Era filho de um fisioterapeuta da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), no Rio de Janeiro, instituição que cuida de pacientes neurológicos. Nos anos 70, entre sete e oito anos de idade, várias vezes o menino acompanhou o pai no trabalho e vibrava muito a cada recuperação, convencido de que aquilo também era obra de seu pensamento positivo. Nasceu para ser médico, diziam.
Houve uma festa junina na ABBR e seu pai o levou de novo. Lá encontrou o famoso jogador de futebol Francisco das Chagas Marinho, ou simplesmente Marinho, o lateral-esquerdo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, a distribuir abraços e sorrisos, vestindo a camisa de seu clube, o Botafogo.
Houve uma festa junina na ABBR e seu pai o levou de novo. Lá encontrou o famoso jogador de futebol Francisco das Chagas Marinho, ou simplesmente Marinho, o lateral-esquerdo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, a distribuir abraços e sorrisos, vestindo a camisa de seu clube, o Botafogo.
– Por que você não vai jogar no Fluzão?
– Vamos ver...
– Jura?
– Vou pensar.
– Vai mesmo?
– Prometo. Me dê um abraço...
O menino sonhava ver o craque no clube de coração de seu pai. Dele também, claro, ambos obcecados pelo Fluminense, que já contava com um dos melhores elencos do futebol brasileiro, com astros da grandeza de Rivellino, Paulo César Caju, Carlos Alberto Torres, Doval e Dirceu.
A paixão pelo tricolor do bairro de Laranjeiras vinha de longe. Enganchado nas costas do pai, o filho subiu e desceu muitas vezes a rampa de acesso às arquibancadas do Maracanã no mormaço das tardes de domingo, vestido a caráter: boné, camiseta, calção, meiões e chuteiras.
Era como se em nome do pai, do filho e do espírito nada santo de Nélson Rodrigues, os deuses do futebol atestassem de papel passado, com firma reconhecida, que “ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico do qual não se pode – e nem se deseja – fugir".
Na época, Marinho também não passava de um meninão. Certo dia, ao encontrar num boteco em Copacabana, por acaso, um conhecido tricolor, ingenuamente achou de pedir ao cantor e compositor para tocar alguma coisa. Chico Buarque, gozador, mexeu com a fera: "só toco se você fizer 200 embaixadinhas". Com uma laranja nos pés, o craque botafoguense fez bem mais e, ressentido com a troça do poeta, fez biquinho: "precisa cantar mais não. Você canta mal pra...”.
No auge da carreira, Marinho, com seus petardos de fora da área, fazia por merecer a cintilante metáfora do lendário locutor de rádio Waldir Amaral ao narrar gols do alvinegro: “...brilha no céu da Guanabara a estrela solitária do Botafogo!”.
Virou pop star. Chegou a gravar um clip para o Fantástico, da TV Globo, cantando Eu sou assim. Também participou de O Homem de Seis Milhões de Cruzeiros Contra as Panteras, filme cujo enredo era o seu sequestro às vésperas de uma partida de futebol. Libertado, o herói chegaria ao Maracanã a tempo de jogar a segunda etapa e marcar o gol da vitória.
No final de 1976, Francisco Horta, o então presidente do Fluminense, que também queria a todo custo vê-lo atuando com a camisa tricolor, pagou caro mas conseguiu. Entretanto, para ceder sua estrela, o Botafogo exigiu em troca (e obteve) nada menos que Paulo César Caju, Gil e Rodrigues Neto, três jogadores com passagem pela Seleção Brasileira.
Sem parceiros à altura em seu novo time, Marinho não rendeu o que dele se esperava. Acabou migrando no ano seguinte para o futebol norte-americano. Peregrinou ainda por vários clubes até encerrar a carreira de forma melancólica num modesto clube alemão, aos 35 anos, quando já enfrentava problemas sérios com álcool e drogas.
Quase três décadas depois, o ex-atleta sentiu-se mal enquanto trocava figurinhas na banca de revistas de um shopping center, poucos dias antes da Copa do Mundo 2014, no Brasil. Naquela noite, brilharia no céu potiguar da praia de Ponta Negra mais uma estrela, não mais solitária como cintilava na baía de Guanabara dos anos 70.
No dia seguinte, no Rio, um meninão grisalho lamentou, junto ao velho pai, não estar por perto para tentar adiar o último tombo do herói e lhe permitir mais alguns lances na segunda etapa do jogo da vida.
Seu coração insistia em lhe dizer que Marinho só trocou o Botafogo pelo Fluminense por conta daquele pedido no São João de 1976.