Sexta-feira, de noite, num desses templos sagrados de delações não premiadas onde, entre um gole e outro, o destino se desenrola em tramas dignas de um roteiro de cinema, meu amigo ítalo-brasileiro Tiberio Bacardi, brilhante cronista ainda desconhecido do grande público, aguardava a namorada que fora ao santuário das toaletes. Foi quando testemunhou uma cena tão hilária quanto reveladora.
Ilustração: ChatGPT |
Três amigas, todas na casa dos 40 verões, com a graça de quem aprendeu a surfar no vai-e-vem das marés da vida, trocavam confidências numa mesa do lado, movidas a drinques multicoloridos. Uma delas dominava a conversa (a saga de um pré-encontro amoroso) com a verve de Tatá Werneck, transformando o que seria um simples jantar numa aventura digna de um filme de Almodóvar, com dramas, reviravoltas e uma generosa dose de humor e sensualidade.
A “nossa” Tatá esmiuçou a preparação para o encontro como um ritual, quase um treinamento para virar um holograma: fingia comer e, na beira do desmaio, se permitia a extravagância de uma fatia fina de queijo e um trio de castanhas como prêmio de consolação.
A importância de cuidar de pés e mãos não foi negligenciada – vai que um fetiche inesperado aparece no meio da noite. Ela brincava: “Quem nunca foi surpreendida com um convite para um jantar japonês e teve que revelar, no desespero, aquele esmalte da semana anterior ainda se agarrando bravamente às unhas, feito gato no carpete em dia de mudança?”
E o protocolo de beleza seguiu mais complexo que a preparação de um desses jogadores de futebol com suas curiosas sobrancelhas e tatuagens. O esforço, dizia ela, valeria a dor física e mental, contanto que resultasse numa aparência arrasadora e poderosa.
No grande dia, não deixou nenhuma ponta solta, nada ao acaso. Logo cedo, após pequenos ajustes depilatórios (ou jardinagem criativa), uma visita estratégica à academia garantiu que cada músculo se fizesse presente, ainda que a medida quase significasse tossir um dos pulmões para fora.
Viu-se então, em seguida, diante do dilema do guarda-roupa, com considerações que variavam do vestido de gala ao clássico "pretinho básico", mesmo desconfiando de que, no final das contas, o esforço passaria despercebido. Nem ela duvidava de que o interesse primário do sujeito seria outro, longe do tipo de traje.
Horas diante do espelho, ajustando cada detalhe na esperança de capturar 10% da atenção dele, a decisão sobre a lingerie trouxe novo impasse: conforto versus sedução, batalha que só as mulheres entendem, quando uma certa peça insiste em se acomodar nas reentrâncias mais íntimas. “Talvez te achem linda, mas eles não fazem ideia do trabalho que dá. Pensam que você nasceu pronta, como um efeito especial de cinema” – arrematou.
Os sapatos, escolhidos pela estética, poderiam virar instrumentos de tortura medieval se surgisse uma oportunidade para dançar. Teria que fingir que as lágrimas eram da emoção. Ela inclusive lembrou do filme “Perfume de Mulher”, onde um cego, vivido por Al Pacino, tira uma moça pra dançar que, inicialmente, descarta: “Não posso, porque meu noivo chegará daqui a pouco...” Ao que ele ponderou: “Mas em um momento se vive uma vida!”, conduzindo-a, então, no memorável tango “Por una cabeza”, de Gardel e Le Pera.
Mas se por um capricho qualquer, após todo esse esforço, o sujeito decidisse cancelar o encontro no último minuto? “A única desculpa aceitável para a desfeita seria a morte súbita da mãe, do pai, infarto agudo ou fratura exposta" – “Tatá” pontuou, refletindo sobre a fragilidade dos compromissos modernos.
E mesmo depois de toda a preparação, persistia um grande risco: ele poderia nem notar aquela calcinha de grife que estava sofregamente removendo e que custou a ela novo mergulho na escuridão do cartão de crédito. “Entre abraços e beijos você se dá conta de que acaba de viver mais um episódio da série ‘Todo esse esforço pra porra nenhuma!’" – concluiu.
Ali, distante daquele drama, Tiberio Bacardi anotava as partes mais marcantes, usando o bloco de notas do celular, ao ser surpreendido pela voz de sua namorada:
– Por que essa cara de quem teve uma revelação divina?
– Nada, nada demais... Tô aqui pensando num compromisso marcado pra amanhã à tarde... – respondeu, optando por uma resposta neutra ao invés de compartilhar uma possível construção literária em andamento.
– Com quem... Posso saber?
– O proctologista.
– Ah, bom…