Quinze anos atrás conheci Catita, copeiro vinculado a uma firma terceirizada, para mim um sábio na arte de arejar ambientes corporativos.
Aos 35 anos, 1,65 m de altura, queimado feito um boi de barro ou O lavrador de café de Portinari, seu charme, segundo ele mesmo, estava nas sobrancelhas de taturanas e na gravata borboleta a lhe adornar os três dedos de pescoço.
Quando cheguei, já estava no local em que trabalhamos juntos por dois anos. Soube que um antecessor meu, que se queixava do excesso de pretendentes a determinado cargo, teria recebido de Catita uma ajuda importante para pré-selecionar os candidatos.
No dia da entrevista, Catita entrou sorridente na sala de espera, com bandeja, bule, xícaras e copos, a perguntar em voz alta, repetindo o que havia decorado de véspera:
— Would you like some coffee? Do you like sugar?
Logo depois voltaria à área interna a espalhar que metade dos interessados desistiu porque seria complicado trabalhar num lugar onde até o cafezinho era servido em inglês. “A outra metade preferiu um copo d’água gelada”, dizia ele, lacrimejando de tanto rir.
Flamenguista abusado (pleonasmo?), Catita mexia com meio mundo de gente quando chegava eufórico com mais uma vitória de seu time. Perdia a noção do perigo a rebolar pelos corredores imitando Tetê Espíndola, querendo alcançar o timbre e a extensão vocal da cantora: Você pra mim foi o sol de uma noite sem fim...
De Brazlândia (cidade-satélite onde morava) ao Plano Piloto, eram quase duas horas de ônibus para chegar ao trabalho, mas nunca aparecia triste, calado. Numa quinta-feira em que chegou espirrando, a reclamar de dor de cabeça e coriza, fiz o que qualquer um faria: aconselhei-o a voltar para casa. E quando liguei no domingo para saber se estava melhor, antes de responder comentou com alguém que devia estar a seu lado:
— Cê pensa que só tenho amigo “urêa” seca, é? Fale aqui com meu chefe!
Foi como Catita, por telefone, me apresentou a seu sogro, com quem bebia uma cerveja no quintal de casa, a curtir o domingo em família.
Por falar no sogro, Catita morria de medo da esposa, por quem sempre teve o maior carinho e respeito. Mesmo assim, um dia, dando a entender que fora casado outras vezes, falou sério:
— Tô doido pra arranjar mais uma P.A.
— Que diabo é isso, Catita? — indagou uma inocente recepcionista.
— Pensão alimentícia! — disse com a cara mais cínica do mundo, a imitar Amelinha com a voz em falsete: Mulher nova, bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor.
Catita não tinha pressa. Levava mais de hora para servir uma rodada de café num salão interno com menos de 40 pessoas, parando aqui e ali para contar a última novidade, mexer com alguém mais carrancudo, comentar um lance do futebol ou arremedar alguma figura pública.
Já perto de minha transferência para outro local de trabalho, aconteceu outro lance memorável. Eu saía para almoçar num rodízio de carnes que havia em Brasília quando nos encontramos no hall dos elevadores:
— Chefe, também tô indo almoçar no Porcão.
— Quer carona? — perguntei, sem entender como ele sabia do meu itinerário.
— Precisa não! O Porcão é aqui perto.
— Que Porcão tem aqui perto, Catita?
— É um branquelo, chefe, buchudo — disse sorrindo — E faz um PF, ó, de primeira. Bem aqui na Rodoviária.
Andei noutros lugares, depois me aposentei, mudei de cidade e há mais de 15 anos não via Catita. Outro dia descobri o seu paradeiro e fiquei feliz por vê-lo em paz. Mora agora na cidade-satélite de Santa Maria (a 26 km do Plano Piloto) e trabalha como recepcionista de um centro médico na Asa Norte.
— Chefe, meu moleque tá a cara do Gabigol, mas não joga nada! Desse jeito não vai jogar nem no Vasco! — respondeu, dobrando-se de gargalhar.
Sinto, não nego, uma falta danada dessas catitices depois que me aposentei.