq5puMJw98KP4xqEk5q5NQD-HUhi5qFdQdfaChmADkxHZg81-G_f_HWQhIfwDOnv8_i8IwISmAzUBXng8EgYFzfUycYg_9HqJ4nd9NjhUtlsGKS8eoOT-yJZY/s615/20160420142230114554u.JPG.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-size: large;"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="615" height="313" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKCOA2SHYCoFkbFKz3fbHblQ-87jMjO5OSaq5DSqLzk7uTxxYuxxDcaSdyDeUckTN50RWq5puMJw98KP4xqEk5q5NQD-HUhi5qFdQdfaChmADkxHZg81-G_f_HWQhIfwDOnv8_i8IwISmAzUBXng8EgYFzfUycYg_9HqJ4nd9NjhUtlsGKS8eoOT-yJZY/w400-h313/20160420142230114554u.JPG.webp" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span>(Foto: Tomas Bravo)</span></td></tr></tbody></table><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span><p></p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">Deu tempo, no entanto, de nos legar em seu livro <i>Cem Anos de Solidão</i> uma das expressões mais incensadas da literatura mundial: “O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão".</span></span><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;">No primeiro domingo deste mês</span><span style="font-family: verdana;">, passava das 10 da noite quando ela me telefonou e, num fiapo de voz, gemendo, praticamente negava a honradez do pacto a que Gabo se referiu: “Meu filho, me acuda... Acho que vou morrer. Vomitei muito, tô tonta, as pernas fracas...”</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Logo ela, saudável e vaidosa, que não vai nem à portaria do prédio ou ao mercadinho da esquina sem antes retocar o batom e ajeitar os cabelos no espelho do elevador. Logo ela, que adora boleros e pagodes e não abre mão, pelo menos, de dois bailinhos por mês. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Nos 15 minutos em que troquei de roupas e corri até o apartamento dela, pensei no que leva uma matriarca com 85 outubros, viúva por quatro vezes, mãe de 10 filhos, avó de mais de 20 netos e bisavó de quase 25 bisnetos a pôr em xeque o segredo da velhice agradável de que Gabo falava. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A porta estava entreaberta. Recostada no sofá da sala, rosto pálido, olhos fundos, lábios ressequidos, quis especular sobre o que estava acontecendo: “Quase desmaio sentada no vaso… Acho que minha pressão subiu...”</span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">De cara, pensei em carência de afetos, desatenção de filhos e netos que chuparam a taboca de roletes de cana e agora desprezam o bagaço. Mas não quis chateá-la com metáforas nada doces. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Faz tempo que ela não quer mais dividir sua intimidade com ninguém. Mora só, cuida do próprio alimento, assiste TV, reza e circula nas redes sociais. “Amor pra valer eu só vivi o primeiro, com o pai de meus filhos. Se dependesse de mim, era ele quem eu queria para envelhecer do meu lado...”<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Nunca foi de ler nem de escrever, um dos grandes regalos da solidão. E já não faz caminhadas à beira-mar, ao entardecer, como até bem pouco tempo. “Não dá mais! Eu caminhava com uma tabica pra espantar maloqueiros, mas morria de medo deles!” – contou outro dia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Reclama que não se alimenta bem porque não sente mais prazer em nada que prepara para si mesma. “Quem gosta são os porteiros, com almoço e janta de graça” – pontua vez por outra. Cansa com facilidade, a esta altura, mas não aceita ajuda (exceto da faxineira, uma vez por semana), desde cozinhar, lavar panelas e pratos, até limpar banheiro. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 2pt;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Parece que foi ontem. Aos sábados, nos anos 1980, os filhos (com noras e genros) se juntavam na casa da matriarca para beber e comer, chorar derrotas e cantar vitórias, e ouvir de novo o seu grito chamando à mesa posta com um panelão de guisado, mesmo depois de casados e dos primeiros filhotes de uma nova geração. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quando da morte de um de seus filhos, em 1991, vítima da ruptura de um aneurisma cerebral, pensou-se que ela tombaria junto. Claro, difícil entender como uma mãe suporta enterrar um pedaço de si sem enlouquecer de dor.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Deve ter aprendido ali que a morte não chega com a velhice. O que chega é a chatice de ver que, em silêncio, o fim se aproxima. De que é preciso segurar a ansiedade e viver semana a semana, sem fazer planos para o mês que vem ou para o próximo Natal.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">No primeiro domingo deste mês, ela acusou o golpe, claramente chocada com a notícia de que outro de seus filhos (após meio século de cigarros e uma cirurgia de laringe) aguardava o resultado de uma biópsia. E lá fomos nós pelas ruas desertas, a caminho do hospital. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Apesar da letargia da recepção e da triagem, foi rápido o atendimento: “a pressão tá dentro do esperado, mas ela tá muito desidratada. Vou fazer soro e pedir alguns exames de sangue, urina, tomografia..." – disse a plantonista.<span style="color: #500050;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Às 4:30 da madrugada de segunda-feira, de posse do resultado dos exames, a doutora concluiu: “Tá com anemia moderada. Já foi hidratada, precisa agora tomar esses medicamentos (um protetor estomacal e um remédio para náusea) e procurar especialistas para tratar da anemia e da tontura".<span style="color: #500050;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Na terça-feira, procurei saber dela, depois da notícia de que o quadro de seu filho não é tão grave quanto parecia de início. “Tá melhor... Já brincou até de esconde-esconde com os bisnetos...” – disse uma de suas netas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Longe de mim questionar a construção literária de Gabo, mas o segredo de uma velhice agradável não pode ser apenas a assinatura de um pacto com a solidão. </span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Parte do segredo é saber como regar a conta-gotas o jardim de contatos (inclusive virtuais) com quem sente prazer de nos contar novidades e de ouvir o que ainda temos a dizer. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana;"><span style="font-size: large;">E que não morram antes de nós quem amamos. Impossível? O que seria do querer se não pudermos sonhar fora da bolha? </span><span style="font-size: large;">Desejar apenas o possível é optar pela mediocridade. Tanto mais no outono da vida.</span></span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com35tag:blogger.com,1999:blog-3196511240511112874.post-46877453243606246802023-10-04T04:46:00.002-03:002023-10-04T06:48:30.009-03:00Ainda bem, Jaguar! <p><span style="font-size: large;"><span style="font-family: verdana;"><span style="color: #222222;">Velho vive repetindo histórias porque ninguém sabe o valor de um momento até que se torne uma memória. Quando repete, no entanto, nem a história nem ele são os mesmos. Ainda bem.</span></span></span></p><p><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span><span style="color: #222222;">Jaguar, um dos maiores cartunistas brasileiros, chorava numa sala de cinema em Brasília, cidade onde morava em 2006 com </span></span><span style="-webkit-text-size-adjust: auto;">Célia Regina Pierantoni, pó</span><span style="-webkit-text-size-adjust: auto;">s-doutora e</span><span style="-webkit-text-size-adjust: auto;">m saúde coletiva.</span><span style="color: #222222;"> Tinham acabado de assistir ao documentário </span><i style="color: #222222;">Vinicius</i><span style="color: #222222;">, de Miguel Faria Jr., reconstituição da vida e da trajetória artística de Vinicius de Moraes, reunindo imagens e depoimentos de amigos em comum com o Poetinha: Tom Jobim, Chico Buarque, Francis Hime, Carlos Lyra e Ferreira Gullar. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Vendo-o cabisbaixo, comovido, alguém tentou puxar conversa: "Já lhe disseram que o senhor é a cara do finado Jaguar?" E as lágrimas secaram no mesmo instante, sob uma estridente gargalhada: "Mulher! Eu morri e ninguém me contou nada!"<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Quem me contou foi o próprio Jaguar, sete anos mais tarde, numa manhã de domingo, enquanto aguardávamos o <i>transfer</i> </span></span><span style="font-size: large;"><span style="caret-color: rgb(34, 34, 34); color: #222222; font-family: verdana;">que nos levaria ao aeroporto</span><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana;">, </span></span><span style="caret-color: rgb(34, 34, 34); color: #222222; font-family: verdana;">na recepção de um hotel na Bahia</span><span style="color: #222222; font-family: verdana;">.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"></span></span></p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8uU9zV7W3PCvi23xoauKOWkggh8NTR8XTULMWwKuy_-_nKjQOKsb-k5ZUrXbJzy2zUR2NXkZSPktGCpbmarZrcEPt535iVGq-N3xwmtTCdUK1nGikqA98NK1_dy8ZF44PMEdI9jJ9NtieZTashWuI-ya3G79iZffHkhtRgMyhEBvU1YuqesDSQD7kvvc/s780/IMG_3176.webp" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><img border="0" data-original-height="490" data-original-width="780" height="251" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8uU9zV7W3PCvi23xoauKOWkggh8NTR8XTULMWwKuy_-_nKjQOKsb-k5ZUrXbJzy2zUR2NXkZSPktGCpbmarZrcEPt535iVGq-N3xwmtTCdUK1nGikqA98NK1_dy8ZF44PMEdI9jJ9NtieZTashWuI-ya3G79iZffHkhtRgMyhEBvU1YuqesDSQD7kvvc/w400-h251/IMG_3176.webp" width="400" /></span></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-family: times;">Foto: Luciana Whitaker</span></td></tr></tbody></table><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br />Menos conhecido como Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, Jaguar foi escriturário do Banco do Brasil por mais de 15 anos. Seu primeiro chefe, Sérgio Porto (1923 – 1968), o Stanislaw Ponte Preta, publicou vários livros, todos ilustrados por ele: <i>Tia Zulmira e Eu; Primo Altamirando e Elas; Rosamundo e os Outros; Garoto Linha Dura; Febeapá – Festival de besteiras que assola o País; Febeapá 2; Na terra do Crioulo Doido; Febeapá 3; A máquina de Fazer Doido e Gol de Padre</i>.<o:p></o:p></span></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Em 1969, junto com Henfil, Ivan Lessa, Paulo Francis, Millôr Fernandes, Sérgio Cabral (pai), Tarso de Castro e Ziraldo, Jaguar fundou <i>O Pasquim</i>, jornal de sátira política que aprendi a admirar ainda adolescente, em 1972.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Conversávamos sobre as tiradas de Sig, o ratinho-mascote do jornal, inspirado em Sigmund Freud, o criador da psicanálise, quando ele me atalhou: “O rato era meu alter-ego, sempre em crise existencial, apaixonado pela atriz Odete Lara...”<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Falamos sobre a editora Codecri (acrônimo de Comitê de Defesa do Crioléu), responsável pelo projeto <i>Disco de Bolso</i>: vender em bancas de jornal compactos onde, no lado A, um nome consagrado na MPB lançaria uma nova canção e, no lado B, desconhecidos ganhariam visibilidade na cena artística nacional. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O primeiro disco revelou o novato João Bosco, com <i>Agnus Sei</i>, dele e de Aldir Blanc, “apadrinhado” por Tom Jobim com uma obra prima inédita: <i>Águas de Março</i>. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">O segundo trouxe Caetano Veloso no lado A (cantando <i>A volta da Asa Branca</i>, de Luiz Gonzaga) e, no lado B, o iniciante Fagner, apresentando <i>Mucuripe</i>, sua e de Belchior. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Mas parou por aí. Para Jaguar, “o governo via naquilo algo mais político que musical e deu fim ao projeto”. Tem quem diga, no entanto, que o projeto merecia melhor gestão.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><span style="color: #222222;">Conversamos ainda sobre a “gripe" que atingiu a turma de O Pasquim, ironia com que se justificou a ausência de vários jornalistas presos durante o governo Médici, inclusive sobre o "remédio" aplicado para atenuar os “sintomas”: alguns intelectuais (Antonio Callado, Glauber Rocha, Chico Buarque e outros) se juntaram para, com seus escritos, manter "respirando" o semanário.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Um desses colaboradores foi o poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade, que fazia questão de levar pessoalmente seus textos à redação do jornal. Para Jaguar, na verdade “o velho estava de olho numa boazuda com quem fui casado por uns 10 anos”. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Numa tarde, encharcado de uísque, Jaguar cruzou por acaso com Drummond e "soltou os cachorros”, ameaçando-o, caso insistisse em dar em cima de sua mulher. O poeta nunca mais voltaria à redação, mas continuou mandando sua contribuição periódica para O Pasquim, que seguia sendo mutilado pela censura do governo militar com cortes cavalares de textos, cartuns e charges (até hoje ninguém pagou por esse tipo de crime hediondo cometido contra as gerações futuras!).</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Jaguar despediu-se de mim com mais uma gargalhada, realçando um cinismo ácido, brilhante e escrachado ao mesmo tempo: “Como fui besta! Perdi a chance de entrar para a história sendo corneado pelo maior poeta da língua portuguesa!”<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Besta fui eu (hoje me dou conta disso!), Jaguar, que fiquei constrangido em procurá-lo novamente nas vezes em que, mais tarde, fui ao Rio de Janeiro, apesar de ter recebido convite e guardar o seu cartão de visitas. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Algum tempo depois, li numa entrevista que você estima haver bebido, em mais de 60 anos, "uma piscina olímpica de cervejas, sem falar nos destilados: uísque, cachaça, conhaque, rum, vodca, absinto, bagaceira, grapa, saquê, tequila..." </span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"> <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Isso, aliás, explica a cirrose e o câncer de fígado que quase precipitaram o fim da estrada para o autor da coletânea de crônicas <i>Confesso que Bebi - Memórias de um Amnésico Alcoólico</i>. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">A última notícia que tive sua foi há sete anos, através do também cartunista Paulo Caruso, a quem conheci em São Paulo, em 2016, e que nos deixou o ano passado. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Caruso me contou que você seguia "viciado" em livros e jornais de papel, jazz, futebol, biriba e cerveja... Mas sem álcool, é claro. “Jaguar diz que, quando quer ficar tonto, abraça e gira em torno de um poste...”.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;"><br /></span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm;"><span style="color: #222222;"><span style="font-family: verdana; font-size: large;">Aos 91 anos, o lendário transgressor ainda resiste de pé feito uma vela acesa na escuridão (e no obscurantismo) da cena brasileira, ainda que a chama e o rugido já não sejam os mesmos. Mas a ironia, a irreverência </span></span><span style="color: #222222; font-family: verdana; font-size: large;">e o traço continuam afiados. Ainda bem, Jaguar!</span></p>Hayton Rochahttp://www.blogger.com/profile/02957591660316950941noreply@blogger.com30