Do jeito que as coisas andam, em breve assistiremos em bares, telas e lares, a animais supostamente racionais se atacando a mordidas, entre grunhidos e rosnados. Isso, óbvio, caso prevaleça o bom senso: não se opte por algo mais natural aos seres humanos como o emprego de armas (brancas ou de fogo) para aplainar diferenças de opinião, inclusive entre membros de uma mesma família.
Não será novidade para quem, como nós, vimos o ex-atleta corintiano Emerson Sheik quase arrancar um pedaço da mão do argentino Matías Caruzzo, do Boca Juniors, na final da Copa Libertadores de 2012, no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Ou o zagueiro italiano Giorgio Chiellini, sentado no gramado da arena das Dunas, em Natal, urrando de dor com o ombro cravejado pelos dentes do centroavante uruguaio Luis Suárez, na fase de grupos da Copa do Mundo de 2014. Ou, mais remotamente, o ex-pugilista norte-americano Evander Holyfield, em 1997, na arena MGM, em Las Vegas, nos Estados Unidos, espumando de raiva ao ser abocanhado por Mike Tyson, que lhe rasgou um pedaço da orelha e cuspiu no chão, o que só aumentou a dor da ofensa.
Nos três episódios, um detalhe em comum me chamou a atenção: nenhum dos canibais utilizou um pedaço de fio dental ou um palito para limpeza da arcada dentária, higiene mínima antes da próxima investida. Nem mesmo aquela escovinha básica com as cerdas desgastadas e nojentas.
Mordeduras humanas são mais frequentes do que se imagina. Andei lendo sobre o assunto e descobri que ocupam a 3ª posição entre as dentadas de mamíferos mais comuns, atrás apenas das ocorrências envolvendo cães e gatos. Os bichos (inclusive o da Receita Federal que nos morde sem dó todo santo mês), entre latidos e miados, têm a seu favor o fato de não possuírem repertório de palavras e gestos para aparar as arestas numa discussão. Desconfio, aliás, de que Lobão (não o cantor e compositor de “Me chama”, mas um poodle que havia lá em casa) se fazia de surdo só para não ter que me trazer jornais, revistas ou água.
Em crianças, ao que apurei, os estragos causados pelas dentadas são mais corriqueiros nos braços e nas mãos, no tronco ou no rosto. Já em adultos e adolescentes, nos membros superiores, principalmente quando do revide a murros ou tapas contra a boca.
Em adultos, cerca de 15% das lesões por mordidas curiosamente acontecem durante as estripulias sexuais. Os experts não deixam claro quais seriam as partes mais afetadas nem se isso estaria ligado à fúria ou ao prazer dos envolvidos. Se bem que, tirante aquelas pessoas que nunca experimentaram da fruta ou não sabem do que estou falando, todos fazem ideia de como essas coisas acontecem.
Descobri que os molares do ser humano podem apertar mais de 100 kgf (quilograma-força). Superam inclusive o orangotango, mas ficam atrás do chimpanzé e do gorila, por exemplo. Não são as mordidas mais perigosas e temidas do reino animal, porém são capazes de causar lesões graves e amputações em dedos, nariz, lábios, orelhas e até órgãos genitais, onde a pele é mais fina e sensível, por supuesto.
Pior que a boca do agressor abriga uma vasta comunidade microbiana, com muitas bactérias que se fixam na mucosa, na língua, na gengiva e nos próprios dentes, entre as quais Staphylococcus, Streptococcus pneumoniae, Treponema pallidum, etc. A depender da “pegada”, quando algum desses micro-organismos cai na corrente sanguínea da vítima, é aí que o bicho pega. Literalmente.
Pois bem. Se a mordida do ser humano, que possui 32 dentes (mais que cão ou gato), produzir mais que um rasgo superficial, atingindo articulações e tendões, há risco de causar graves problemas, como hepatite, sífilis, tétano ou tuberculose. O bafo-de-onça aqui é o de menos!
Podem argumentar que estou sendo exagerado, paranóico, mas, insisto, do jeito que as coisas andam... A língua, por mais afiada que seja, corta bem menos que os dentes. E a forma como certos homens públicos (e seus seguidores) se olham ou se referem aos adversários me leva a crer que estamos prestes a assistir a milhares de mordidas furiosas, com direito a choro e ranger de dentes na fornalha eleitoral que vem aí.