quarta-feira, 26 de junho de 2024

Os sem-noção

Três semanas atrás, publiquei aqui neste espaço uma crônica sobre a chatice que gerou uma boa discussão entre os leitores, os quais, assim como eu, se identificaram como chatos ocasionalmente, o que é natural. Mas, dentro desse universo, existe um grupo que merece destaque especial: os sem-noção.

 

Não falo apenas daqueles que, em um churrasco entre amigos, soltam perguntas sem graça do tipo: “o que o azeite disse para o vinagre?”. E ele mesmo, em seguida, responde: “Digo nada... Só óleo”. Ou daqueles que adoram expressões de duplo sentido, como "o negócio continua de pé, só esperando uma posição sua". Aqui o problema é outro, bem mais grave.

 

 

Ilustração: Umor


Os sem-noção, que variam de folgados a malas sem alça, são aqueles que, sem qualquer consciência de espaço ou decoro, acreditam ser o centro do universo. Eles criticam, impõem suas opiniões, falam demais, e o pior, pensam que todos ao redor o adoram – quando, na realidade, são insuportáveis. São criaturas dignas de pena, com uma autocrítica praticamente nula.

 

Você certamente conhece alguém assim. Alguém que demonstra uma intimidade que não existe, fala pelas suas costas e se acha infalível em todas as áreas do conhecimento humano. Quando alguém, estarrecido com tal comportamento, exclama “Meu Deus!”, é prontamente corrigido: “Não, sou eu... Fulano de tal...”

 

Um amigo me contou sobre um livro espírita que retrata a Terra como um vale de provações. Os seres mais evoluídos habitariam esferas superiores, livres de trivialidades terrenas como boletos, doenças e insetos incômodos. Na minha visão, os sem-noção são comparáveis aos insetos dessa narrativa – testes para nossa paciência, que se esgota cada vez mais com o passar dos anos. 

 

Eles são como mosquitinhos irritantes, existindo apenas para perturbar – os cachorros que o digam! – sem contribuir positivamente para o mundo. Seria ideal que predadores naturais como aranhas, camaleões, sapos, tamanduás e muitas espécies de passarinhos e peixes, além de se alimentar de outros insetos menos incômodos, pudessem erradicar essa praga. Nossos amigos caninos ficariam eternamente agradecidos.

  

Mas vamos falar sobre os sem-noção que encontramos todos os dias, como aqueles que nos tiram do sério no trânsito. Digo dos apressadinhos que colam na traseira do nosso carro (mesmo quando a rua está congestionada, cheia de crateras ou o semáforo à frente está vermelho) e os que ultrapassam pelo acostamento. Sem perder de vista os desgraçados que estacionam nas vagas reservadas a cadeirantes, grávidas ou idosos. 

 

No supermercado, são os que deixam o carrinho bloqueando o corredor como se não houvesse mais ninguém ali. Quem abre o freezer, mexe e remexe tudo, não pega nada e ainda deixa a porta aberta. Ou abandonam carne, peixe ou frango descongelando fora do lugar apropriado. Sem falar dos que furam potes de iogurte ou furtam uvas. E o que dizer de quem disputa tangerinas e tomates como se estivesse na primeira infância? Ou aquele que larga o carrinho na fila, esperando que o próximo o tire da frente? Ou ainda de quem não empacota as próprias compras, esperando que o caixa termine de registrar para começar a embalar? A fauna é grande e não para de aumentar.

 

Minha filha, recentemente, observou que o jeito como as pessoas lidam com carrinhos de supermercado ao terminarem suas compras diz muito sobre a civilidade de um lugar. E realmente, nada fala mais sobre o conjunto de princípios e os valores de uma comunidade do que esses pequenos gestos com grandes significados.

 

As redes sociais também estão infestadas desses sabe-tudo que se arvoram juízes de todas as causas e distribuem sentenças a granel, ignorando o Marco Civil da Internet – criado para estabelecer o direito ao exercício da cidadania nos meios digitais, além da diversidade e da liberdade de expressão na rede. Marco, aliás, que apesar de seus 10 anos, pouco alterou a dinâmica da coisa no Brasil. A pancadaria segue comendo solta, muitas vezes em um linguajar de enrubescer a turma do “Porta dos Fundos”. 

 

Esses extremistas, sejam de que vertente político-religiosa ou seita ideológica for, não pensam por si: apenas ecoam o que leem ou escutam, propagando desinformação e discórdia. São como os mosquitinhos que só existem para irritar nossos amigos caninos.

Os sem-noção, enfim, são um recorte fascinante e frustrante sobre a falha humana em perceber o impacto de suas ações nos outros. Eles dominam tanto as vias públicas quanto as digitais, espalhando sua falta de consciência despreocupados com as consequências. E não apenas irritam, mas refletem uma falha mais ampla em nossa sociedade: a cultura de impunidade que estimula tais comportamentos. 

Com as eleições de 2024 se aproximando, é crucial refletir sobre como cada um de nós pode contribuir para uma sociedade mais consciente e responsável, desafiando a lógica de que "falar sem pensar" é aceitável. Afinal, pequenos gestos podem revelar grandes verdades sobre o caráter de uma nação.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

O dever de tentar

Aos 85 anos, uma querida amiga minha decidiu renovar a CNH para adquirir um novo carro. Ela pretende retomar as rédeas de sua vida: ir à praia, à igreja, ao supermercado, à farmácia, ao salão de beleza e aos bailinhos da penúltima idade, sem depender de ninguém.


Viúva, ela já não divide sua intimidade nem com as filhas descasadas. Mora sozinha, cuida da própria alimentação, assiste TV, reza e navega nas redes sociais. Temendo quedas, largou as caminhadas ao entardecer, aderindo à prática do pilates.  

 


Ela acredita que poderá contribuir bem mais para a economia de consumo, pois entrará no círculo virtuoso em que um bem durável não só gera lucro a quem o produz, mas também redistribui renda, desde grandes industriais até os guardadores de rua.


Alega também que apoiará vários segmentos produtivos, desde a indústria automobilística até petroquímicas, refinarias, destilarias de álcool, postos de combustíveis, fábricas de centrais multimídias, painéis digitais, couros, plásticos, pneus, rastreadores, tintas, lojas de autopeças e oficinas mecânicas.

 

Sua contribuição ainda alcançará fornecedores de bens e serviços a supermercados, passando pelos fabricantes de artigos cosméticos usados por sua cabeleireira, até o pessoal envolvido nos bailinhos das matinês de domingo (maître, barman, cozinheiro, garçons, músicos e dançarinos, entre outros).

 

Não esquece nem dos agentes de trânsito. No mínimo, aumentarão a arrecadação pública com multas por estacionamento de maneira inadequada, direção sem documentos de porte obrigatório e avanço de semáforos vermelhos. Se forem desonestos, optarão pelo “confisco privado”, certamente menos voraz, cujo resultado, de qualquer modo, retornará aos supermercados.

 

Por pouco a criatura não me convence! De tanto ver telejornal, parece jornalista cavando uma boquinha num ministério da área econômica. Me fez recordar do tempo em que, com quatro omeletes de carne moída e as sobras recicladas de arroz, feijão e farofa, superava o desafio de alimentar sua numerosa família na véspera do pagamento do salário do provedor geral, quando a geladeira exibia sintomas de falência de múltiplas gavetas.

 

Mas ela sabe que tudo depende da renovação da CNH. E que não há restrição legal ou regulamentar por idade, apenas por condições físicas e psicológicas, para garantir a segurança de quem está dirigindo ou, sobretudo, de terceiros desavisados que cruzarem seu caminho.

 

O entusiasmo é tão grande que eu não quero quebrar o encanto da exposição macroeconômica de motivos. Embora, confesso, me ocorra procurar o Detran munido de um relatório médico recomendando a suspensão do seu direito de dirigir. Pressentimento é coisa séria.

 

Seria traumático, entretanto. Então, resolvi conversar:

– Vale a pena a senhora enfrentar de novo o inferno do trânsito?

– Claro! Só saio de casa nos horários menos movimentados...

– Já pensou se levar outra fechada de ônibus daquela que teve que subir a calçada? E se atropela alguém? O que vai ser dos filhos desse infeliz?

– Vire esta boca pra lá! Você já viu um raio cair duas vezes no mesmo canto?

– E se derruba um motoqueiro no asfalto, sem capacete, de bermudas e descalço? É encrenca pro resto da vida, tá sabendo?!

– Meu filho, relaxe! Quem tem medo de fazer cocô, não come nem bolacha Maria!

 

Torço para que o perito do Detran perceba certa desatenção (ou que os reflexos já não são os mesmos) durante o exame de renovação da CNH, porém os próprios filhos concordam que o desfecho mexerá com sentimentos como felicidade, frustração ou tristeza. Para ela, dirigir sempre foi sinônimo de independência, e perder isso não é fácil, especialmente para alguém ainda ativa e lúcida, inclusive dançando arrasta-pé, baião, forró e xaxado nesta época do ano. 

 

Não me perguntem como, mas ela conseguiu a renovação da CNH. Nada mais me surpreende quanto à capacidade de persuasão dessa matriarca determinada, firme como uma baraúna. 


Mesmo assim, os filhos se reuniram para discutir como fazê-la desistir da compra. Então um deles se encarregou de comunicar a opinião unânime da família, inclusive de alguns bisnetos adolescentes:

– Quando a senhora precisar sair, combine com um dos 8 filhos ou 20 e tantos netos. Não é possível que não tenha ninguém disponível.

– E se for emergência?

– Chame um “Uber”. É menos arriscado.

– Você tá me achando com cara de rapariga pra ficar na calçada esperando um carro com o celular na mão?

 

E deu aquela rabissaca, gesto de desprezo bem nordestino, com direito a virada brusca do corpo, lábios cerrados e sacudidas da cabeça. 

 

Tentar ela tentou, mas acabou desistindo da compra porque, em geral, o mercado considera o limite de 70 anos para financiamento de veículos. Ficou triste, é verdade, mas só até ouvir um sanfoneiro cantar assim (referia-se ao carro, certamente!): "Eu não preciso de você/O mundo é grande e o destino me espera/Não é você quem vai me dar na primavera/As flores lindas que sonhei no meu verão...". 


Ainda bem. Pena que a economia brasileira jamais saberá o quanto deixou de faturar sem minha querida amiga circulando ao volante pelas ruas. 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Golaços sociais


Dias antes das chuvas que provocaram inundações em quase todos os municípios gaúchos, no maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul, o Juventude enfrentou o Corinthians pela segunda rodada do Brasileirão 2024. No Estádio Alfredo Jaconi, em Caxias do Sul, algo curioso chamou atenção antes do início da partida: a maioria dos jogadores usava óculos escuros.


 

Reprodução/Redes Sociais


A cena noturna poderia ser vista como um desfile de vaidades, mas, na verdade, era uma jogada de marketing da Chilli Beans. A marca aproveitou o evento com grande audiência para promover sua nova linha de produtos. Após a vitória do Juventude por 2 a 0, um vídeo viralizou nas redes sociais: o principal jogador do time apareceu como um astro de cinema, de óculos escuros (para se proteger dos flashs), simulando uma coletiva de imprensa.

 

Esse foi mais um episódio do chamado Marketing de Guerrilha. Criado nos anos 70 por Jay Conrad Levinson e inspirado nas táticas de guerra do Vietnã, essa estratégia busca surpreender o público com ações criativas e de baixo custo.

 

Além disso, campanhas criativas podem servir a causas mais nobres. A Unicef, por exemplo, distribuiu garrafas de água turva nas ruas de Nova York (ninguém se animou a tomar alguns goles) para chamar a atenção para a falta de água potável em muitos países. O mundo, alterado pelo clima, também está mudando as crianças, afetando sua saude física e mental. A ação gerou empatia e incentivou doações generosas. 



Montagem: Reprodução/Redes Sociais

 

No Brasil, há pouco mais de uma década, a camisa do Vitória da Bahia mudou de cor numa campanha de doação de sangue. As listras vermelhas se tornaram brancas e só voltariam ao original conforme os torcedores atingissem metas de doação. Essa campanha não só salvou vidas, mas também uniu a comunidade baiana em torno de uma causa nobre, reforçando o orgulho e a identidade local com cada gota de sangue doada. 



Reprodução/Redes Sociais

 

Os problemas sociais no Brasil são muitos. Desigualdade de oportunidades, desnutrição e desmatamento são apenas alguns dos mais graves. 


Marketing não serve apenas para conseguir novos clientes. Ele ajuda a fidelizar quem já conhece uma marca, fazendo com que voltem a consumir seus produtos. Quando bem-feito, expande a visibilidade junto ao grupo de pessoas mais suscetíveis a "comprar" inclusive uma boa causa associada.

 

Frente a tantas possibilidades, é fácil imaginar algumas campanhas que poderiam ser trabalhadas. Por exemplo, o verde da camisa do Palmeiras ou do Goiás poderia ser restaurado, a partir de um uniforme totalmente branco, à medida que novas árvores fossem plantadas. 


Grandes marcas do setor agropecuário poderiam bancar campanhas para reverter a devastação ambiental. E talvez se possa estabelecer uma cota permanente de doação de alimentos por hectare desmatado legalmente (não há que se falar em compensação pelo desmatamento ilegal: aí só punição mesmo!).


Outra ideia seria tornar as camisas de Botafogo e Santos totalmente cinzas, simbolizando a baixa alfabetização no Brasil. Um cinza grafite, claro, que nos lembre a ponta do lápis que faz falta nas mãos de mais de 10 milhões de brasileiros. À medida que a taxa de alfabetização melhorasse, as cores originais retornariam.

 

Em caráter emergencial (com a intermediação da CBF e da Conmebol junto à Fifa), penso que se poderia discutir uma ação global envolvendo os principais clubes de futebol das maiores ligas do mundo para a reconstrução do Rio Grande do Sul. Seria um divisor de águas na história do esporte mais popular do universo, pelo menos em termos de Europa e América do Sul.



Pode parecer egoísmo pensar apenas no desastre climático brasileiro quando existem crises humanitárias terríveis assolando nações como Afeganistão, Congo, Iraque, Síria, Somália, Sudão etc. Não é. Apenas se tornaria mais fácil escorar a campanha no peso da tradição do Brasil no contexto do futebol mundial. 


 

Esses exemplos ilustram a criatividade no marketing, mas também o potencial de transformar o esporte em um vetor de mudança. Imaginem camisas que, além de cores e patrocínios de bancos e casas de apostas, reflitam compromisso com educação, meio ambiente e igualdade social. Com sua popularidade e alcance, o futebol pode tornar a sociedade menos injusta.  

 

E você, como gostaria que seu clube de coração usasse sua influência? Como torcedores e membros da comunidade, é preciso incentivar iniciativas que transformem cada jogo numa oportunidade de marcar golaços na vida real, onde cada tento signifique um passo a mais em direção a vitórias que transcendem as quatro linhas do campo.


Não se deve mais ver um estádio de futebol apenas como um local de diversão. Trata-se de uma caixa de ressonância de sonhos e pesadelos coletivos. O esporte mais popular, de mãos dadas com o marketing, precisa ser um instrumento de justiça social, com impactos duradouros e significativos, fazendo do mundo um lugar melhor.



quarta-feira, 5 de junho de 2024

Que chato, não?!

Ninguém nasce chato. Ser chato é um estado da alma, uma dimensão do espírito que se apura em fogo brando. Existem aqueles que, desde os primeiros minutos fora do útero, abusam do direito de berrar, seguros de que se darão bem no novo mundo na base do grito.

Modéstia à parte, perdi a conta de quantas vezes fui tachado de chato pela minha mulher.  Apesar de mais de cinco décadas de mútua tolerância, ela, vez por outra, não hesita em soltar um contundente “ô cabra chato!”. Mas sabe que seria bem pior conviver com uma pessoa insossa, morna e previsível.


Ilustração: Umor

Não vou negar, às vezes reclamo de forma mais destemperada de certas coisas. Mas, no calçar das meias alheias, percebo que ninguém está livre desse rótulo. Somos, na verdade, uma multidão de chatos vagando pelo mundo, alguns em avançado estado de decomposição mental.

 

Para mim, o mais difícil de aturar é aquele que não tem a mínima ideia da extensão de sua chatice e passa o dia criando situações irritantes. Não sossega nem dá descanso a ninguém, validando a tese de Millôr Fernandes segundo a qual “chato é um sujeito que não pode ver saco vazio”. 

 

Sei que existem coisas que fogem ao nosso controle e que acabam enfurecendo os outros. Só para constar, reconheço que às vezes perco a paciência e fico intolerável. Em algumas ocasiões, reclamo de quem me irrita e depois me dou conta de que ajo da mesma maneira, como atravessar a faixa de pedestres de carro fingindo não ver quem espera na calçada.

 

Sou capaz de apostar que isso também acontece com você. Se não se lembra, vou refrescar sua memória com algumas situações em que quase todo mundo escorrega no piloto automático. Mas vou poupá-lo das mais tóxicas, isto é, daquelas que envolvem o embate político, religioso ou clubístico, principalmente com disseminação de notícias falsas.

 

Uma pessoa chata clássica, digamos assim, é aquela que fala alto ao telefone em espaços fechados ou públicos. Outra é a que, durante uma conversa, fica checando o celular com um rabo de olho. No mínimo, isso denota desinteresse pelo que está sendo dito ou que preferia estar com alguém supostamente menos desagradável que ela (se for possível!).  

 

E quem fala apenas sobre si mesmo no trabalho ou numa mesa de bar? Ou costuma chegar atrasado aos encontros marcados, desrespeitando o tempo alheio? E quem só conversa cutucando ou cuspindo em você? Haja aporrinhação! 

 

Poucas coisas são tão maçantes quanto receber mensagens picotadas no WhatsApp. Por que não escrever tudo de uma vez? É aflitivo esperar cada frase completar o raciocínio de meu interlocutor. Que desagradável, não?!

 

Outra maluquice é demorar ou não responder a uma mensagem importante. E o pior: ver (eu me recuso a usar aqui o verbo “visualizar”) e não dizer nada. Mais aborrecidos ainda são aqueles que se julgam tão importantes que desativam os tiques azuis, deixando a incerteza no ar sobre se receberam a mensagem ou se não querem respondê-la. 

 

E tem o dissimulado, que diz que achou que tinha respondido a mensagem (ou que deixou para depois), como se isso aliviasse a frustração de quem aguarda a resposta.

 

Outro chato é aquele que interrompe alguém no meio de uma história um pouco mais demorada, mesmo que seja para acrescentar algo importante. Nada pode ser tão valioso a ponto de quebrar o clímax e forçar o interlocutor a retomar o raciocínio.

 

Tem mais. Imagine-se em sua caminhada matinal e alguém à sua frente falando ao celular, andando lentamente, quase parando. Já pensou você pisar descalço em cocô ou xixi de cachorro nessa hora? É enorme o risco de perder a compostura, rosnar alto e ser chamado de chato.

  

Outro dia encontrei dois chatos num congestionamento, pareados na chatice como se estivessem em bluetooth. O primeiro, achando-se mais importante do que todos, resolve ultrapassar pelo acostamento com sua vistosa camioneta. O segundo, apesar da caneta e do bloco de multas na mão, desvia o olhar e finge não ver a infração, talvez com medo de desagradar o apressado. Pensei em perguntar o motivo pelo qual fez vista grossa, mas olhei para minha mulher e li no rosto dela algo como: “ô cabra chato!”. No trânsito, todos têm razão, menos o santo de casa. 

 

E quer ver um monte de gente se afastar de você, tachando-o de um sujeito intragável? Fale só a verdade e cobre isso de todos a seu redor. Nada cria mais inimigos do que não mentir. Demora, mas a maturidade ensina: não acredite quando alguém lhe sugere “fale com toda franqueza!”.

     

Não vou mais me alongar e correr o risco de receber de alguns leitores, que me aguentaram até aqui, aquela mensagem cruel: “ô cabra chato!”

 

Enfim, Deus me proteja de mim e da chatice geral, pois só a minha faz sentido.