"Em um dia bom, chego a fazer R$ 500,00. Mas tenho que tirar R$ 170,00 só pra gasolina", lamenta um amigo meu, motorista de aplicativo. Esta semana a Petrobras anunciou que a vida dele fica mais dura a partir de agora, quando o preço do combustível sobe 7%.
Ex-bancário, 60 anos, ele é bastante conhecido em hotéis e pousadas nos arredores do Pavilhão do Artesanato, na praia de Sete Coqueiros, em Maceió, onde faz ponto na rua Jangadeiros Alagoanos, no bairro de Pajuçara.
Com a queda do fluxo turístico durante a fase mais aguda da pandemia, viu diminuírem os passeios com interessados em conhecer os 300 km do litoral alagoano, pródigo em praias, lagoas, dunas, além da oferta de uma gastronomia de endoidecer os despreocupados com a circunferência abdominal.
No auge do isolamento, quase nada a fazer, viciou-se na internet. Agora, diz que o excesso de informações que recebe lhe deixa desorientado, com a sensação de que está perdendo tudo aquilo que aprendeu até aqui.
Tento acalmá-lo, argumentando que essa sensação não é só dele. Digo que todos nós consumimos informações em demasia, o que impacta em maior ou menor escala a doidice de cada um. Não por outro motivo, aliás, psiquiatras e psicólogos andam com a agenda apertada até para vídeoconsultas de 20 minutos. E as farmácias seguem velozes e furiosas, encorpando suas carteiras de hipocondríacos fiéis.
Fiz questão de lembrá-lo de que, “em excesso, até água de pote faz mal!”, como dizia Zé do Cavaquinho (1911–1981), compositor e instrumentista virtuoso, boêmio, contador de histórias que viveu na cidade de Viçosa, na Zona da Mata alagoana, dono do bar “Trovador Berrante”, parada frequente do lendário Teotônio Vilela (1917–1983), o Senador das “Diretas Já”.
De tanto receber mensagens sem saber o que de fato é importante ou inadiável (só depois constata que a maioria não passa de lixo), ele suspeita de que a parte do cérebro responsável por suas escolhas começa a vacilar feio.
E diz não saber onde estava com a cabeça quando abriu uma delas, nem mesmo como o seu e-mail fora parar nas mãos da remetente. Talvez descoberto no cartão que distribui com clientes, ressaltando que podem acioná-lo a qualquer hora do dia ou da noite.
Vi o teor da mensagem e concordo com a preocupação dele:
“Olá, …!
Você está sentindo as forças ao seu redor nos últimos tempos?
Grandes mudanças estão acontecendo e você poderá até mesmo alcançar a vida que sonha.
Meus poderes mediúnicos permitem colocar o dedo em suas áreas de bloqueio, naquilo que impede que você avance nesse momento.
Mas as cartas são os maiores mensageiros do seu destino!
Sim, o Tarô de Marselha pode lhe dar todas as respostas que você procura há semanas.
Basta me pedir e eu direi tudo, sem nada pedir em troca.
Não se surpreenda com minha generosidade!
Seus guias me encarregaram de conduzir você ao seu destino em segurança, e levo o pedido deles muito a sério...
Você está tão perto do objetivo!
Diga: Sim, eu quero acessar minha leitura do Tarô de Marselha!
Carinhosamente,
...”
Criado no século XV, o Tarô de Marselha é um dos mais conhecidos baralhos, possuindo elementos medievais em sua simbologia. Praticado no mundo inteiro, inclusive num velho casarão na Ponta Grossa, antigo bairro da capital alagoana às margens da lagoa Mundaú, é composto por 78 peças, cada qual com desenho e significado diferentes. O objetivo é descobrir como encarar o desconhecido de todos os viventes (no geral, de videntes também!): o futuro.
No dia seguinte, ele me procura um tanto misterioso. Acho até que, por trás do risinho enigmático, havia oculta a intenção de fazer uma visita ao estabelecimento para conhecer o jogo de forma mais profunda.
Longe de mim ser desmancha-prazeres, mas em nome de nossa antiga amizade, peço-lhe que releia a mensagem em voz alta e noto que ele se engasga no ponto em que se cogita "colocar o dedo em suas áreas de bloqueio”.
Bate então a dúvida se está lidando com uma taróloga cartomante ou uma amante tarada da Ponta Grossa: “Eu, hein?! Prefiro deixar certas áreas preservadas”, conclui.
E me deixa falando sozinho. Foi atender a uma nova chamada pelo aplicativo, agora que as coisas estão voltando à rotina e, a todo minuto, alguém põe o dedo na ferida, dispondo novas cartas sobre a mesa. Desta vez é a Petrobras.