Já vinha sofrendo com um quadro gravíssimo da chamada síndrome hepatopulmonar — doença no fígado que provoca dilatações nos vasos sanguíneos dos pulmões —, o que lhe obrigava a usar oxigênio quase o dia inteiro.
O transplante de fígado seria a única solução para o problema, não fossem seus 76 anos de idade. Apareceram feridas nas costas que acabaram virando porta de entrada para bactérias, resultando numa infecção generalizada.
Um pesado coquetel de antibióticos ainda lhe permitiu sair uns poucos dias da UTI. Recuperava-se na medida do possível quando foram descobertos alguns cálculos renais, parcialmente retirados. Mas passou mal no dia seguinte, voltou à terapia intensiva com sinais de nova infecção e de lá não saiu com vida.
Nem teve tempo de ler o texto de Luís André, seu filho caçula, escrito justamente no dia da retirada dos cálculos renais:
“(...) O que esperar do tempo? Esperar 90 a 94 anos para despedir-se? Seria bom... Esperar que em 15 dias a felicidade volte a habitar nosso interior, já que há dois anos ela vem diminuindo aos poucos?
São 76 anos de amor, dedicados a sua família e poucos amigos, mas todos fiéis e retos, assim como ele.
Esperar que uma vida de bons exemplos, retidão e broncas merecidas retornem? Não sei o que esperar.
Um momento de desilusão... de tristeza profunda. Na verdade, um silêncio que grita para que, se pudesse, Deus desse um pouco de minha saúde para ele. Se pudesse, lhe fizesse o que ele sempre fez comigo... netos e bisnetos.
Nada de voltar no tempo. Eu queria mesmo é que o tempo parasse lá atrás, quando tudo estava dando certo para meus pais e para mim. Assim..., aproveitaria mais sua presença até certo ponto militar — mesmo sendo professor e bancário —, a transbordar de cuidados e de amor por mim, por todos nós.
Um tempo que nos traiu, nos levou a crer num possível Alzheimer, pela saúde e pelo porte físico avantajado de seus 1,90 metros de altura e 110 kg, hoje reduzidos a míseros 80kg.
Nunca imaginei o que estamos passando. Uma dor seca, diferente da dor de coluna que me retorcia na cama ou na minha ex-cadeira de dentista. Uma dor seca que não há remédio que diminua sua intensidade... este abismo dentro de mim. Uma dor "molhada", trata-se; mas a dor seca, ... essa nos mata.
Meu herói está combalido, suas forças reduzidas não o deixam pular para fora de uma simples cama de hospital. Na realidade, suas forças já vinham sendo drenadas por uma síndrome rara.
Nunca, jamais entenderei os planos de Deus, mas os aceitarei (...)”
Um pesado coquetel de antibióticos ainda lhe permitiu sair uns poucos dias da UTI. Recuperava-se na medida do possível quando foram descobertos alguns cálculos renais, parcialmente retirados. Mas passou mal no dia seguinte, voltou à terapia intensiva com sinais de nova infecção e de lá não saiu com vida.
Nem teve tempo de ler o texto de Luís André, seu filho caçula, escrito justamente no dia da retirada dos cálculos renais:
“(...) O que esperar do tempo? Esperar 90 a 94 anos para despedir-se? Seria bom... Esperar que em 15 dias a felicidade volte a habitar nosso interior, já que há dois anos ela vem diminuindo aos poucos?
São 76 anos de amor, dedicados a sua família e poucos amigos, mas todos fiéis e retos, assim como ele.
Esperar que uma vida de bons exemplos, retidão e broncas merecidas retornem? Não sei o que esperar.
Um momento de desilusão... de tristeza profunda. Na verdade, um silêncio que grita para que, se pudesse, Deus desse um pouco de minha saúde para ele. Se pudesse, lhe fizesse o que ele sempre fez comigo... netos e bisnetos.
Nada de voltar no tempo. Eu queria mesmo é que o tempo parasse lá atrás, quando tudo estava dando certo para meus pais e para mim. Assim..., aproveitaria mais sua presença até certo ponto militar — mesmo sendo professor e bancário —, a transbordar de cuidados e de amor por mim, por todos nós.
Um tempo que nos traiu, nos levou a crer num possível Alzheimer, pela saúde e pelo porte físico avantajado de seus 1,90 metros de altura e 110 kg, hoje reduzidos a míseros 80kg.
Nunca imaginei o que estamos passando. Uma dor seca, diferente da dor de coluna que me retorcia na cama ou na minha ex-cadeira de dentista. Uma dor seca que não há remédio que diminua sua intensidade... este abismo dentro de mim. Uma dor "molhada", trata-se; mas a dor seca, ... essa nos mata.
Meu herói está combalido, suas forças reduzidas não o deixam pular para fora de uma simples cama de hospital. Na realidade, suas forças já vinham sendo drenadas por uma síndrome rara.
Nunca, jamais entenderei os planos de Deus, mas os aceitarei (...)”
Naqueles dias de angústia, incerteza e esperança, Dayse recebeu do marido um bilhete curto com orientações bem claras e objetivas:
“Em caso de morte:
1. Que meu corpo seja cremado e as cinzas, se forem entregues, pouco importa onde serão jogadas.
2. Que no ato crematório, se possível, sejam executadas duas músicas:
a) Adagio for strings, de Samuel Barber. (ouça aqui)
b) Requiém – Lacrimosa, de Mozart. (ouça aqui)
Onde você estiver, meu amigo “Charles Brau”, quando encontrar o poeta Mário Quintana, lembre-o de que ainda faz todo sentido o que ele andou pregando por aqui no mundo dos vivos: “uma vida não basta ser vivida; ela precisa ser sonhada...”