– Pode ter igual mas duvido que tenha igreja no mundo maior do que essa aí?
Ninguém traduziu de forma tão clara o que Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) quis dizer no poema "Da minha aldeia", no livro “O Guardador de Rebanhos”:
“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.”
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.”
Vendiam aquilo que não consumiam para poder comprar o que não extraíam da terra: açúcar, café, sal, roupas. Lápis, cadernos e livros nunca foram prioridades.
A mesma história de vida de tanta gente. A maioria dos pequenos produtores rurais brasileiros habitavam e desenvolviam suas atividades econômicas em pequenas propriedades, com mão-de-obra familiar.
Essas terras, quase sempre, não dispunham de recursos tecnológicos como máquinas agrícolas, ordenha mecânica, adubos e fertilizantes. Nem tampouco técnicos, como agrônomos e veterinários.
Essas terras, quase sempre, não dispunham de recursos tecnológicos como máquinas agrícolas, ordenha mecânica, adubos e fertilizantes. Nem tampouco técnicos, como agrônomos e veterinários.
Ainda assim, 70% do alimento que abastecia a mesa dos brasileiros vinha desses sítios. Grandes propriedades costumam exportar sua produção, mesmo porque exploram culturas que não participam do "pão nosso" de cada dia-a-dia: algodão, soja, sorgo, dentre outras.
Voltamos ao Tio Olívio. Ele morreu por conta de um câncer de próstata. É provável que não tenha visto necessidade do toque retal que eventualmente algum médico lhe propôs. “Carece disso não, doutor, estou bem. Onde já se viu?!” – pode ter dito.
Deixou um filho, que foi abandonado pela mulher que o pariu – típico caso de "toma que o filho é teu!" – assim que veio ao mundo. Dona Eudócia, minha mãe, acabou cuidando dele, em Alagoas, como se fosse sua décima cria.
Deixou um filho, que foi abandonado pela mulher que o pariu – típico caso de "toma que o filho é teu!" – assim que veio ao mundo. Dona Eudócia, minha mãe, acabou cuidando dele, em Alagoas, como se fosse sua décima cria.
Tia Creuza |
Tia Creuza nunca quis casar nem ter filhos. A vida inteira ajudou aos pais e, em seguida, a Tio Olívio, que assumiu as rédeas do Sítio Jacaré. Vive agora um tanto solitária, nem alegre nem triste. Para ela, Deus quis que seu inseparável irmão fosse primeiro.
Tios Olívio e Creuza nunca precisaram de paletó, gravata ou tailleur para conseguir o suficiente para sobreviver em paz. Nunca dormiram preocupados com o fechamento do balancete no final do dia ou com a reunião das nove da manhã seguinte. Nem mascaravam sentimentos para agradar ninguém.
Ao refletir sobre tudo isso, penso que minha vida poderia ter sido mais simples. Eu deveria ter me inspirado mais do jeito de ser de meus tios todas as vezes em que desejei ter mais do que aquilo que me bastava. Ou quando quis algum poder a mais do que tive, na falsa ilusão de que faria meu trabalho melhor do que fiz.
E se fosse diferente, teria sido melhor? Nunca se sabe. Desde que não me faltassem bom plano de saúde, sólido fundo de aposentadoria, ar condicionado na hora de dormir, notebook, livros e, acima de tudo, netos para me convencerem de que ainda estarei por aqui depois que a "festa" acabar.
"...Temos, todos que vivemos,
uma vida que é vivida
e outra vida que é pensada.
E a única vida que temosé essa que é dividida
entre a verdadeira e a errada..."
(Fernando Pessoa)