Você não deve condenar os invejosos. No lugar deles, certamente também iria querer ser você, concorda? Se eu tivesse sido poderoso como meus filhos pensavam, rico como minha mãe achou que eu seria e irresistível como minha mulher ainda tem certeza de que sou, não vou negar: eu teria inveja de mim.
Você já ouviu falar na expressão inveja masculina? Pode parecer estranho à primeira vista e o motivo seria que esse sentimento sempre foi associado às mulheres. Nada mais sexista. É outra forma de colocar as mulheres em posição de inferioridade em relação aos homens.
Dito de outra forma, é como se a inveja não fizesse parte do acervo de emoções do homem, porque ele seria um ser “completo”. Não é assim. Manifesta-se quando qualquer pessoa se sente ameaçada diante da possibilidade, fantasiosa ou não, de ser preterida na escolha de determinado cargo profissional, ao ver a pessoa amada com outra, essas coisas.
Enfim, estou seguro de que a inveja também é coisa de cabra macho. E nem preciso me reportar às cenas explícitas que testemunhei no mundo corporativo durante mais de 40 anos trabalhando numa grande empresa.
Acredite se puder, mas já fui alvo desse sentimento da pior forma possível: vindo de um dos maiores expoentes da música brasileira, praticamente uma unanimidade em termos de qualidade e sofisticação musical.
Não vou citar o nome – você vai acabar descobrindo – para não reabrir feridas mal cicatrizadas no coração de um cara que sempre admirei, ainda inconformado com algo ocorrido há exatamente 10 anos.
Talvez você o conheça como maestro, pianista, compositor e cantor, tão apaixonado pela Mata Atlântica que deixou transbordar todo o seu amor à natureza em belíssimas composições, que ganharam o mundo na voz de grandes intérpretes.
Em 1962, eu tinha apenas quatro anos de idade, crescia no Sertão paraibano como qualquer moleque cabeçudo, desdentado e feio. Não sabia nada do que estava acontecendo no Rio de Janeiro quando ele e um certo poeta, amigo dele, batendo pernas na orla de Ipanema, se depararam com uma cena trivial: uma menina que caminhava pela areia a caminho do mar.
Digo trivial porque outras pessoas devem ter visto a cena e não enxergaram nada de mais, porém as curvas e os traços daquela menina flecharam o coração do invejoso e de seu amigo poeta, que decidiram ali mesmo compor uma canção para eternizar o instante no mais famoso bairro da Zona Sul carioca.
A garota se tornaria nacionalmente conhecida somente em 1964, quando iniciou sua carreira de modelo trabalhando para revistas e agências de publicidade. Depois, chegou a participar de novelas de televisão e apresentou o programa “Ela”, nos idos de 1984. Atuou ainda como empresária e escritora de sua autobiografia.
Você deve estar curioso sobre o porquê o invejoso, que se mudou para o outro plano em 1994 – onde encontraria o seu amigo, desaparecido havia 14 anos –, teria inveja de mim, um reles bancário que nunca morou no Sudeste nem aprendeu a tocar um mísero instrumento musical, fosse cuíca, prato, reco-reco ou tuba.
Em verdade vos digo que tudo não passou de um lamentável mal-entendido por parte dele. Torço pela chegada do momento em que, pessoalmente, poderei explicar o ocorrido, mas que fique bem claro: que isso se dê daqui a 30 anos, no mínimo.
Falando sobre ele, aliás, há pouco tempo a citada garota, numa entrevista na TV, revelou que foi pedida em casamento na época da criação de “sua” música. E confessou que ficou balançada com a proposta, mas teve medo. Ela contou:
"Ele era casado e eu falei: ‘Mas como?’. Ele disse que sua vida sentimental não estava muito boa e que não parava de pensar em mim. Eu, então, disse que não podia me casar com ele porque era virgem! Olha a minha inocência na época. Achava que ele queria se casar para tirar minha virgindade"
Pois bem. Há 10 anos, em pleno Carnaval de 2013, no Rio de Janeiro, eu fui apresentado a ela – agora, uma distinta madame, vivendo no eixo Rio/São Paulo –, a paixão mal resolvida do invejoso, que lá no céu deve ter movido os seus pauzinhos, invocando os privilégios conferidos aos músicos e poetas de boa vontade, para mergulhar nos pensamentos dos viventes aqui embaixo. E deve ter visto algo que lhe deixou furioso, transtornado.
Digo isso porque uma repórter-fotográfica, que por acaso registrou o nosso encontro naquela noite, cochichou nos ouvidos dela (eu ouvi!), querendo saber sobre quem estava do lado, talvez imaginando que a imagem pudesse render algum dinheiro junto às revistas de fofocas.
Ela ficou calada. Mas o semblante risonho e enigmático certamente deixou o cara aborrecido. Sem motivo, juro! Eu já tinha uma garota (das praias de Alagoas) desde os anos 1970.