Na última quinta-feira, enquanto tentava acompanhar uma aula por videoconferência, recebi de meu amigo, o espirituoso jornalista e escritor Francicarlos Diniz, uma mensagem enigmática:
– Vai render pano pra manga. Ou melhor, banana...
– A preço de banana? – devolvi, brincando, mesmo sem entender aonde ele queria chegar.
– De bananada... – ele retrucou.
– Aí pode embananar tudo... – insisti, esperando o troco.
– E ainda dizem que nós é que somos a República das Bananas...
Achei que ele falava da coleção Diário de um Banana, que acaba de chegar ao 19º livro, Baita Lambança. A série, escrita por Jeff Kinney, já vendeu mais de 290 milhões de exemplares em 70 idiomas. Mas não: Francicarlos se referia a outra “banana” que dominava as manchetes.
Uma obra de arte – com o perdão da palavra! – composta por uma simples banana presa à parede com fita adesiva foi vendida por absurdos US$ 6,2 milhões (cerca de R$ 35 milhões). O comprador foi Justin Sun, magnata das criptomoedas. A peça, intitulada Comediante, do italiano Maurizio Cattelan, reacende a velha questão: afinal, o que é arte?
A banana, que já havia causado furor na Art Basel de Miami em 2019, repetiu o feito na Sotheby’s de Nova York, onde, após lances frenéticos, superou a estimativa inicial de US$ 1,5 milhão. Justin Sun, além de pagar em criptomoeda, ainda herdou a obrigação de substituir a banana quando ela apodrecer. Para ele, porém, não era só uma fruta pendurada: “É um fenômeno cultural que une arte, memes e a comunidade cripto”, declarou, como quem descascava uma verdade universal.
A ironia não passou despercebida. Especialistas compararam a peça a Autorretrato, de Banksy, e à provocação histórica de Marcel Duchamp, com sua Fonte – o icônico urinol de 1917. Foi aí que Francicarlos, implacável, disparou mais uma: "Esse Duchamp, que de banana não tinha nada, começou com essa macacada.
Ilustração: mosaico de obras de Catellan, Banksy e Duchamp |
De fato, Duchamp inaugurou o ready-made, transformando objetos comuns em arte e confundindo os limites do que pode ser exposto. Décadas depois, Andy Warhol imortalizaria a banana como ícone da arte pop, estampada no álbum inaugural da banda The Velvet Underground. E agora, Cattelan estica ainda mais essa corda, pendurando uma obra absurdamente simples e milionária.
Enquanto pensava nisso, lembrei de Bienal, a canção de Zeca Baleiro que satiriza o mundo da arte contemporânea com versos como “fios de pentelho de um velho armênio” e “asa de barata torta”. É o retrato ácido de um elitismo artístico que aliena o público comum – aquele que, como a mãe do narrador da música, exclama: "Meu filho, isso é mais estranho que o cu da gia e muito mais feio que um hipopótamo insone". Noutras palavras: é arte ou macacada?
Recordei também um episódio com meu amigo Anchieta, cearense de língua afiada, numa exposição no CCBB, em Brasília. Ele ficou cara a cara com cilindros metálicos pintados de vermelho que ostentavam uma etiqueta de obra de arte. Olhou para mim e cochichou: "Tá parecendo o tonel enferrujado em que a gente guardava água lá no quintal de casa, quando chovia no Ceará".
Voltei à aula, mas Francicarlos, certeiro, lançou uma última farpa antes de desaparecer: "Agora preste atenção à aula que o bedel tá de olho em você!".
Acatei o conselho, mas entre bananas milionárias e velhos amigos – não os comparo, que fique claro! –, tento decifrar o mundo de hoje que temos pro jantar. Só me falta aparecer alguém, inspirado em Zeca Baleiro, para “misturar anáguas de viúva com tampinhas de pepsi e fanta uva num penico com água da última chuva...”
Arte ou macacada? Talvez o verdadeiro espetáculo esteja em nos fazer rir do absurdo, mesmo que, no fundo, o riso seja de nós mesmos. Entre criptomoedas e valores intangíveis, penso até no camburão que deveria estar na porta da Sotheby’s, de Nova York, não para prender os lances da imaginação, mas os exageros da lógica. Mas tudo leva a crer que dinheiro cai do céu para essa turma!
Desde a última quinta-feira, todas as manhãs, quando acordo, enquanto olho o espelho do banheiro, tento decifrar o que passa na cabeça do velho ranzinza que me encara. Seria ele um ready-made ou apenas mais uma peça deslocada numa paisagem modernosa?
Na corda bamba, lá vamos todos nós, entre a genialidade e o absurdo, pendurados como bananas numa galeria que insiste em chamar de arte aquilo que só reflete a loucura deste admirável mundo contemporâneo.