Descobri que o nome “Jason” tem origem grega (vem de Iáson ou Eáson). Significa “aquele que cura”, “Deus é o auxílio”. Refere-se também a uma pessoa dinâmica, embora desorganizada, que gosta de ocupar-se com estudos e leituras, mas não tem muito tato quando expressa suas convicções.
O que conheci na segunda metade dos anos 1970 era bastante espirituoso e irreverente. Baixinho, robusto, calvo, com olhos graúdos sobre um bigode espesso. Tornou-se profissional respeitado – o escriba dos chefes! – na principal agência do Banco do Brasil em Alagoas por conta do tanto que sabia de português e inglês.
Em cada pavimento que chegava mexia com um, com outro, fazendo uma zoada medonha. Nem bem me conhecia quando indagou, com a cara mais séria do mundo: “Por que fizeram isso com você, meu filho? Um nome tão britânico merecia um sobrenome decente. Mas Jurema, hein!?”. E riu de juntar gente.
Crítico impiedoso e mordaz de qualquer deslize gramatical que tomasse conhecimento, não raro telefonava à redação dos jornais da cidade para apontar vacilos. Fazia o mesmo quanto a instruções circulares e correspondências que a agência recebia da Sede. Acabou recebendo dos colegas de trabalho a alcunha de “Vetusto Mestre”.
Não gostava. Mexia com todos mas não queria que mexessem com ele. Tentou inclusive convencer os “burros” de que o termo “vetusto” não se aplicava a pessoas. Só à museologia, pontuava. Não adiantou: teve que engolir calado até aparecer outro apelido bem mais cruel: Pulga Prenha. A barriga roliça, a careca escura e reluzente e os olhos boleados foram decisivos para a aderência da alcunha.
Tinha lá suas esquisitices. Algo meio aristotélico. Diz-se que não existe uma grande inteligência sem uma veia de loucura. Ou newtoniano: pode-se calcular o movimento dos corpos celestiais, mas não a loucura das pessoas.
Jason “Pulga Prenha” amava lecionar, nem tanto pelos trocados que amealhava, mas pelo gosto de compartilhar saberes. Organizava inclusive turmas de colegas para ensinar gratuitamente gramática e redação. E deixava claro na primeira aula que os exemplos conteriam expressões chulas, sobretudo as de múltiplo uso que podem servir de adjetivo, substantivo, verbo, interjeição etc. "Ninguém esquece", dizia.
Uma noite, chegou do trabalho cansado e comentou com a esposa que iria tomar banho, comer alguma coisa e cair na cama. Fazia muito calor e, como de costume, espalhou pela casa roupa, gravata, sapatos e meias. Pegava o rumo do banheiro quando faltou energia. Vestiu então uma sunga e avisou que iria caminhar até a praia, enquanto a energia não voltava.
Saiu pelas ruas do bairro do Poço em direção à praia num breu danado. Nem automóveis circulavam. Suando muito e confiado na demora do blecaute, tirou a sunga e seguiu como veio ao mundo – talvez tenha vindo um pouco mais apresentável! – até que, de repente, a energia voltou.
A correria foi grande até chegar em casa e passar o cadeado no ferrolho do portão. Se parasse para cobrir as partes pudendas, poderia ser apedrejado pela molecada do bairro, que gritava no seu encalço.
Avesso a qualquer forma de bate-boca, quando por algum motivo se desentendia com a mulher, evitava discutir na frente dos filhos. Nessas ocasiões, porém, na hora de dormir, procurava a garagem com um travesseiro debaixo do braço, colocava-o entre os eixos do carro, empurrava-o com um cabo de vassoura e ali mesmo pegava no sono até o sol raiar.
Ilustração: Umor |
Ato contínuo, combinou com um velho conhecido da família, aposentado, que passou a trabalhar com o táxi, mediante comissão. Assim, toda noite ele levava o apurado líquido do dia, além do veículo para guarda na casa da proprietária. Às sete da manhã seguinte, retomava a rotina.
Uma noite o motorista não apareceu. A dona relevou, segura de que poderia ter acontecido algo imprevisto. Um dia depois, a mesma coisa. No terceiro dia, de novo. A paciência já estava no limite e o motorista não tinha telefone nem havia orelhão nas proximidades de casa. O quarto dia foi a gota d’água:
– Marido, vamos agora na delegacia! Ele roubou meu carro!
– Calma, mulher! O cara é gente boa...
– Se você não for comigo, eu vou sozinha!
– Veja... Você lembra que na semana passada eu lhe pedi para assinar um documento, dizendo que era a renovação do seguro?
– Lembro. E daí?
– Aquilo era o documento de transferência do veículo. Passei pro nome dele. O homem tá velho, cansado, criando netos, com os filhos desempregados dentro de casa...
– Você ficou louco!?
– Só agora você descobriu?
Tinha lá seus motivos, óbvio. Mas teve também que passar nova temporada pernoitando na garagem, desviando-se de gotas de óleo queimado, a vazarem de juntas do motor mais relaxadas do que ele.