quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Tá perdoada, mãe!

Eu já a perdoei por todas as mamadeiras de mingau de amido que me serviu depois da chegada de meus irmãos mais novos, quando perdi o direito às tetas maternas. Também por todos os bolos, coalhadas, cuscuzes, omeletes, papas, pastéis, pudins, sorvetes, sopas, tapiocas e tortas com que ela, sem dolo ou má-fé, apostou em mim a sua própria perpetuidade. 

Perdoei ainda as horas de quintal e de rua que me foram confiscadas para mexer panelas de doce de leite, caju, goiaba, mamão, ou de canjica e pamonha. É certo que havia algum pagamento em raspas de tachos, mas sob ameaça de castigo – meia hora num canto da cozinha, inalando aquela profusão de cheiros – caso a massa grudasse no fundo da caçarola.

 

Relevei também todas as vezes em que tive que acordar cedo e ir à padaria comprar pães, ainda que ela fingisse não ouvir quando eu lhe contava que um ou outro caíra do pacote e que, só para não dar gosto ao cão, eu me impunha o sacrifício de comê-lo ainda quente, mesmo sem manteiga.

 

Esqueci até das cestas e sacolas que carregava nos dias de feira livre, sol e chuva, suor e lama. Eram quilos e mais quilos de frutas, carnes, legumes e verduras, para prover uma Frigidaire cujas heróicas dobradiças, diferente de mim, nunca deram o menor sinal de fadiga. 

 

Também a desculpei por todas as vasilhas que guardava no forno para que eu pudesse almoçar depois do meio-dia, ao chegar da escola ou do trabalho. O corre-corre da tarde passava a rodar em câmera lenta diante da carne-de-sol com arroz de leite, do picadinho ou do sarapatel. E uma banana frita coberta com queijo coalho derretido, polvilhada com canela, repunha cada coisa no seu devido lugar da garganta para baixo.

 

Nem fiquei ressentido pelos sábados em que voltava ao bairro onde sorri e chorei todas as circunstâncias de minha puberdade. Vinha (agora com esposa e filhos) juntar-me aos irmãos e ouvi-la de novo a nos chamar à mesa onde devoraríamos, sem a menor etiqueta, um panelão de guisado com purê de batatas, arroz, feijão verde e farofa de ovos. 

 

Tenho um amigo mineiro que também já deve ter perdoado a sua mãe – estou seguro disso! – por tudo o que passou nos primeiros anos de vida: doces de leite, em tabletes (“cortados em losangos”), de mamão ralado (“bem durinhos, açucarados”), pudim (“com miolo cremoso, que a gente não comia... chupava”), mexido de queijo (“rapadura derretida na panela, com queijo e farinha”). 

 

E não esquece do arroz cozido com uma pimenta-de-bode, “finalizado com fatias de queijo, cobrindo toda a panela”; lombo recheado, “guardado na lata de manteiga (banha)”; almôndegas, também “envelhecidas” na lata; “sopa” de frango (pirão, com açafrão, alho e cebolinha); mexido de abóbora (abobrinha batida, refogada com açafrão, acrescentando-se farinha, cheiro verde e ovos); pele torrada (pururuca); macarrão “frito” (refogado no tomate bem “reduzido”); “mogango” (um parente da abóbora) cozido; feijão refogado na panela de ferro, na gordura de porco… 

 

Outro amigo, na bruma de sua saudade, quase abre o chorador ao recordar da "bruaca" cearense, uma pequena panqueca feita à base de farinha de trigo, açúcar, leite e ovos, servida com cobertura de mel. “Eu arrancava da mesa na terceira marcha, com uma energia danada para as atividades de pernas, braços e punhos de todo moleque”. Não duvido disso, nem que lhe restem mágoas em relação à mãe.

 

No meu caso, ao perdoar a minha, ponderei que na origem de tudo ela foi vítima de meu pai. Apaixonado pela ninfeta de 16 anos, ele a dedicou, com amor, carinho e tempero – e outras intenções, naturalmente! –, um exemplar de “Dona Benta”, a bíblia culinária que veio à luz na metade do século passado e que até hoje constitui um raro manual da arte de bem comer e viver. 

 


Sim, ela está perdoada, mas sabe que não tinha o direito de fazer o que fez só por minha causa (e por meus irmãos). Todos os amigos que cruzaram o meu caminho, que tanto deixaram de si e quase nada levaram de mim, mereciam desfrutar da prateleira de cheiros e sabores que experimentei. Ela deveria trazê-los do futuro ao começo da jornada. Toda mãe, protegida que é, consegue quase tudo o que pede ao dono do tempo. 

 

Filhos nascem, crescem e morrem sozinhos. Só quando partilham o que comem (e bebem, é claro!) com amigos do peito é que podem criar a ilusão, ainda que fugaz, de que não estão perdidos na multidão.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Pisaram no Tomate

Você que ainda perde tempo com o futebolzinho que andam jogando no Brasil já deve ter ouvido falar de Gentil Cardoso (1906 – 1970), um técnico que fez sucesso na metade do século passado. Seu discurso paternal e folclórico incorporava o palavreado do povo com leituras de Gandhi e dos filósofos Cícero, Platão e Sócrates. Expressões suas são lembradas até hoje, como: "quem se desloca recebe, quem pede tem preferência"; "craque trata a bola de você, não de excelência"; "vai dar zebra" etc. Foi ele o primeiro a chamar de “cobra” atacante perigoso. E dizia que “brinca nas onze” aquele que era capaz de atuar em várias posições. 

 

Era um entusiasta da troca de passes curtos, do jogo de pé em pé que mais tarde encantaria o mundo quando o Barcelona de Guardiola, Iniesta, Xavi e Messi mexeu com a estética do jogo, dentro de uma lógica puramente “gentil”: “A bola é feita de couro; o couro vem da vaca; a vaca gosta de grama; logo, lugar de bola é rolando no gramado”. 

 

Um dia, no entanto, vendo o time ser goleado, Gentil pediu a seus jogadores para darem bicos para cima. Tinha uma  justificativa pragmática: “Enquanto a bola estiver no alto, não tem perigo de gol aqui embaixo”. Sinal de que ser coerente com aquilo que se acredita é uma coisa; ser obsessivo, psicopata, é outra. Tem gente que mistura tudo! E o pior que pode acontecer é a coerência com os próprios erros, repetidos, onde o sujeito se recusa a evoluir.

 

Reza uma velha lenda urbana que, em 1952, ano em que Gentil Cardoso seria campeão carioca pelo Vasco da Gama, apareceu no estádio de São Januário, para experiência no time de aspirantes, um garoto esguio, desengonçado, ambidestro, genuvalgo (zambeta ou pernas de tesoura), morador de uma comunidade perto do pavilhão onde hoje se localiza o Centro Cultural de Tradições Nordestinas, a Feira de São Cristóvão. 

 

O moleque exibiu de uma área a outra do campo um vasto repertório de toques e trivelas, demonstrando talento para a coisa, o que levou Gentil Cardoso a presumir que testemunhava o nascimento de um astro, quem sabe um novo Danilo, centro-médio vascaíno titular da Seleção Brasileira. No final do treino, quis saber:

– Menino, como você se chama?

– Cleofas, chefe!

– E seu sobrenome?

– Das Dores… Só tenho mãe.

– Mas tem apelido?

– Lá na Barreira o pessoal me conhece como Goiaba. 

– Sei... – desiludiu-se Gentil – Meu filho, você já viu algum jogador vingar com um nome desses?

O menino foi-se embora. Nunca mais foi visto por lá.

 

No ano seguinte, já trabalhando no Botafogo, Gentil Cardoso não pisaria no tomate novamente ao encarar outro apelido incomum. Viu, aprovou e lançou no time principal um certo caçador de passarinhos de Pau Grande, 3° distrito de Magé-RJ, ponta-direita de 19 anos que ali treinava pela primeira vez e que mais tarde seria mundialmente reconhecido como uma lenda do futebol. Não era Goiaba, claro, mas outra figura chapliniana leve e livre como um rouxinol, uma cambaxirra ou carriça. 

 

Garrincha e Gentil Cardoso, 1953

Vi pela TV, agora no começo do ano, quando o acreano Tomate, goleiro da equipe sub-20 do Andirá-AC, ao ser substituído durante a partida da Copinha São Paulo contra o Atlético-MG, deixou o campo contrariado e caiu no choro no banco de reservas, causando comoção nas redes sociais. 

 

Eduardo Silva, conhecido como Tomate, vinha fazendo uma boa partida contra o Galo, sendo até aquela altura o principal responsável pelo resultado em 0 a 0. No entanto, quando uma penalidade foi marcada contra o Andirá-AC, o técnico resolveu substituí-lo por um tal de Carlos, que não impediu que a cobrança abrisse o placar do jogo. Em esportes que o goleiro possa sair e voltar, tudo bem; no futebol, não faz sentido!

 

A noite de Tomate, porém, acabaria em pizza, com demonstrações de apoio nas redes sociais. O atacante da seleção brasileira Richarlison escreveu: "Deus te abençoe, moleque. Você estava bem demais". Já o goleiro Weverton publicou: "Você brilhou e fez seu melhor, segue firme e levanta a cabeça. Deus te abençoe". Antes do jogo, Tomate tinha pouco mais de 1000 seguidores no Instagram e já soma agora mais de 400 mil. 

  

Se Gentil Cardoso fosse o treinador do time acreano, imagino, já teria alertado o moleque, em início de carreira, a manter o seu nome de batismo (Eduardo). Ou assumir um nome “artístico” como Edu, Dudu, Ado etc. Ser chamado de Tomate deve doer tanto quanto de Alface, Cará, Jiló, Mandioca, Maxixe, Nabo, Quiabo, por aí…

 

Não que Eduardo (Edu, Dudu ou Ado) fosse defender a cobrança do pênalti naquele dia e evitar a derrota do Andirá-AC para o Atlético-MG, mas já teria ouvido do "filósofo" que desde que o mundo é mundo o nome (ou apelido) é a etiqueta colada à imagem que cada um vende de si mesmo.  


A não ser quando se nasce Garrincha naquilo que se faz. Aí, até Goiaba ou Tomate serve.

 


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

De queixo caído…

Apesar do clima de casa-de-mãe-joana reinante entre nós, quem parece nunca perder dinheiro são os bancos. Lembram o joão-teimoso, aquele boneco de borracha ou plástico com base abaulada onde se concentra a maior parte de seu peso, o que o leva de volta à posição vertical a cada tentativa de derrubá-lo. Aplica-se também ao líder político da predileção de cada um.

 

Problemas como conexão remota “fora do ar”, cartões de crédito não solicitados, juros abusivos, tarifas exorbitantes, portas discriminatórias etc., ainda tiram os clientes do sério. Mesmo assim, não dá para comparar o sistema bancário clássico ao universo da agiotagem e seu repertório de perversidades. 

 

Digo isso porque, depois de mais de 40 anos lidando com atividades financeiras, eu seria capaz de jurar que tinha visto tudo. E só agora, aposentado, fiquei sabendo de um caso que deixa qualquer pessoa de queixo caído. 

 


Li no Correio Braziliense, semana passada, que nos primeiros dias do ano tramitou pela Suprema Corte espanhola um processo que repercutiu nos quatro cantos do mundo (a prova cabal e definitiva de que o mundo é plano! Só não vê quem não quer!) pelo seu caráter, no mínimo, insólito: validou-se o pedido de uma mulher que pagou uma dívida com seu ex-cunhado mediante a prática de sexo oral. 

 

A esta altura da vida, já calejado pelo desenrolar dos costumes, não tenho o direito de me escandalizar com nada, mas esse caso me levou a refletir: os preços realmente estão pela hora da morte! A seguir nessa marcha, aonde vai dar a humanidade?

 

O valor total da dívida era de quase R$ 100 mil e a Justiça já tinha admitido o pagamento na forma desejada pelo cidadão, desde que houvesse consenso entre ele e a ex-cunhada. Isso dito da boca pra fora (sem trocadilho, por favor!), óbvio.


Depois, entretanto, ela recorreu de novo à Justiça, após a suspensão do inusitado pagamento de prestações. O credor teria exigido que o resto fosse pago em moeda corrente. 

 

Ilustração: Umor 

Como a mulher nunca procurou as autoridades para denunciar o homem por coerção sexual ou coisa do gênero, a Justiça concluiu que os atos foram consensuais entre as partes envolvidas e arbitrou que a dívida estava extinta, ainda que não houvesse um recibo com firma reconhecida, dando plena, rasa e irrevogável quitação. Isso após a mulher esclarecer que só prestara queixa porque recebeu uma ligação do ex-cunhado cobrando o restante.

 

Para mim não ficou totalmente claro quem fazia o quê, como, quando e onde. Na minha falta de malícia, enxerguei apenas o quanto e o porquê. 

 

Pode-se indagar, portanto: e se as posições de credor e devedora estivessem invertidas – em todos os sentidos, se é que me faço entender! –, será que a notícia teria se espalhado com tanto estardalhaço, ou o barulho tem a ver com os torpes sentimentos de aversão, repulsa e desprezo pelas mulheres e pelos valores femininos, no contexto da misoginia enraizada entre os trogloditas? 

 

Pensei rabiscar breve crônica sobre a ocorrência. Já tinha até escolhido o título, numa alusão ao mais antigo recinto de transações bancárias (a plataforma de pagamentos e recebimentos): “Na boca do caixa”. Desisti para não criar constrangimentos em alguns leitores e leitoras mais sensíveis, nem ferir o decoro literário que me imponho para preservar a castidade de quem ainda se interessa pelos meus textos.

 

E não pretendia mais tocar no assunto, porém começaram a martelar em minha cabeça algumas sentenças inesquecíveis da obra do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, pela atualidade com que já abordava, ainda na metade do século passado, os mistérios insondáveis das relações humanas:

"Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam." 

 “Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava.”

“O que dá ao ser humano um mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões.”

“Hoje, é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo.” 

“O dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.” 

 

Agora me pego mergulhado em conjecturas sobre como seria o manual de procedimentos desse tipo de negócio num banco tradicional. Quem seria o responsável pela avaliação da capacidade de pagamento, antes da formalização do contrato? Que tipo de checklist seria elaborado pela área de controles internos para avaliar a qualidade da operação pactuada? E o roteiro de auditoria estabelecido para checar a aderência da transação com as regras normativas? E como as autoridades monetárias classificariam esse tipo de negócio, caso seja dispensado documento formal e fique tudo na base do boca-a-boca ou do fio do bigode? Seria considerado um empréstimo de liquidez garantida ou a fundo perdido? Sei não...

 

É duro admitir que a mercantilização do corpo ainda esteja acontecendo no planeta em que vivemos, onde o dinheiro, pelo visto, não só continua falando alto, como também fazendo muita gente calar a boca. Literalmente, inclusive.

 

Como qualquer pessoa – exceto as quase perfeitas, que nunca as encontrei, mas devem existir –, penso que o ser humano talvez ainda tenha uma chance de dar certo. Noutra galáxia, quem sabe, devidamente reciclado. Feito lixo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Por alguns punhados de dólares

 Menino ainda, ele saía do cinema nas matinês de sábado com um toco de cigarro de mentira no canto da boca, as pernas arqueadas e as mãos prontas para sacar revólveres imaginários, rolar os gatilhos nos dedos fura-bolos e disparar contra bandidos fantasmas. Na sequência, com o olhar gelado, soprava a fumaça do cano das armas e seguia adiante. Ao fundo, ouvia-se o assobio da trilha sonora de “Por um punhado de dólares”.

 


Para o menino, no Velho Oeste tudo se resolvia na bala ou na ponta do punhal. Lugar de ladrões ousados que saqueavam em plena luz do dia, ávidos por, nas horas de folga, violentar as donzelas mais formosas. Terra também de dançarinas ruivas e voluptuosas nos 
saloons e de caubóis de bravura indômita, inclusive contra pele-vermelhas que resistiam em desocupar áreas de garimpo de pedras preciosas. 


Ele cresceu. Aprendeu nos livros que o Velho Oeste era bem diferente daquilo que os filmes davam a entender.  Que, na verdade, as únicas terras ocupadas ficavam no Leste norte-americano até a metade do século 19, entre o oceano Atlântico e o Mississipi, rio de 6.270 km que corta o país, de Norte a Sul, em pedaço equivalente a um quarto do território atual. 

 

O avanço para além do Mississipi aconteceu apenas por volta de 1848, com a descoberta de ouro na Califórnia. Menos de 20 anos depois, surgiu a lei federal que concedia terras a quem se dispusesse a ocupá-las por pelo menos cinco anos. E a região começou a ser povoada. 

 

No começo, as cidades não tinham prefeituras, delegacias nem tribunais. Vem daí a lenda de matadores cruéis e baderna generalizada? Mas os assentamentos eram rigidamente controlados pelo governo, obrigando-se os pioneiros a remeter mapas e documentos propondo o reconhecimento de seus domínios. 

 

Depois, foram criadas regras locais, instituindo-se os poderes independentes e harmônicos entre si (legislativo, executivo e judiciário) para, segundo a teoria de Montesquieu, afastar o risco de governos absolutistas e evitar a edição de normas tirânicas. 

 

O menino virou sessentão grisalho, cheio de dores, dúvidas e netos. Já não acredita nas peripécias de Django, Pecos e Trinity no Velho Oeste. Aliás, ele me contava, outro dia, que está ultimando uma peça teatral sobre a disputa à prefeitura de próspera cidadezinha à margem do rio Mississipi. 

 

De cara, o autor me disse que qualquer semelhança com a realidade é absolutamente proposital. Concorrem ao cargo um ex-prefeito sentenciado (Django) e o xerife que o prendeu (Pecos), além do atual alcaide (Trinity), eleito há três anos como o paladino do combate à corrupção. 


Cada candidato é totalmente diferente dos outros dois, mas com o mesmo teor de acidez e sem qualquer pastilha de hidróxido de alumínio à mão. Nessa dança de lobos, só não vale botar a mãe no meio. Ela não tem culpa do que sobrou daquilo que pariu e mamou em seus peitos.

 

Há quatro anos, Django puxou cadeia braba por obra do xerife Pecos, que se jacta de haver recuperado para os cofres da prefeitura bilhões de dólares de corruptos confessos. Mas, confirmada a obtenção irregular de algumas provas, Pecos teve seus atos anulados pela Justiça, ensejando a libertação de Django.

 

Ao pé da letra, em julgamento restrito a um dos processos (de vários em andamento), as comportas foram abertas para uma enxurrada de anulações e prescrições, libertando-se inclusive outros condenados que, serelepes, já batem as asas por aí se passando por anjos de candura.

 

A Justiça, contudo, garante que o processo que deu origem à bagunça foi apenas transferido de jurisdição e que caberá ao juízo competente decidir se aproveita as demais provas existentes. Ocorre que ninguém na cidadezinha acredita nisso.

 

Pecos escondeu suas pretensões enquanto ostentava uma estrela no peito, mas logo topou se juntar ao grupo de Trinity. Expulso da panela numa briga interna de egos, é visto como traidor pelo ex-chefe e seus asseclas. E Django, na mão inversa com seus sectários, o acusa de tê-lo condenado apenas para evitar que vencesse as últimas eleições.


Corre então o boato de que eventual vitória de Django será atribuída à Justiça, que o teria recolocado no jogo apenas para inviabilizar a reeleição de Trinity. É aí que Pecos entra novamente em cena, ungido por donos de grandes jornais, ranchos e bancos, interessados numa alternativa ao duelo entre Django e Trinity. Torce pelo tipo de troca de tiros em que os dois caiam simultaneamente. Algo que a física tem dificuldade de explicar, mas comum naquele meio.  


O autor só não sabia ainda como encaixar na história o destino de bilhões de dólares recuperados de corruptos confessos. A quem devolver a dinheirama confiscada sem provas irrefutáveis dos crimes? Como utilizar numa finalidade justa e inadiável?


Decidiu pedir minha opinião. Não sou mais bancário nem especialista no tema, mas propus que a grana seja direcionada para a compra, em verdinhas, de um lote de vereadores reconhecidamente sem-vergonhas. É preciso assegurar a governabilidade do próximo governo. 

 

O autor gostou da dica, porém ainda luta para encontrar interessados na produção do espetáculo teatral. Talvez consiga montá-lo abaixo da linha do Equador, onde, dizem, não existe pecado, mas os ladrões continuam saqueando em plena luz do dia.

Arte ou macacada?

Na última quinta-feira, enquanto tentava acompanhar uma aula por videoconferência, recebi de meu amigo, o espirituoso jornalista e escritor ...