Já pesquei, mas hoje não pesco mais e tenho meus motivos. Coisa de criança que, aos 10 anos de idade, do nada começou a ter pena dos carás, dos jundiás (bagres) e das piabas (lambaris, manjubas ou piaus) que fisgava no rio Mundaú, na Zona da Mata alagoana, porque em minutos morriam asfixiados com as guelras secas.
Não vi mais graça alguma em acordar bem cedinho para procurar minhocas no jardim e juntá-las numa lata vazia de leite em pó, armar-se de caniço, linha, chumbada e anzol, seguir com os colegas da rua para beira do rio e disputar com eles quem faria a maior fieira de peixes.
Também nunca fui de caçar, apesar da origem cabocla. Quando menino, até me orgulhava da pontaria com uma peteca (chamada assim somente em Alagoas; noutros lugares, é estilingue, atiradeira, balinheira, baladeira, badoque ou bodoque), a acertar calangos e lagartixas que tentavam fugir do predador nos monturos do Beco do Coité, em União dos Palmares.
Desisti depois que matei por matar, numa poça d’água no Beco do Coité, uma lavandeira (ou lavadeira-mascarada, noivinha), espécie de pássaro dócil que vive junto a rios e lagoas e vem com inocente frequência ao chão em busca de comida.
Testemunha da crueldade, Pitôta, empregada doméstica lá em casa, foi juíza e educadora ao mesmo tempo. Quase me sufoca de remorso ao dizer que “a bichinha lavava a roupa de Nosso Senhor”. Chorei feito gente grande. No mesmo dia, joguei fora duas gaiolas e o alçapão com que pegava canário, galo-de-campina e papa-capim nos sítios que haviam no caminho da Ilhota e da Terra Cavada.
Pecados veniais. Menino tem o coração do tamanho do mundo, mas às vezes é bicho desalmado, “nação do desassossego”, como diz o poeta Jessier Quirino.
Talvez por saber que passei boa parte de minha vida morando próximo a rio e mar, semana passada meu amigo Blóton me questionou por nunca escrever sobre pescarias, paixão de outros amigos meus como Eilton, Ligabue, Rorato e Zé Ângelo.
Talvez por saber que passei boa parte de minha vida morando próximo a rio e mar, semana passada meu amigo Blóton me questionou por nunca escrever sobre pescarias, paixão de outros amigos meus como Eilton, Ligabue, Rorato e Zé Ângelo.
Página virada em minha vida, devo reconhecer que pescar até voltaria a fazer sentido para mim depois que li “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway (1899 – 1961).
O livro conta a história de um velho pescador com quase três meses sem fisgar nenhum peixe que resolve provar aos amigos que ainda é bom no ofício. Então se lança ao mar com pouca água para beber, quase nada para comer, aguenta firme o sol implacável, o vento noturno e a solidão dos desacreditados.
Conhecer de marés, mudanças climáticas, localização dos cardumes e do comportamento dos peixes dera a ele um passado de vitórias. No entanto, não lhe impediu de sofrer privações de toda ordem, a ponto de morar num casebre e dormir sobre uma cama de jornais velhos.
Quando já perdia a esperança, o velho pescador consegue capturar o maior peixe que já havia visto na vida, com cerca de cinco metros de comprimento. Mas todo pescador sabe que fisgar é uma coisa, embarcar o animal é outra.
Foram dias e noites de luta, tentando vencer a força bruta e a resistência do peixe. Quase fica cego por conta da luz solar e sem o movimento de uma das mãos, cortada por conta do esforço feito para segurar o bicho pela linha.
Depois de amarrá-lo ao barco, o velho é perseguido por tubarões até próximo da praia. Livra-se deles como pode, mesmo a todo instante correndo o risco de ser engolido vivo junto com a carcaça do peixão que havia capturado.
Chega em terra firme só o bagaço, esgotado, com fome, sede e sono. Ainda assim, aguarda medirem o que resta do esqueleto do peixe e então volta a ser admirado no meio dos pescadores. Mais do que a peleja no mar, vencera, no outono da vida, uma grande luta consigo mesmo.
Eu até voltaria a pescar se fosse sempre desse jeito. Não é. Livros, assim como filmes, costumam mexer com quem já está sossegado, só apreciando a correnteza, à beira do rio que passou em sua vida e seu coração se deixou levar.