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Mostrando postagens de dezembro, 2022

Coisas profundas

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Duas semanas antes do Natal de 1995, tia Ritinha (era assim que a chamavam) me contou que ouviu um barulho estranho na porta de casa, por volta das nove da noite. Foi até lá e deu de cara com dois desconhecidos. Preocupou-se com eles: — O que cês tão aí no sereno? Entrem que a friagem não faz bem.    Quase cega pelo avanço da catarata,  88 anos, ela tocava a hospedaria (com a ajuda de sua única neta) num casarão antigo cujo quintal dava para um rio temporário onde restavam apenas algumas poças barrentas sobre o leito de areia, capim seco e pedras, no Sertão pernambucano. Para cortar caminho até a praça da matriz, os moradores da cidade atravessavam o casarão, de porta a porta.      Mário Édson (@meatelierdafotografia) Sua neta, cerca de 30 anos, baixinha, simpática, tinha compulsão de limpeza e não podia ver uma coisa fora do lugar. Fora criada pela avó. Perdera a mãe havia muito tempo numa rara enchente do rio, ao tentar atravessá-lo pouco antes de uma tromba d’água que devastou em qu

Cobras, lagartos e mercadores de ilusões

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Não entendo quase nada de marketing. Portanto, as considerações a seguir são feitas por um aprendiz esforçado e metido, jamais um craque no assunto. E creio que minha condição é partilhada pela maioria de vocês. Feito torcedores de mesa de sinuca, temos teorias que julgamos perfeitas, mas, com o taco nas mãos, o buraco é mais apertado.   Na busca por notícias na internet, esbarro a toda hora em links que atiçam a mais elementar carência dos seres vivos: a busca pelo bem-estar. Surgem mais ou menos assim: “Esta fruta poderosa pode fazer sua glicose baixar para...”, “Falhando na hora H? Isso pode te ajudar...”, “Sofrendo com zumbido no ouvido? Temos a solução...”  “Uma dose todas as noites para ter uma próstata de criança...”.   A captura da suposta necessidade dos internautas acontece com o uso dos chamados  cookies  (arquivos que os sites hospedam em computadores e celulares, indicando que o usuário já navegou sobre determinadas páginas da rede). É a técnica chamada de  retargeting  (e

Só um cafezinho, vai...

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Não sei de você, mas, para mim, um cafezinho após o almoço tem o atributo mágico de arrumar as gavetas internas onde guardo minhas conquistas e frustrações. Põe cada pedaço no seu devido lugar, separando frios e quentes, doces e amargos, rígidos e flexíveis, antes do cochilo dos desocupados.    Ilustração: Dedé Dwight   Outro dia me apareceram uma tontura e um zumbido nos ouvidos. O médico me tranquilizou dizendo que possivelmente se tratava de “um transtorno vestibular”. Achei que estivesse de gozação, dado que o último concurso do tipo em que me meti tem quase meio século. Mas ficou claro, logo depois, que falava de um conjunto de pequenos órgãos dentro do ouvido interno (sistema vestibular), responsável inclusive pela manutenção do equilíbrio do corpo. Da mente, nem se atreve!    Confirmado o diagnóstico com exames complementares, o médico me encaminha a uma fisioterapeuta para fazer "reabilitação vestibular". Ela, então, de primeira pontua que seria muito importante para

Bolas de Natal

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Andam de mãos dadas pela primeira vez a Copa do Mundo e o Natal. Só os deuses do futebol (e os anjos das cabines de VAR) sabem aonde isso vai dar, inclusive para alemães, belgas, dinamarqueses, espanhóis e uruguaios, que já ficaram pelo caminho. Algumas imagens têm lugar cativo na tela da memória de milhões de crianças   que, ao redor do planeta, amam uma bola de futebol acima de todas as co isas.      Há muito tempo, ao ganhar  de presente de Natal minha primeira bola,  senti pelo peso do embrulho – com disfarçada frustração –  que não era daquelas de couro com câmara de ar em que se passava sebo nos pontos para protegê-la da água, da lama, dos arranhões no campinho de terra batida ou no calçamento da rua.   Ilustração: Dedé Dwight Era de plástico (vinil). Doía quando batia nas costelas, na barriga ou nas  coxas, sem falar de outras partes em franco desenvolvimento. Corri  pelas calçadas da imaginação encarando adversários, tentando fintá-los, um a um, até a esquina.   Finta é aquele