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Mostrando postagens de setembro, 2020

Confissões perigosas

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Apesar de Trump, os Estados Unidos continuam sendo o principal destino dos brasileiros que vão morar fora do país, por conta de oportunidades de emprego, segurança, qualidade e estilo de vida. Um milhão e meio deles vivem por lá, dos quais metade em quatro estados: Flórida, Califórnia, Massachusetts e Nova Jersey. Trezentos mil moram próximos a Boston, capital do estado de Massachusetts, em cidadezinhas como Everett e Framinnghan. É lá que vive há mais de uma década Valéria Sweet, uma mineira de Caratinga, dos cabelos cacheados, olhos pretos e miúdos, que criou um negócio interessante.   Ela sabe que cada povo tem um jeito todo próprio de encarar a vida e de se relacionar com a morte.  Aqui, por exemplo, afora Zeca Pagodinho e família, não é costume organizar uma reunião, com buffet e tudo, para receber as pessoas que forem ao enterro. No Brasil,  os velórios, geralmente, acontecem na capela do cemitério e o tempo para preparação do corpo é de, no máximo, 24 horas após a mort

Mestres por acaso

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Jurandir nunca foi de rascunhar. Apenas franzia a testa, limpava os óculos, punha o papel na máquina e preparava cartas, memorandos e fichas cadastrais irretocáveis. Para mim, que aos vinte e poucos anos a tudo assistia com olhos e ouvidos abertos para o espetáculo de um novo mundo, aquilo explicava a correspondência regular que ele mantinha com um certo Drummond, como se fosse a coisa mais natural ser íntimo do itabirano autor de  Poema de Sete Faces , mesmo vivendo a milhares de quilômetros. Seis anos mais novo que eu, o filho de Jurandir (Jurandir Neto) nascera num 16 de setembro, mesma data em que veio ao mundo Rita de Cássia, herdeira de Maerbal. Vez por outra os pais lembravam essa coincidência cósmica que apertou ainda mais os cadarços da amizade que lhes unia. Maerbal, por sinal, perito de balanços, conciliava o amor pelo ofício bancário com outra paixão bem resolvida: transmitir o que sabia a estudantes universitários, como eu, de contabilidade, economia e administra

Santo remédio

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De cara fechada, sem batom, uma das ascensoristas do templo bancário da Cidade Baixa, onde trabalhavam mais de 500 pessoas, pilotava o seu elevador com a preguiça das segundas-feiras quando Rivaldo meteu a mão no bolso do paletó e lhe ofereceu um punhado de confeitos: — Pegue, moça, chupe! — Por quê? — É um santo remédio. Nunca vi ninguém triste chupando confeitos. Ele chegara à Bahia em junho de 1992, vindo do Recife. Voltava ao Banco do Brasil depois de um período cedido ao governo de Pernambuco em que ocupou a diretoria de RH do extinto Bandepe . Casado com Bárbara, analista de projetos da Sudene , formavam um casal bem humorado e carinhoso com filhos e amigos. Na semana anterior,  um puxa-saco escolado que havia na área, ao  saber de sua origem sergipana e por ser freguês de um restaurante no Dique do Tororó que servia um cabrito guisado com aipim e farofa d'água de comer com os olhos a meio pau, alisava as pontas do bigodão ao indagar:  — Chefe, você gosta de

Chance, martírio e toalha

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Logo após a  Copa do Mundo  de 1970, no México, quando o Brasil conquistou em definitivo a taça  Jules Rimet , surgiu no  Centro Sportivo Alagoano (CSA)  um ponta-esquerda driblador, raçudo e veloz, um verdadeiro azougue para seus adversários. Chamava-se Ricardo. Na época, um cartola do  Esporte Clube Bahia  conseguiu convencer a diretoria do clube alagoano a levar o garoto para realizar testes em Salvador antes de decidir por sua contratação. No primeiro treino na Fazendinha – antigo centro de treinamentos no bairro da Pituba, em Salvador –, Ricardo, aos 18 anos, rendeu bem acima do esperado contra os titulares do  Tricolor de Aço , que contava com estrelas regionais como Picasso, Aguiar, Sapatão, Roberto Rebouças, Baiaco, entre outras. A conversa então se deu ali mesmo, à beira do campo: – Bom, Ricardo, você tem futuro   – disse o cartola, tentando mascarar o entusiasmo para não comprometer a proposta salarial a ser feita –, mas ainda é muito verde para jogar num clu

A sacanagem de Jobim com João

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Nada de maestro, compositor, pianista, cantor ou arranjador musical. Nem um dos criadores da  Bossa Nova . O Jobim a quem me refiro era caixa do  Banco do Brasil  nos anos 70, na agência de Maceió. Cara de areia mijada, óculos na ponta do nariz, timbre de voz grave, ele contava cédulas mordendo a língua. Vivia a pregar peças e a perturbar o juízo das mais variadas pessoas e ninguém sabia ao certo quando falava sério ou de brincadeira. Certa vez, ao atender a um cliente que sacava alta quantia em dinheiro, de propósito ele trouxe um dos pacotes cintados de 100 cédulas com duas notas a menos e aproximou-se com o maço desfalcado na palma da mão, balançando, como se estivesse “pesando a mercadoria”: — Sei não... Deve tá faltando duas cédulas... — Então, conte o dinheiro, rapaz! — propôs o cliente. Jobim simulou contar, recontar e, confirmada a falta, completou o pacote com duas cédulas retiradas da gaveta do caixa. O cliente arregalou os olhos e saiu dali impressionado, a