Ao ler crônicas como "Memória de minhas surras tristes", "Cocorotes" e "Asas cortadas no ninho", uma amiga leitora me escreveu alertando que devo ser portador de um tal Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Recorri ao Google e descobri que esse bicho de três cabeças aparece na infância e persegue o sujeito por toda a vida, sob a forma de desatenção, inquietude e impulsividade. Pega 5% das criancinhas e em mais da metade dos casos, embora mais brando, permanece até a velhice — o pior de todos os males, a nos tirar todos os prazeres exceto o apetite.
Li ainda que o TDAH em geral é associado a dificuldades na escola e nas relações com outras crianças, pais e professores. A molecada portadora é vista como: “com a cabeça no mundo da lua”, “desastrado” (derruba tudo que tem nas mãos) ou “com motor de popa na bunda” (não param quietas um minuto sequer!).
Quando adolescentes, podem ter dificuldades em se sujeitar a regras e limites. Mais tarde, já adultos, surgem com frequência problemas de desatenção para coisas do dia a dia e com a memória (são muito esquecidos). São também inquietos (só relaxam dormindo), mudam de um assunto para outro em questão de minutos e também são impulsivos (“sempre avançam o sinal”).
A boa notícia é que esse transtorno não é considerado uma doença, por isso ninguém pode dizer que “tem cura”. Se bem que TDAH é citada como doença em vários sites na internet, que chegam a prometer “a cura”. Nessas horas a indústria farmacêutica não brinca em serviço em nenhuma parte do mundo.
Sei que minha mãe continua impulsiva para dizer o que bem entende em qualquer situação. Sei também que meus filhos, assim como eu, vivem deixando torneiras ligadas, lâmpadas acesas e perdendo chaves, documentos, carteiras porta-cédulas, celulares etc; e alguns netos não relaxam nem quando dormem bem agasalhados, de barriga cheia.
Há quem diga que a avó materna é quem transfere a maior parte da carga genética dentre todos os avós. E a genética pula uma geração. Por isso, muitas crianças não se parecem com seus pais, mas sim com seus avós.
E essa herança não seria nem tanto no aspecto físico, mas, por exemplo, no tique nervoso, no jeito de se comportar, na ansiedade etc. No meu caso, tirando as sobrancelhas, em nada lembro minha saudosa avó, Dona Carmelita, Mãe de Jacaré, cujas cantigas de ninar nunca saíram dos meus ouvidos.
Se eu contar ninguém acredita, mas ainda luto bravamente contra a vontade de provocar meus netinhos, tal como fazia com meus irmãos menores, quando nem se sabia o que vinha a ser bullying. Resisto o quanto posso para que não se zanguem comigo e se queixem junto à advocacia-geral da união familiar: Magdala, a avó. Senão lá vem aquela conversa moída em meus ouvidos!
Dizem que a infância é a idade das interrogações; a juventude, a das afirmações; e a velhice, a das negações. Pensando bem, não posso negar, minha amiga leitora está coberta de razão. Devo ser portador de TDAH, mas quem não é?