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Cinzas de uma Quarta-feira

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Nestes catárticos dias de Carnaval pós-Covid-19, lembrei-me do líder político russo Vladmir Putin, que vira e mexe ameaça apertar o botão e deflagrar a terceira e definitiva guerra mundial, determinando o fim da aventura humana na Terra. Fotografia: Dedé Dwight Não sei a quem pretende assustar.    Dos mais velhos, como eu, corre o risco de ouvir algo como “já aperta tarde!”. Afinal, ficar por aqui assistindo à onda de catástrofes naturais (ciclones, dilúvios, epidemias, incêndios, deslizamentos de barreiras, terremotos etc.) e antinaturais, como irmãos famintos na fila do osso na porta de açougues em busca de sobras dos mais favorecidos, talvez o confronto generalizado nos poupe inclusive da tristeza do noticiário.   Dos mais novos, nem sei se ouvirá alguma coisa, dado que têm preocupações mais substantivas (para eles!) como o alucinógeno da hora, a coreografia da vez ou ouvir de novo “Zona do Perigo”, o pagodão de Leo Santana que me tortura os ouvidos há dias, mesmo de janelas fechada

Nunca se sabe

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Tive a sorte de poder bater papo por 15 ou 20 minutos com alguns personagens de nossa história contemporânea. Isso, claro, por conta de algumas funções que exerci durante mais de 40 anos numa grande empresa brasileira. A lista é boa e vai do universo artístico-cultural (Altamiro Carrilho, Armando Nogueira, Capiba, Carlinhos Brown, Daniela Mercury, Dona Canô, Gilberto Gil, Herbert Vianna, Ivete Sangalo, Jaguar, Jessier Quirino, João Barone, João Carlos Martins, Lulu Santos, Maria Gadu, Roberto Carlos, Samuel Rosa, Zeca Baleiro e Ziraldo), passa pelo campo esportivo (Bernardinho, Buglê, Cafu, Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Guga, Nalbert, Pelé, Roberto Dinamite, Tande, Zé Roberto Guimarães e Virna), até a classe política (ACM, Marco Maciel e Miguel Arraes).    Conversas que me renderam alguns textos publicados neste espaço. Escritores cascudos, reconheço, produziriam coisas mais interessantes, mas não tiveram o privilégio de assistir (de camarote!) aos fatos, ainda por cima recebendo s

O jogo das coisas que são

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Esta semana meus primeiros netos completaram 15 anos. Mesmo de longe, acompanho a odisseia deles desde a época em que o tempo se media – e se celebrava! – em gramas, até que a fé na vida suplantasse a dúvida e o medo.   Hoje, vê-los sorrindo é suficiente para reabastecer o meu tanque de esperança e seguir viagem. Sem pressa.   Vingou a vida, brotou o avô que hoje conta histórias. Como esta compartilhada neste espaço há mais de três anos.     A vida pede passagem   Em sua crônica “Antes que eles cresçam”, o escritor e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna foi muito feliz ao dizer que “(…) O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco (…)”   Com apenas 27 semanas de gravidez, Renata teve que se submeter a uma cesariana bem antes da hora para receber meus primeiros netos, Breno e Camila. O rompimento acidental da bolsa, aliado à perda de líquido, a colocava com os filhos em extremo risco de infecção se nada fosse feito.  

Uma estrada e a lua branca

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Triste de quem não conserva nenhum vestígio da infância, pontuou certo dia o poeta Mário Quintana.  Entre oito e nove anos de idade, todo sábado eu ouvia os discos (em especial os de Luiz Gonzaga) que meu pai punha na radiola enquanto encerava nossa casa. Ficava imaginando os cheiros, as cores e os sons do Sertão onde comecei a me despertar pro mundo.    Tudo era simples. Quando dei por mim, tinha decorado  Estrada de Canindé , no linguajar de meus avós maternos ( clique e escute ) :     “Ai, ai, que bom, Que bom, que bom que é Uma estrada e uma caboca Cum a gente andando a pé. Ai, ai, que bom, Que bom, que bom que é Uma estrada e a lua branca No sertão de Canindé. Artomove lá nem sabe se é home ou se é muié. Quem é rico anda em burrico, Quem é pobe anda a pé. Mas o pobe vê nas estrada O orvaio beijando as flô, Vê de perto o galo campina Que quando canta muda de cô. Vai moiando os pé no riacho… Que água fresca, nosso Sinhô! Vai oiando coisa a grané, Coisas que, pr

É, agora ela vem!

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Faz parte do imaginário coletivo de Pindorama acreditar que constitui uma nação de 200 milhões de almas abençoadas, acolhedoras e cheias de graça, vivendo num paraíso miscigenado e igualitário. Pensar diferente soa impatriótico para alguns, seja lá o que isso signifique. Nos dias atuais, então...    O culpado disso talvez seja o cidadão que compôs  País Tropical  na virada dos anos 1970, ufanista homenagem a carnaval, clima, futebol e até ao Cristo Redentor de braços abertos numa época nada redentora em que se enaltecia um povo ordeiro e inteligente, filho de uma pátria-mãe bonita por natureza, com um futuro maravilhoso.    Reprodução/Redes Sociais Hoje, sei não... Ainda que circulem nas redes sociais vídeos exaltando a inteligência e a criatividade do povo, com seu jeito macunaímico de ser, capaz de encontrar soluções simples para os problemas mais complexos. E o desfecho é sempre o mesmo: “Agora a NASA vem!”    A menção à agência espacial norte-americana, claro, reporta-se a uma inte

Filhos e pais

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Meia hora antes da virada do ano-novo, no trajeto do Aeroporto do Galeão à Zona Sul do Rio de Janeiro, um motorista de aplicativos transporta um velhote simpático, franzino, calvo, que conta uma história curiosa. Diz que, durante o voo, uma mulher escolhe uma forma inusitada de revelar ao marido que está grávida. O anúncio é feito pelo piloto do avião.   “Gostaria de parabenizar o passageiro da poltrona... pela informação sobre a gravidez de sua esposa, inclusive quanto à possibilidade de gêmeos”, disse o piloto.   A notícia rende aplausos dos demais passageiros e espanto do futuro pai, que recebe do comissário de bordo cópia do laudo do exame feito por ela. Os bebês, segundo o marido, surgem dois meses após a tristeza de um aborto espontâneo.    O velhote, sentado na poltrona ao lado do casal, puxa conversa invocando um provérbio popular: “Benditos aqueles que conseguem dar aos seus filhos asas e raízes”. Pretexto para propor a eles que ajudem seus rebentos a terem a cabeça nas nuvens

Deus nos livre

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Nos desencontros de opinião numa longa convivência, a pergunta que não cala, com sua inescapável conjunção alternativa: “você quer ser feliz ou ter razão?”    Tenho um amigo que diz não entender a sem-cerimônia com que uma pessoa, às vezes acompanhada, resolve passar alguns dias na casa de outra, compartilhando a hora de dormir, de acordar, de comer e até de certas intimidades como falar sozinho, coçar os ouvidos ou fazer palavras cruzadas.    Diz ele que não confia em quem usa o banheiro alheio, mesmo no aperto. Jura que nunca fez coisas mais substanciosas em locais públicos como aeroporto, estação rodoviária, posto de combustíveis e restaurante. E vive repetindo: “viajar é bom, mas voltar pra casa e sentar no próprio trono não tem preço!”   Imagem: Dedé Dwight   Para algumas pessoas, a vida é leve, descomplicada. Para outras, como o meu amigo, tudo é problema, em maior ou menor escala. Elas são capazes de ir ao trabalho mesmo corizando, com febre, nunca dão o braço a torcer. Sabem qu

Não deu, rapaz

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Preocupada comigo, Dona Eudócia, minha mãe, perguntou-me nesta segunda-feira, bem cedinho: “Quem é esse rapaz que faleceu?”    De futebol, ela mal reconhece Pelé. Mas tinha acabado de ver um  post  nas redes sociais em que minha mulher aparece ao lado de nosso ídolo, Roberto Dinamite. O “rapaz”, que se tornou sinônimo de gol e um dia até me fez sonhar ser jogador do Vasco da Gama, virou lenda. Aos 68 anos, tombou – guerreiros não morrem, guerreiros tombam – na manhã de ontem.    Não aconteceu o que sonhei, no começo do ano passado, quando aqui contei – veja mais adiante – do dia em que conheci quem me fez amar mais intensamente o futebol. Minha mãe agora sabe disso.   Não deu, rapaz. Tem muito tempo que não choro.    Golaço de ombro   Mal começa o ano e Roberto Dinamite, com o rosto pálido, olhos sem brilho, anuncia o início de tratamento para tentar derrotar tumores no intestino. E na onda de solidariedade que se forma, aparece Zico, no Instagram: “Bob, amigo... Você sempre foi um gue

Pode dar certo, entende?

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Quase tudo já foi dito sobre Pelé desde quinta-feira passada, quando nos deixou. Felizmente, sua obra está registrada em narrativas audiovisuais, escritas e orais. No dia seguinte, uma nordestina, negra, defensora das causas LGBT, foi escolhida para ser presidente do Banco do Brasil. A paraibana Tarciana Medeiros é a primeira mulher a ocupar o cargo em dois séculos de história da instituição.   O que uma coisa tem a ver com a outra? Aparentemente, nada! Mas  ao reler a crônica adiante, aqui publicada há mais de dois anos (em outubro de 2020), vi que o desfecho contém algo premonitório: um choque de diversidade e inclusão. Vai ver o Rei, sabiamente, já começou a marcar seus golzinhos no Céu, buscando reduzir desigualdades atávicas aqui na Terra.   Não ia dar certo, entende?   Na live “Pelé, 80 anos” apresentada outro dia pelo site UOL Esporte em homenagem ao aniversário do Rei do Futebol, o jornalista Cláudio Arreguy contou uma história deliciosa de como o mundo esportivo quase foi víti