A gente se distrai e, quando vê, já viveu mais de sessenta anos e continua descobrindo obviedades. Como a de que a liberdade plena só se alcança quando se pode comer e beber à vontade, sem sermão de cardiologista, endocrinologista, nem culpa católica.
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Reprodução/Redes Sociais: "Bodega do Sertão"- Maceió/AL |
Liberdade, essa velha senhora disputada a tapas por filósofos desde os tempos de Aristóteles, ganha outro sabor quando borbulha numa panela. Para o grego, ser livre era escolher segundo a própria vontade. Ora, que escolha é mais autêntica do que preferir um acarajé ou um caruru em vez de um insosso prato de folhas verdes regado a azeite e repressão?
Aristóteles ainda diria que a escolha deve ser orientada pelo conhecimento. Nada mais justo. Mas eu, que já acumulo bem mais certezas do que cabelos e dentes, asseguro: há coisas que só o paladar alcança. Como explicar a felicidade transcendental de uma feijoada no almoço de sábado, precedida de uma caipirosca de lima da Pérsia com rapadura triturada? Há coisas que nem Kant explicaria — muito menos especialistas de jaleco e balança.
A filosofia medieval, por sua vez, resolveu meter Deus na história e fez do livre-arbítrio um passaporte para a virtude. Comer virou um torturante teste de fé. E a gula, essa irmã siamesa da luxúria, passou a ser pecado capital. Ninguém mais podia se deliciar com um doce de leite talhado sem ouvir uma ladainha sobre os perigos dos prazeres da mesa. Como se fraturar um dente com um pedaço de quebra-queixo fosse uma forma de rebelião contra o Criador.
Dizem que Adão perdeu o paraíso por causa de uma maçã. Mas desconfio de que o verdadeiro estopim foi ouvir no Éden o primeiro “não posso, meu amor, tô de dieta”. Desde então, Eva nunca mais teve sossego — nem o marido teve algo realmente suculento pra comer.
Não me leve a mal. Reconheço que o prazer desordenado também pode nos escravizar. Mas que liberdade é essa que só se exerce com alface no prato e água sem gás no copo? Se mastigar cebola crua for o preço da salvação, prefiro desistir — desde que me sirvam abacatada, canjica e cuscuz no café da manhã do Purgatório.
Ao longo dos anos, já fui forçado a renunciar a um verdadeiro cardápio afetivo de sabores. Não falo de pratos exibidos como esculturas finas em louças minimalistas. Falo do que me leva de volta a lugares onde fui feliz e sabia disso: cocada, pamonha, sorda preta, suspiro de claras, umbuzada. Cada um deles representa um pedaço da minha meninice em estado pastoso na boca. Hoje, restam lembranças — e, com sorte, uma rabada com pirão servida longe dos olhos da vigilância sanitária do bom senso.
É curioso como ninguém nunca me pediu moderação no consumo de rúcula. Nunca vi campanha com os dizeres: “Chega de coentro e couve! Respeite seu corpo!” A militância anti-gula se contenta em demonizar a tapioca com manteiga, mas silencia diante do trauma de infância que é ser forçado a comer chuchu cozido sem sal, com sermão de sobremesa.
Os moralistas do prato fundo dirão que me rendo fácil aos prazeres da carne. Eu juro que convivi em paz com eles até bem pouco tempo. Mas, se a vida é uma travessia — como garantem os místicos —, que seja feita com um copo de caldo de cana com pastel de carne moída e azeitonas nas mãos. Não serei eu a atravessar o deserto da existência mastigando palitos de cenoura ou rodelas de pepino.
E cá entre nós: se existe pecado em saborear um costelão na brasa com farofa de ovos e vinagrete, então a virtude perdeu o rumo. Porque não há vício em amar o que é bom — lambendo os beiços, com os olhos entreabertos de prazer.
Aos que vivem em penitência alimentar, desejo sorte. Aos que me pedem parcimônia, pergunto-lhes se já provaram buchada de carneiro ou sarapatel com molho de pimenta. E aos que tentarem me convencer a trocar duas colheres de pudim de leite por uma barrinha de cereal, aviso logo: não contem comigo para esse tipo de permuta ilícita.
Porque a verdadeira liberdade talvez seja isso: poder escolher o próprio pecado — de preferência, com um chope, uma taça de vinho à mão.
Ou porque, no fundo, ninguém se liberta de verdade contando calorias. Liberdade de verdade é poder morder a vida com todos os dentes (com os que restaram, pelo menos), sem pedir desculpas pelo pleno desfrute do gozo.
Se o dia do Juízo Final vier em forma de balança, que me pesem com justiça, mas deixem meus bolsos em paz — podem esconder apenas umas pedras de rapadura, contrabando da liberdade.
E quando de fato chegar a hora da prestação de contas, que seja de alma leve e barriga cheia, ouvindo a sentença enquanto bebo meu cafezinho. Com pão de queijo do lado, pelo amor de Deus!
Certa vez escrevi: "Eu não perdi nenhum grama/Numa dieta que fiz/Abandonei o prgrama/Hoje sou gordo e feliz". Uma amiga bateu palmas e outra disse: Até quando? É assim a vida real, cada escolha tem seu preço. Adoto o seguinte modelo sem base científica: Um dia de desobediência total e o restante do mês de submissão parcial. Cada que siga seu rumo.
ResponderExcluirBom dia meu Caro Parahyba “Imitador de Passarinho” - VOANDO 🤝
ResponderExcluir.
Hoje você foi à forra, fez o candeeiro fifó com luz suficiente para alcançar a minha meninice no engenho do meu avô Quintino Cunha, na fazenda Marinheiro em Riachão das Neves. E, digo mais, a iluminação foi tão intensa que invadiu adolescência e, me alcançou no dia de hoje com a boca cheia d’água e o juízo ruminando todos os sabores, os escritos e os que a minha imaginação pode, em ligeiro “flashback” alcançar.
Me veio à lembrança uma prosa que tive com Governador Lomanto Júnior, figura absolutamente encantadora, em sua fazenda em Jequié, quando ele do nada, enquanto falávamos da boa comida, me saiu com essa: “Cunha a minha missão de agora em diante é convencer os meus amigos, de que haverão de transportar um defunto gordo para cemitério”.
A partir de então, passei a adotar, com tênue parcimônia, essa pérola filosófica de um amigo, bom de garfos e copos, que nunca cometeu o pecado da gula.
Fraterno amplexo!
Taí , nunca vi, ouvi ou li uma defesa da gula com tanto ardor e propriedade. Mas, na gula, o pior é que raramente o pecado fica oculto: enquanto muitos outros pecados ficam “embaixo do pano pra ninguém saber” a gula gosta de se exibir e para isso transforma corpos esbeltos em roliços deixando o pecado à mostra.
ResponderExcluirCom a crônica de hoje, comecei o dia degustando uma belo torresmo imaginário com tudo que tenho direito. A leitura foi
ResponderExcluirestimulando a produção de suco gástrico e o ronco na barriga foi inevitável. Assim, acabo de antecipar para hoje o dia da minha gula semanal, sem culpa e sem pecado.🤣
Aí a mulher vai falar: - Mas amor, no meio da semana? Daí eu respondo: - Fala com Hayton, a culpa é do "Contrabando da Liberdade"
Simbora viver, curtir e degustar dos prazeres da vida.🎯🤝
Não se exerce a liberdade
ResponderExcluirSó contando caloria
Gostar de comida farta
É viver com maestria
Para que tanta dieta
Se a nossa grande meta
É ser feliz todo o dia.
U'a manhã provocativa pra gordinhos como eu, caro escritor Hayton rsrs
ResponderExcluirIniciar o dia sem essa liberdade é uma tortura, viu! A cada passagem do olho nesta sua crônica, me vinha ao gosto a dentada num taco de rapadura cerenta; me descia aos cantos da boca a gordurinha da rabada de boi cuiúdo ou da "goma árabica"[o povo sabido chama de colágeno] de um mocotó da mão direita de vaca leiteira; senti meu restinho de dentes querendo soltar na liga do quebra-queixo de Amândio; ahh meus olhos, quase inundados d'água deles, viram uma trouxera de buchada de carneiro, servida com um pirão brilhoso e irrigado de gordura, acompanhados de um molho de pimenta malagueta verde, tirada do pé naquela horinha mesmo. Arre égua, seo Hayton!, eu quero minha liberdade da gula, quero me desvencilhar das amarras do cardiologista, da balança do endocrinologista, da fita métrica da nutricionista. Socorra-me! "Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós" os gulosis (risos e arrependimentos, o que fazer?)
Ave gastronomia!
Essa é daquelas que pedirei autorização pra reproduzir no 70+. Um texto que nos leva à essência do bem viver. Hayton pinta uma narrativa com a destreza de um Picasso, num campo de violetas, cheias de brilhos reflexivos que nos elevam. É impossível não haytanear a vida e se sentir melhor ao receber este buquê de flores picassianas, que precisam ser lidos e relidos, pra que desabrochem em mil tons de significados. Valeu porta. Que belo!
ResponderExcluirHoje as letras se juntaram provocando o paladar com água na boca. Nesta altura da vida não há necessidade de regime. Para quem desfila, a beleza está na alma, não nos corpos. Saborear também é uma forma de felicidade.
ResponderExcluirHá tempos uma tia me enviou um livro: CURA PELA MACROBIÓTICA. Abri. A primeira página dizia “tudo o que alegra ao paladar é prejudicial à saúde”. Fechei o livro e nunca mais abri… prefiro galinhada, vaca atolada, tutu com torresmo
ResponderExcluirQue bela crônica! Que profusão de sabores! O autor já garantiu o seu nome no “índex” das nutri….rsrsrs
ResponderExcluirExiste uma ironia infame, mas verdadeira, que diz que depois de duas semanas de dieta, você perde quatorze dias. Mas, sendo um pouco mais honesto - e, nesse caso, a honestidade pode ser "dosada" assim, porque não se trata de lesar alguém, a não ser a mim mesmo - eu resolvi fazer uma dieta exaltada pela Carolina Dieckmann, a tal "dieta dos pontos", onde se podia comer de tudo, desde que não se ultrapassasse uma determinada quantidade de pontos por dia. Cada alimento recebia um determinado "peso", em forma de pontos - na verdade, não passava de uma contagem de calorias menos rígida. Deu certo! Até que deu, sim! Mas tinha um "probleminha":
ResponderExcluirEu estava, em Salvador, na Bahia, com festas, comemorações, festejos e barracas de cocadas e acarajés por todos os cantos e praticamente todos os dias. Além de Trios Elétricos com direito a Ivete Sangalo em cima, no Campo Grande e na Barra.
O outro probleminha é que a tal dieta permitia a compensação. Se ultrapassasse os "pontos", num dia, era possível compensar, no dia seguinte. Foi assim que, em pouco tempo, perdi um pouco da "cintura", a ponto de ser objeto de destaque em um boletim interno, com direito a foto de comparação e tudo. Só que, ai, eu resolvi "come...morar" e valer-me da "regra da compensação". Mas acabou prevalecendo a desculpa do "depois, eu compenso...". E fui adiando, adiando... Não deu outra! Em menos tempo ainda, minha cintura perdida, foi recuperada em dobro.
Nunca mais me aventurei. Hoje em dia, em razão dos poucos prazeres que ainda me restam, prefiro ser um feliz "cobaia" das experiências culinárias de minha esposa, que adora testar receitas novas. Só que a gula, esta já está bastante moderada, e me contento com pouco, sem precisar contar pontos.
ResponderExcluirCaro Hayton.
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Sua crônica, inteligentemente saborosa, fez-me considerar que a liberdade tem mesmo aspectos inusitados, especialmente quando a colocamos à prova no prato. É fascinante como você costura a alta filosofia de Aristóteles e Kant com a simplicidade e a profundidade de um bom acarajé ou uma feijoada de sábado. A ideia de que a escolha mais autêntica reside na preferência culinária é fantástica , subvertendo a seriedade acadêmica para algo tão vital e intrínseco à nossa existência quanto o paladar.
De fato, a felicidade transcendente de certos sabores desafia qualquer lógica cartesiana, provando que há saberes que residem além da razão, acessíveis apenas aos sentidos.
Seu texto também me instigou a pensar sobre "fakes" e outros aspectos da liberdade que, talvez, não percebamos de imediato.
A liberdade que você defende, a de comer e desfrutar sem culpa, é uma contraposição direta à "tirania da alface e da água sem gás". Mas há um "fake" sutil nessa militância anti-gula que você expõe: a imposição de um padrão de "saudável" que muitas vezes ignora a saúde emocional e cultural ligada à comida.
Não se trata apenas de calorias, mas de afeto, memória e identidade. Essa imposição de um "bem-estar" puramente físico, desconsiderando o prazer e a cultura, é uma falsa liberdade que nos priva de uma parte essencial da experiência humana, silenciando o prazer autêntico em nome de uma suposta virtude.
A crônica me leva a refletir que essa "liberdade gustativa" que você tão bem descreve é, no fundo, uma metáfora para a liberdade de ser em sua plenitude, sem as amarras das convenções e dos julgamentos . Parabéns . Saborei demais !
Texto lido e apreciado enquanto tomava café da manhã com banana frita, alguns taquinhos de bolo de massa puba e aquele cafezinho. A culpa tá de folga!
ResponderExcluirEu faço todas as refeições lentamente, mastigando cada pedaço e sentindo os sabores. Quando teminei de ler o texto, percebi que não tinha sentido todos os sabores e resolvi ler com calma, até porque tem muitas mensagens guardadas nas entrelinhas. 😊
ResponderExcluirO paraíso deve ser um lugar onde a gente pode comer o que quiser, sem culpa e sem consequência. Dedé Dwight
ResponderExcluirIsto é o que se pode chamar de texto saboroso — em palavras e paladares — do começo ao final. Inspirado! Diniz-RJ.
ResponderExcluirEu sou tambem desse time Hayton: o da liberdade gastronômica! Escolho o que comer, mesmo que isso faça meus médicos revirarem os olhos.
ResponderExcluirA verdade é que, com o tempo, a gente vai ficando mais experiente… ou, para ser sincero, com menos cabelos, menos dentes e mais rugas. E, de repente, começamos a prestar atenção até nas letras das músicas!
Aí, meu amigo, a gente decide que, pelo menos no cardápio, quem manda somos nós. Afinal, certos sabores “proibidos” — ou, como os médicos dizem, “não recomendados” — são justamente aqueles que nos transportam direto para a casa da avó ou nos fazem reviver a infância, com direito a saudade e tudo.
O importante é não exagerar (ou pelo menos tentar, né?), porque, no fim das contas, o que vale mesmo é poder dizer, com um sorriso no rosto e a barriga feliz: fomos felizes… e bem alimentados!
Rapaz, sensacional !!! Confesso que me deu vontade de comer uma bisteca, só para homenagear essa crônica, se souber de um canto lá em João Pessoa que sirva uma que fique na memória, por favor, me indique.
ResponderExcluirCertíssimo, Hayton. Fingimos ser seres livres. De fato, as correntes estão por toda parte. Na mesa, então, são pesadas e machucam. Nossa cultura alimentar, esta sim, é enorme. Quantos manjares conhecemos. Quantos degustamos ao longo do caminho. Muitos nos trazem lembranças ternas. Como sua crônica nos inspira, sabores conseguem reprisar momentos da vida. Nada mais doce -- com trocadilho. Sigamos, ora com o pé na jaca, ora na água sem gás. Mas, permitamo-nos excessos reconhecidamente nostálgicos e, portanto, ao contrário do que julgam alguns, terapêuticos, curativos.
ResponderExcluirKkkkkkk mais um texto delicioso, meu amigo.
ResponderExcluirMuito legal! Me sinto muito assim, também! Mas confesso, muitas vezes sinto culpa em me deliciar quando lembro daqueles que não conseguem o básico! O prazer da comida é especial! Mas a fome dói!
ResponderExcluirGrande abraço, querido amigo!
Brilhante Hayton ... Almoço hoje será pecaminoso sem culpa.
ResponderExcluirMuito obrigado por me deixar com menos culpa de minha alimentação, principalmente nos finais de semana.
ResponderExcluirEsse fim de semana promete!
Kkkk
Hoje, acordei com água na boca diante desse banquete de delícias. Na minha opinião, o norte, nordeste e Minas Gerais são o paraíso da perdição gastronômica do Brasil, mas há controvérsias. Recentemente, uma dublê de cantora foi pras redes sociais desmerecer a comida do nordeste, tentando ganhar likes de alguns seguidores, mas foi cancelada, além de ter mordido a boca no seu trampo. As pessoas têm que respeitar as culturas locais. Todo esse império gastronômico levou uma vida pra ser erguido. São muitos experimentos até que uma receita seja finalizada. A gula não é pecado. É desejo. Comer bem é um dos prazeres da vida.
ResponderExcluirComo a maioria já demonstrou, viver sem liberdade, estando livre, é uma prisão camuflada e muito bem vigiada por tabelas, dietas e sermões "não só de sobremesa"... Diria, ainda, que alguns alimentos, outrora vilões, estão nas melhores dietas... Mas, o que nos fez viajar nas boas lembranças dos paladares adormecidos, foi a forma de sua crônica, caro amigo Hayton. Conseguiu que saboreássemos a boa liberdade do que nos faz felizes...
ResponderExcluirBela crônica, que alivia a nossa alma, nos levar a conviver melhor com nossas escolhas, saborear o que realmente permite estarmos bem. Quem demoniza uma rapadura, uma cachacinha, antes de um belo prato de rabada, desconhece o valor do prazer e do sertão.
ResponderExcluirConcordo com o leitor que disse ser essa uma deliciosa crônica. Deu água na boca os prazeres com gosto de infância: quebra-queixo, pamonha e canjica. Excelente!
ResponderExcluirSaborosa crônica, meu amigo. Até eu, que sou ruim de garfo, fiquei com uma fome das seiscentas, mesmo já tendo comido o pãozinho com ovo de todo dia e tomado a boa e velha xícara de café com leite, que aqui em BSB chamam de pingado. Mas, olha, que coisa mais besta do mundo é esse pecado aí — o da gula! Pecado que nenhum filho de Eva leva a sério neste vale de lágrimas. Aliás, é o menor dos meus pecados, e mesmo assim só o cometo quando em viagem, no café da manhã do hotel — pra fazer jus à diária. Começo com um prato de frutas; depois, um prato de aipim (ou mandioca ou macaxeira, como se quiser chamar); depois, se tiver, bato um prato cheio de batata doce; depois pego outro prato e encho de cuscuz e ovos mexidos; me sirvo duas vezes de suco de laranja sem gelo; depois faço novo prato, este com tapioca, uma fatia de bolo e dois pães de queijo, acompanhados por uma xícara de café com leite, repetida até o bucho dizer chega. Assim, pronto, adeus-almoço! A próxima refeição só oito da noite — e olhe lá. Eis então o menor dos meus pecados, o da gula, apenasmente no café da manhã em hotel. Mas o cronista (como os poetas) é um grande fingidor: finge ser, desse pecado aí, o maior pecador. No frigir dos ovos, é como se dissesse: que atire o primeiro ovo aquele que não tiver pecado (da carne, do ovo, da feijoada, do pirão, do sarapatel, do cozidão à brasileira).
ResponderExcluirAh, mas sempre haverá uma carta de alforria ao lado da guloseima mais querida e no momento mais apropriado: agora. Depois é só tomar um Cloridrato de Metformina pro diabete (por isso tem esse nome) não atacar.
ResponderExcluirHayton poderia ter escrito uma crônica nutela. Ou gourmet. Talento e conhecimento não lhe faltam. Nem experiências recolhidas nas inúmeras viagens e hospedagens da vida.
ResponderExcluirMas preferiu escrever uma crônica raiz, de lamber os beiços. Despertou saliva em quase todos os seus leitores. Desclassificou a gula como pecado. E ainda fez um hedge pro purgatório.
Sensacional!
Falou tudo! 🤣
ResponderExcluirConcordo integralmente!
Infelizmente, me resta um pouco de juízo e patrulhamento, o que me impede de seguir à risca.
Pedro Aníbal, Luiz Galvão e Bernadeth Cidade escreveram e Pepeu Gomes deu vida à "Você pode comer baseado,
ResponderExcluirbaseado em que você pode comer quase tudo, Você pode comer baseado,
baseado em que você pode comer quase tudo, contanto que deixe um pouquinho,
um pouquinho de fome,
porque o mal nunca entrou pela boca, pela boca do homem...Porque o mal é o que sai da boca do homem!"
Vamos comer e brindar sem culpa!
Deliciosa crônica!!!
Lembrei do último domingo: passei a tarde saboreando um delicioso peixe cascudo, conhecido por nome de cananã, primo do cari, feito com bastante caldo, e buchada de carneiro, regado com uma boa cachaça, aqui em Petrolina. Haja pecado da gula. A balança registrou 02 quilos a mais na segunda-feira. Sem sentimento de culpa.
ResponderExcluirNa ditadura que são as dietas alimentares, umas por questões de saúde, outras, por questões estéticas, ambas ditaduras, livrar-se delas exige paciência, determinação e uma boa dose de resignação.
ResponderExcluirPara alguns, talvez muitos, “Viva o Gordo e abaixo o Regime”, o slogan do Gordo só seria válido no se que se refere à questão alimentar. Quanto ao Regime alguns saudosistas até o queriam de volta.
Dietas e Ditaduras, nunca mais. Chega de escravidões. A minha carta de alforria eu mesmo assinei.
Moderação ainda tem sido o meu regime.
Chico Oitavo.
Tem toda razão! Apoio moral e gastronomicamente. Embora eu seja amante das saladas verdurosas (que fazem alegria dos "celibatários" da comida com "sustança"), sou adepto da comida variada e cheia de sabores que faz o desespero dos mesmo celibatários. Este final de semana, de passagem por Recife, passei no Bode do Nô, só pra consumir 03 porções de caldo de feijão (c/ torresmo, bacon, ovo de codorna e coentro) c/ caipirinha. E mais não quis. Comer essas delícias "proibidas" só não é mais prazeroso que sexo... mas, à medida que avançamos na idade...! kkkkkk
ResponderExcluirConcordo com quase tudo que você disse. Mas, acho que a boa dieta é aquela que você gosta de fazer.
ResponderExcluirEu vivo um dia de cada vez, só que nesse dia eu faço tudo que gosto.
Mais uma crônica das boas! Vou procurar essa caipirosca de lima da Pérsia com rapadura triturada! Valeu Hayton!
ResponderExcluirShow de crônica, Hayton.
ResponderExcluirLiberdade, livre arbítrio, é fazermos aquilo que queremos com ordem e decência.
O pecado da gula, na tradição cristã, refere-se ao desejo excessivo e descontrolado por comida e bebida, indo além da necessidade de nutrição do nosso corpo.
Mas, comer com moderação, não é pecado. Por isso, como de tudo um pouco.
Como estou no Sertão, hoje foi dia de prepararmos uma comidinha de milho verde, feita a moda antiga, ralado no ralo. Foram duas horas ralando milho, e a canjica já estar pronta. As mulheres estão preparando a pamonha e o bolo de caco.
Comer um docinho de leite de bola (para muito, AMBROSIA), feito por minha mãe, é bom demais. E ainda tem, castanha assada no tacho.
Lendo esta crônica, me sinto diante de um cardápio que oferece muitas opções e percebo como as possibilidades de fazer escolhas são tão diferentes.
ResponderExcluirAquilo que faz algumas pessoas lamberem os beiços pode fazer outras torcerem o nariz. É o tal do gosto é gosto e cada pessoa tem o seu.
Feliz quem pode e tem a coragem de usar a liberdade para fazer escolhas que ajudam a tornar a vida uma passagem mais saborosa, sem culpas e sem patrulhamentos.
Luiz Andreola
Hayton mandou bem demais nessa! A crônica é um manifesto contra a ditadura das dietas e a culpa de comer bem. Pega a ideia filosófica de liberdade e joga no prato, liberdade de verdade é poder saborear um acarajé, uma feijoada ou um costelão na brasa sem sermão de médico, nutricionista ou moralista. Deu água na boca e fez cair a ficha (e o queixo) sobre o que realmente importa no tal "livre-arbítrio" gastronômico. Valeu a leitura!
ResponderExcluirHayton é o Machado de Assis do BB: pena fácil, humor inteligente e clareza das palavras. Dá gosto lê-lo. É como um prato grande de canjica quentinha: a gente começa e sente prazer até o fim.
ResponderExcluirNão obstante podemos driblar o pecado. Por exemplo, comer chocolate amargo no almoço e jantar, satisfaz nossa gula e com o tempo, passa o amargor!
ResponderExcluirAcrescente-se a todas essas delícias saborosamente mencionadas pelo Hayton, um “ensopado de camarão” fumegante e respectivos acompanhamentos (farófia, vatapá, caruru….) do Restaurante “Donana” na Vila da Praia do Forte, município de Mata de São João, Bahia.
ResponderExcluirNem é preciso se incriminar tanto com esse "repertório"! Basta limitar as quantidades e manter os diversos níveis em margem aceitável!....rsrsrs
ResponderExcluirMeu pai já sabe o que penso: ninguém tem o direito de levar pro túmulo um corpo perfeitamente saudável! Seria pecar pelo desperdício!
ResponderExcluirHoje a crônica é altamente sensorial. Nordestina que sou, como Hayton, senti o cheiro, o sabor e a saudade dos pratos feitos por minha mãe.
ResponderExcluirA comida do dia-a-dia como cuscuz fofinho e com cheiro verdadeiro do milho seco e ralado para a deliciosa farinha; a tapioca com a goma comprada na feira do próprio plantador da mandioca; o leite de coco, extraído do coco ralado no “ralo” e espremido em tecido de morim com água morna; a buchada - ah, sim, somente de carneiro, segundo minha mãe, pois a de bode tem cheiro forte; a galinha de capoeira guisada com pirão, iguaria-remédio para as mulheres de resguardo dos quarenta dias; a carne de porco com feijão de corda e farofa d’água; os doces : de banana em rodelas bem coradas com cravo, de leite “de bola” - como já disse um colega aqui - e o cremoso, o doce de jaca dura, de mamão com coco, de caju; o “ribacão”, como chamávamos lá em casa o baião de dois.
Como resistir a esses prazeres, saberes de mulheres de um tempo em que as receitas eram transmitidas pela oralidade ou, quando muito, pelos cadernos de receitas da família.
Obrigada, Hayton, por nos trazer alegria com suas memórias e paladar, brindando-nos com uma linguagem rica e nada comum: “liberdade borbulhando numa panela; prato de folhas regado a azeite e repressão; vigilância sanitária do bom senso”.
Se é uma travessia, só um pastel e b um copo de caldo de cana não adianta. Melhor estar de barriga cheia. No mínimo iremos mais longe. Já pensou morrer com fome ou arrependido de não ter comido?
ResponderExcluirEnchi a boca de água...
ResponderExcluirMuito bom. Por mais que as vezes eu tente ceder às determinações alimentares da "boa saúde" cair em tentação sempre foi muito mais atrativo. E uma boa feijoada é inigualável, sem falar de outras tantas tentações ou pulsões, como diria Freud.
ResponderExcluirNossa, fiquei com fome só de ler essa crônica
ResponderExcluirAmigo Hayton! Da mesma forma que vários comentaristas acima, a fome se anunciou. Bastou botar os olhos na foto qua abre o texto. E ela continuou atuando ao saborear cada parágrafo!
ResponderExcluirSomente uma iguaria citada por vc eu não aprecio: buchada de carneiro. O resto meu amigo aprecio sem moderação. Como bom filho de baianos e tendo viajado por todo o País já provei maravilhas! No mundo não há nada igual, tenho certeza.
Não há comparação: o nosso Brasil tem a melhor comida do mundo!
Grato pela crônica-cardápio caprichada!
Beto Barretto
Conheci seu blog a partir da sua crônica do pastel de carne, semifinalista do concurso Casa Brasileira de livros. Amei a crônica. Feliz por conhecer seu blog.
ResponderExcluirRayssa Sales
Caro Hayton.
ResponderExcluirVoce conseguiu construir uma reflexão profunda sobre a liberdade e a passagem do tempo de uma maneira que muito interessante. A forma como entrelaçou a divagação pessoal sobre um possível aprisionamento com a jornada da tartaruga, o Jorge, é ótima.
Essa justaposição, entre a imaginação de um drama humano e o percurso real do quelônio, conferiu uma força singular ao seu texto. É como um convite para ponderar sobre o que significa ter a vida suspensa por circunstâncias que nos são alheias.
A história do Jorge, a tartaruga, é inacreditável. Fico a imaginar o animal, após tantos anos de confinamento, reaprendendo a viver em seu habitat natural, a caçar, a ser também caçado, a sentir o mar, a reaprender a viver é uma verdadeira lição de resiliência e adaptação para todos nós. Seu retorno ao mar é uma volta às origens, o que também o ser humano muitas vezes também faz em busca de paz, felicidade.
O silencio do transmissor nos leva a perceber que, talvez, a verdadeira liberdade resida, por vezes, na capacidade de se integrar ao fluxo da vida, sem a necessidade de um registro constante de nossa existência. É, sem dúvida, um texto que nos convida à profunda reflexão. Parabéns uma vez mais.