quarta-feira, 27 de abril de 2022

Um dia, quem sabe…

Nenhum vidente previu que José Sarney, em 1985, assumiria a presidência da República no lugar de Tancredo Neves, eleito indiretamente, pelo Colégio Eleitoral, para o primeiro governo civil depois de 21 anos de ditadura militar. 

Predizer o futuro, além de soar pleonástico, até pode render livros e filmes, mas, do ponto de vista prático, é tiro no escuro com boa dose de frustração quando o presente dá as caras. Já se disse, aliás, que, no Brasil, até o passado é imprevisível.


Tudo bem, os dados que se tem no presente dão alguma leitura do passado para identificar padrões de ocorrências futuras. A medicina trabalha assim. Quando se diz que este ano mais de 250 mil brasileiros irão morrer por doenças cardiovasculares, não se trata de previsão, mas de projeção (para cujo acerto, por sinal, não pretendo contribuir). É, pois, constatação com base em evidências e dados históricos.

 

Se alguém tivesse antecipado que Tancredo Neves morreria em 21 de abril de 1985, aos 75 anos, por conta de uma complicação cirúrgica (infecção generalizada) antes da posse, isto sim teria sido uma previsão específica do futuro. O resto é miolo de pote. 

 

No livro “O andar do bêbado”, o autor Leonard Mlodinow explica que “a existência de roletas é uma boa demonstração de que não existem médiuns legítimos, pois em Monte Carlo, se apostarmos US$ 1 em um compartimento e a bolinha cair ali, a casa nos pagará US$ 35 (além do valor que apostamos). Se os médiuns realmente existissem, nós os veríamos em lugares assim, rindo, dançando e descendo a rua com carrinhos de mão cheios de dinheiro...”. 

 


Olhar para o céu e contar que os astros digam como será a próxima semana ou o mês que vem não faz o menor sentido. Mas é característica humana acreditar que dá pra saber o que vai acontecer. É quase irresistível tentar adivinhar o que existe na próxima esquina, embora não se saiba o nome do vizinho.

 

Não sou vidente, mas posso antever, a menos de seis meses da escolha, que o Brasil deve eleger em outubro não o melhor ou o mais bem preparado candidato à presidência da República, mas o menos odiado pelos eleitores. Isto é, o ódio – esse impulso que leva ao mal que se faz ou se deseja a outrem, que embrulha no mesmo pacote antipatia, rancor e repugnância –, mesmo em menor dose, definirá o vencedor. 

 

Os dois principais candidatos ao cargo amargam dura  rejeição do eleitorado: um, acima de 50%; o outro, mais de 40%. Ambos são detestados. E nem se sujeitaram ainda à artilharia pesada que vem por aí, numa guerra onde os dois cordões de soldados só enxergam pela frente inimigos a serem abatidos a mentiras, tapas e pontapés (para dizer o mínimo!). 

 

O ungido por uma margem estreita de votos falará em governar para todos, mas sabe que terá contra si o ódio (ou a indiferença, o que é pior) de pelo menos 70 milhões de almas inconformadas. E não poderá esquecer da lição que Tancredo Neves aprendeu com o ex-presidente Getúlio Vargas: “No Brasil, não basta vencer a eleição; é preciso ganhar a posse!”.

 

Já tomei uma decisão: votarei no candidato que assumir publicamente que vai tentar arrancar pela raiz o mal que nos aflige, isto é, lutar pela troca do presidencialismo pelo parlamentarismo ao fim do mandato.

 

Pode-se argumentar que, há 20 anos, o brasileiro já disse não ao parlamentarismo em plebiscito. Mas será que sabia realmente a diferença entre um regime e outro? O que diria agora se soubesse mais sobre o assunto e fosse consultado de novo?

 

Cultua-se por estas bandas a figura mítica do herói capaz de mudar os rumos da nação da noite para o dia. Isso explica a preferência pelo regime presidencial, mesmo reconhecendo que o nosso sistema de coalizão pode ser batizado como “farinha pouca, meu pirão primeiro!”

 

É preciso aprender que no parlamentarismo desaparece a dicotomia Executivo-Legislativo. Ambos serão um só. O povo não vai escolher o presidente, mas votará para escolher qual partido comandará o país. Se o processo eleitoral não resultar em maioria, o partido líder nas eleições precisará montar uma coalizão com outros menores para alcançar pelo menos 50,1%. 

 

Aprender também que o parlamentarismo dilui o poder dos líderes. O primeiro-ministro não será o todo-poderoso como acontece com o chefe do Executivo no sistema presidencialista. Ele governará com o partido. Necessitará do apoio dos outros ministros e parlamentares, inclusive para combater outra grave doença: a obstrução de pautas importantes por parte da oposição, querendo apenas provocar o colapso na vida do governante de plantão. 

 

Aprender ainda que, tirando os Estados Unidos, a maioria dos países desenvolvidos (Dinamarca, Noruega, Suíça, Suécia, Holanda, Canadá, Japão, Austrália etc.) adota o sistema parlamentar, onde não sabe nem como se chama o primeiro-ministro. 

 

Quem estaria no caminho certo? Quem tiver a curiosidade de ler sobre índices de desenvolvimento humano e histórico de estabilidade política e econômica, verá que a resposta é fácil. Extremamente fácil! 

 

Um dia, quem sabe, a gente aprende a ser uma nação.

quarta-feira, 20 de abril de 2022

As borboletas podem

Quem pensa que uma infância feliz é aquela que segue a liturgia politicamente correta dos dias de hoje está enganado. Essa coisa de pai e mãe que dialogam, perguntam pelas tarefas escolares, dão abraços e beijos, dizem aos amigos que os filhos são inteligentes, lindos e maravilhosos, deve ser interessante, mas nunca experimentei desse doce. 

 

Como nunca o provei, não posso dizer que sinto falta. Ninguém sente falta do que não provou. Quando criança, não me lembro se algum dia recebi um beijo de minha mãe ou de meu pai, ainda que me amassem – nunca duvidei disso! – e não me deixassem nada faltar. Éramos felizes mesmo assim.

 

Puxando pela memória, tia Creuza, linda e magrinha como uma borboleta, foi a primeira pessoa da família que me fez um carinho mais explícito: um abraço apertado e um cheiro no cocuruto numa das vezes em que meus pais visitaram o sítio Jacaré, no Agreste paraibano, onde ela morava com meus avós maternos. 

 



Tia Creuza, que nunca quis namorar, casar nem ter filhos, tida por alguns como esquisita porque sempre viveu no sítio Jacaré, onde tataravós, trisavós, bisavós, avós e pais nasceram e se criaram; plantavam frutas, legumes e verduras; engordavam novilhas e porcos e criavam galinhas e guinés.

 

Desde novinha, sempre quis ser como o velho pai Zé de Brito Jurema e o irmão mais velho, tio Olívio, inclusive no trajar, no uso de cigarro de fumo de rolo e no lidar com o cabo da enxada e da foice, por mais que a mãe insistisse para que ela ficasse em casa com as irmãs mais velhas. 

Sob a orientação do pai, ela e o irmão vendiam aquilo que a família não consumia para poder comprar o que não conseguiam extrair da terra: açúcar, café, sal, roupas, essas coisas. Cadernos, lápis e livros nunca foram importantes para eles.

 

Se livros nunca foram importantes, tia Creuza nunca leu Kundera, para quem "ter um filho é como dizer: nasci, apreciei a vida e constatei que ela é tão boa que merece ser repetida". Ou Millôr, que disse que "pais e filhos não foram feitos para ser amigos, mas para ser pais e filhos". Que "metade da vida é estragada pelos pais; a outra metade, pelos filhos". 

 

Também nunca ouviu falar de Shakespeare, que afirmou que "o casamento faz de duas pessoas uma só: difícil é determinar qual será". Ou Fleming, para quem "na maioria dos casamentos as pessoas não se juntam; elas se subtraem". Ou ainda Nietzsche, que garantia que "o casamento transforma muitas loucuras curtas numa longa estupidez".

 

Por ser a mais nova das filhas de meus avós, ao ver mais tarde o exemplo de algumas irmãs, viu que o casamento era uma espécie de propina para fazer com que uma empregada doméstica pensasse que era dona de casa.

 

Pode ter notado também o tanto de homens e mulheres que fazem do casamento apenas uma oportunidade de trair, às vezes na base do “chifre trocado não fura”, porque não aprendem a enfrentar o monstro voraz que, se nada for feito, a tudo engole: a rotina.

 

Li outro dia em algum lugar que a reprodução de animais de maneira assexuada, conhecida como partenogênese (“partos virgens”) é algo comum na natureza, sendo inclusive a forma de reprodução de algumas cobras e lagartos. Não é o caso de tia Creuza, que apenas optou por firmar um pacto com a solidão e não dá sinais de arrependimento.  

 

Mesmo solteira e sem filhos, como não era chegada a cadernos, lápis e livros, não se submeteu a patrões privados ou públicos, tendo que se maquiar e se vestir como a maioria das mulheres. Livrou-se do ansiolítico da moda, de acordar preocupada com a reunião das nove ou se Wall Street reagiu mal à ata do último encontro do Federal Reserve, repercutindo no fechamento da Bolsa de Valores (seja lá o que isso signifique para a maioria dos seres vivos!).

 


Há três anos esteve aqui em Maceió, onde fez tratamento médico, reviu a irmã (minha mãe) e seus sobrinhos. Num domingo, comoveu-se quando lhe dei uma blusa de mangas compridas e um boné amarelo onde estava bordada uma logomarca azul muito conhecida dos brasileiros que vivem no campo. 

Naquele instante, eu poderia ter retribuído o abraço apertado e o cheiro no cocuruto que ganhei quando criança, mas fiquei constrangido. Falta de costume. 
 

A minha vida mudou, eu sei. Tia Creuza já completou 80 outubros. Aposentada, mora sozinha na cidade em que eu nasci – Itabaiana, na Paraíba – numa casa cedida por outro sobrinho muito querido, que não lhe deixa nada faltar.  

 


Parece feliz quando pedala sua bicicleta para cima e para baixo, todo fim de tarde, olhando as coisas miúdas que encontra pelo caminho, como se carregasse na garupa a alma de um certo 
poeta pantaneiro a lhe sussurrar: sim, é verdade, "as borboletas podem pousar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas".

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Tá duro de aguentar

Quem já passou dos 50, como eu, deve lembrar de “General”, personagem do humorístico “Viva o Gordo”, criado por Jô Soares e exibido pela TV na década de 80. 


Amigo do então presidente Figueiredo, “General” literalmente teria caído do cavalo e passou seis anos em coma. Ao acordar, conectado a um respirador artificial, descobriu que já não havia ditadura e que seu colega milico não mais ocupava a presidência. Pior: quem agora se sentava na poltrona era o bigodudo Zé Sarney, um reles civil. "General" ficava louco toda vez que era contrariado pela realidade dos fatos: “Me tira o tubo! Me tira o tubo!” 

 

Todos nós, viciados em futebol, estamos prestes a reagir como o inconformado militar de Jô Soares. Melhor a morte do que aguentar o que vemos. Ou buscar algo que nos poupe de AVC ou infarto fulminante, tipo: dama, dominó, gamão, porrinha etc.

 

Para Graciliano Ramos (em “Traços a esmo”, crônica publicada do começo do século passado), aliás, o Brasil nem deveria ter introduzido o futebol por aqui. “Reabilitem os esportes regionais que aí estão abandonados: o porrete, o cachação, a queda de braço, a corrida a pé (tão útil a um cidadão que se dedica ao arriscado ofício de furtar galinhas), a pega de bois, o salto, a cavalhada, e, melhor que tudo, o cambapé, a rasteira... Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros...”

  

Sim, reconheço que ando irascível. Tenho motivos e se abro o jogo aqui é para que vocês não creditem minha implicância à rabugice da idade ou à cruz (de malta) que carrego sobre os ombros.

 


Não se trata do futebol em si, mas de uma penca de situações que refletem o caráter nacional, a cultura de um povo que era tido como alegre, cordato, inteligente e solidário. Vejam:

1 – Goleiro que insiste em fazer “cera”, mesmo após ser advertido, certo de que o árbitro não irá expulsá-lo nem acrescentará o tempo perdido.

2 – Atacante que pressiona o zagueiro adversário pelas costas, na linha de fundo ou lateral, mesmo sabendo que ele simulará falta e o juiz, fingindo-se enganado, apitará.

3 – Treinador que cobra maior “pegada” de quem atua, a cada três dias, viajando de lá para cá num gigantesco e tórrido país tropical.

4 – Atleta atingido pela mão do adversário (na altura do peito) que cai, rola, estrebucha, como se tivesse sido agredido no rosto e quebrado o nariz e dois dentes incisivos.

5 – Técnico que reclama o tempo inteiro da arbitragem junto ao 4º árbitro, como se isso “sensibilizasse” o juiz principal para sua causa.

6 – Jogador em impedimento que finaliza um ataque e, ao ser advertido, diz que não ouviu o apito.

7 – Comentarista de TV, que nunca amorteceu uma bola no peito, tirando conclusões “geniais”: “Tá faltando o último passe” ou “ganhou porque aproveitou melhor as chances que teve”.

8 – Árbitro que, alegando que houve simulação, adverte jogador que realmente sofreu falta.

9 – Ex-atleta, hoje comentarista de TV, sugerindo que “o time toque mais a bola" ou "jogue pelas pontas”. 

10 – Jogador que celebra gol com os dedos apontados para o céu, como se Deus vestisse a camisa de seu clube.

11 – Atleta que, no último minuto do jogo, com seu time perdendo, bate falta na barreira ou distante da meta adversária.

12 – Ex-árbitro, agora comentarista de TV, que não reconhece o cochilo na análise de um lance e, após o “replay”, tenta convencer daquilo que só ele teria visto.

13 – Jogador que, nos acréscimos do tempo regulamentar, comemora gol cobrando silêncio dos torcedores.

14 – Torcidas (ou facções) organizadas de clubes em má fase, invadindo centros de treinamento e ameaçando atletas e comissão técnica, para dar um “sacode” no grupo.  

15 – Justiça desportiva que não determina o liminar banimento do futebol de agressores de árbitros, sobretudo quando a vítima é do sexo feminino. 


Chega! Já defendi até a extinção da regra mais difícil de ser aplicada: a do impedimento. Mudei. Seria chato ver um “poste” grudado no goleiro adversário durante toda a partida. O ideal seria que a regra valesse apenas a partir de linhas intermediárias, a serem demarcadas entre as linhas de fundo e divisória do campo. 


 

Quanto a outro foco crônico de chatice, o Árbitro Assistente de Vídeo (VAR, em inglês), reconheço: é a credibilidade do esporte que está em jogo. O problema não é a ferramenta. É quem está dentro de campo com um apito na boca, quando falta coragem para decidir sobre o que viu a poucos metros de distância. 

 

Penso que deveria ficar a cargo dos treinadores, como no vôlei, a prerrogativa de acionar o olho eletrônico. Cada time teria o direito de acionar o VAR por duas vezes a cada tempo. 


Deve ser afrodisíaco o poder de deixar meio mundo de gente em transe, por alguns minutos, enquanto, sob os holofotes da mídia, decide se mexe ou não no curso natural da história.

 

Tá duro de aguentar. Mas se o Vasco voltar a ser Vasco (mesmo vice-campeão, como o Flamengo, ultimamente), juro que tiro de letra minha rabugice. Se não, é melhor tirar o tubo.  

quarta-feira, 6 de abril de 2022

A evolução dos parvos

Para mim, o grande acontecimento no primeiro quarto deste século 21 tem sido a evolução espantosa e fatal dos parvos. Nelson Rodrigues bem que avisou que “subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”, mas a tecnologia tem ajudado a acelerar o processo.

 

Você, leitora amiga, sabia que é possível postar nas redes sociais um vídeo cantando com a mesma categoria de Elis Regina ou Marisa Monte? Você, meu caro leitor, sabia que pode ser visto dançando como John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite, apesar da pança e das dores nas articulações?

 

É simples. O truque que permite simular algo assim pode parecer complicado, mas não é. Basta, por exemplo, extrair de plataformas como o Youtube gravação de voz e filmagem de movimentos naturais, inclusive trejeitos, para se criar uma realidade alternativa capaz de deixar qualquer um de queixo caído.

 

Esse tipo de manipulação, com a ajuda tecnológica da chamada Inteligência Artificial (quando computadores são programados para imitar o comportamento humano), é conhecido por deepfake, termo que descreve arquivos de áudio e vídeo criados num “aprendizado de máquinas”. 

 

O potencial de maldades e trapaças é incrível. Qualquer deepfake que se possa imaginar é possível ser feito, com troca ou retoques faciais, clonagem de voz (“copiada” para dizer outras coisas), sincronização labial (quando a boca de alguém falando pode ser ajustada a uma faixa de áudio diferente) e outras artimanhas que até um semianalfabeto digital aprende com facilidade.   

 


Corpos também podem ser criados como avatares. Com essa tecnologia, mesmo algumas figuras históricas que já se foram para outro plano podem ser trazidas de volta para aprontar mais algumas antes de arderem de vez nos quintos dos infernos. 

 

Funciona assim: um computador consulta outro se o clone que ele acaba de “criar”, a partir de você, é bom o suficiente, comparando-o com o “material” original. Sacoleja os braços e move as pernas do mesmo jeito? A voz é igual, inclusive os vícios de linguagem? A expressão facial é parecida? Os tiques nervosos? E a coisa vai se aprimorando a cada nova versão até o “criador” ficar satisfeito com a “criatura”.

 

O impacto disso pode ser devastador, sobretudo no campo político (ou pornográfico, sem querer ser redundante), onde vira e mexe imagens falsas são veiculadas nas redes sociais e causam danos terríveis às vítimas, desde raposas felpudas até os mais vulneráveis, como crianças e idosos.

 

Descobrir traços imperfeitos nesse tipo de mídia manipulada constitui um desafio, mas podem ser identificados procurando-se “saltos” bruscos no vídeo, mudança na entonação da voz, baixa qualidade do áudio, membros com formas desproporcionais, essas coisas.

 

E não precisa ser expert no tema para distinguir o que é verdadeiro do que é falso. Quando um vídeo lhe parecer suspeito, experimente diminuir a velocidade, reveja uma ou duas vezes e se pergunte: isso pode ser real? É natural que aconteça? 

 

Em seguida, veja se encontra o enredo do “filme” em fontes alternativas confiáveis. Uma breve pesquisa lhe dirá se você está diante de algo verdadeiro ou falso. Se houver outra versão, compare. Enfim, se desconfiar de um vídeo (ou de uma imagem), lembre-se de que o velho e sábio Google ajuda muito.

 

O importante é você saber que a maior ameaça dos deepfakes está na forma de lidar com ele. Conectada 24 horas por dia, a sociedade vem se empanturrando desses monstrengos virtuais e quase sempre aquilo que passa adiante (por inocência ou má-fé; mas sempre ávida por isso!) é narrativa mentirosa. 

 

A desinformação, aliás, objetiva justamente espalhar dúvidas, reforçar crendices ou se opor de forma antidemocrática a outras ideias. E numa nação onde a maior parte das pessoas (inclusive pertencentes às castas dominantes) não lembra nem do título do último livro que leu, pouca gente se dá ao trabalho de verificar se imagens e sons foram retirados de contexto, editados ou encenados. Especialmente se o que viu reforça seus credos. 


Pior que tudo: algumas figuras desonestas tiram proveito desse ambiente saturado de ignorância e obscurantismo. A mera existência dessa tecnologia lhes faz jurar de pés juntos que tudo o que disseram é falsificação. "O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém" (Shakespeare).

 

Você deve lembrar de um ex-presidente norte-americano que alegou ser “uma farsa” – ainda que, anos antes, tenha se desculpado pelo vacilo – a gravação na qual, referindo-se às mulheres, diz: “...eu sou atraído pela beleza... Simplesmente começo a beijá-las. É como um imã. Simplesmente beijo… E quando você é famoso, elas deixam você fazer isso. Você pode fazer qualquer coisa”.

 

Ufa! Ainda bem que não temos por aqui esse tipo de gente, capaz de tudo. Poderia querer se aproveitar da evolução espantosa e fatal dos parvos para atingir objetivos nada republicanos.