Mal começa 2023 e um campeão olímpico posta em sua conta no Instagram uma foto com uma espingarda nas mãos. E não se trata de atleta de tiro esportivo, modalidade presente nos Jogos Olímpicos desde a primeira edição, em 1896, em Atenas.
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Então Wallace de Souza, 35 anos, “astro” do voleibol do Cruzeiro, de Belo Horizonte-MG, abre uma caixa de perguntas para seus seguidores. Logo, um dos fãs quer saber se ele daria um tiro na cara do presidente da República. O atleta retruca: “Alguém faria isso? Sim ou não?”. A "enquete" viraliza. Só é deletada horas depois, quando alguns prints já circulam nas redes sociais.
O fato é alvo de repúdio da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Governo Federal, através da Advocacia Geral da União.
O jogador é suspenso por 90 dias, período que abrange a data da final da Superliga Masculina de Vôlei, o que o leva junto com seu clube a buscarem a suspensão da pena no Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
O STJD aceita o argumento e concede liminar. A CBV, porém, vê impasse entre a decisão do Conselho de Ética do COB e a liminar emitida. Aciona então o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, órgão privado que é usado para mediar conflitos. Dá-se razão ao STJD.
Na final da Superliga Masculina, o "astro" entra em quadra, marcando inclusive o ponto do título de seu clube. Isso desagrada o Conselho de Ética do COB, que contra-ataca com um duro coice: a suspensão pula de 90 dias para cinco anos. Pune-se também a CBV, que é desvinculada do COB e perde as verbas que recebe do Ministério dos Esportes e do Banco do Brasil.
Entre bravatas e coices, escorrem pelo chão da Pátria amada barris de intolerância política. E tudo deságua numa incitação à violência por parte de alguém supostamente esclarecido, ciente, imagina-se, do grau de discernimento de seus seguidores.
Mas o petardo devolvido pelo Comitê de Ética do COB é descomunal. Querem matar beija-flor com tiro de bazuca. Ou acabar com o carrapato matando o gado. Isto é, no caso, quer asfixiar até quem não deu motivo a nada disso: o vôlei, como modalidade esportiva.
Hoje, a primeira paixão do brasileiro agoniza com clubes falidos (exceto uma meia dúzia, que não sobrevive a médio prazo sem o fortalecimento dos demais), calendário desumano, baixa qualidade das partidas, estádios ociosos, violência entre torcidas organizadas, denúncias de apostas envolvendo cartões e pênaltis (leia-se, manipulação de resultados) etc.
Quanto à segunda paixão, desde 2001 uma incubadora de talentos instalada em Saquarema-RJ espanta e encanta o mundo. É o Centro de Desenvolvimento do Voleibol, espaço de 100 mil m2 com toda a estrutura necessária à formação de atletas, como ginásio, quadras, salas de musculação, alojamentos e até creche, o que, sem dúvida, explica o salto quântico da modalidade nas últimas três décadas.
De lá para cá, se o futebol conquista as Copas do Mundo de 1994 e 2002, além da medalha de ouro nas Olimpíadas de 2016 e 2021, o vôlei, com bem menos recursos investidos, alcança nove títulos da Liga das Nações. E nos Jogos Olímpicos, três medalhas de ouro (Barcelona, Atenas e Rio de Janeiro).
Ainda bem que toda pena desproporcional tende a ser revista, pelo menos em nações minimamente civilizadas. Afinal, como aprendi quando era criança, "cavalo só dá coice porque não sabe conversar".
E uma conversa aqui, outra ali, chega-se a um acordo. Prego batido, ponta virada! O vôlei, mais uma vez, se revela maior do que as pessoas e as instituições nele envolvidas:
– O responsável pela "enquete" já cumpre novo período de suspensão por 90 dias e está impedido, por 360 dias, de integrar a seleção brasileira (fora, portanto, daquela que poderia ser a sua última Olimpíada, ano que vem, em Paris).
– O COB não reconhece a validade do resultado da final da Superliga Masculina de Vôlei.
– A CBV, que mantém as suas fontes oficiais de patrocínio, obriga-se a custear programa de valorização da postura ética de atletas nas redes sociais, sob a coordenação do COB.
Em termos tácitos, porém, o acordo refresca que:
– Cada "astro" é, sim, responsável pelo impacto que a divulgação de sua opinião causa no universo em que atua.
– Liberdade de expressão não é direito fundamental absoluto. Nem o direito à vida é (prova: o direito à legítima defesa).
– Acima de todas as diferenças, é preciso garantir a convivência pacífica e educada entre elas.
Como bem canta Beto Guedes em Sol de Primavera, “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender”. E chega de tentar aparar arestas de opinião na base da espingarda. Ou de coices!