Na última cena do documentário “Vinicius” (2005), de Miguel Faria Jr., brilhante reconstituição da vida e da trajetória artística do poeta, compositor e diplomata Vinicius de Moraes, seu amigo Chico Buarque gargalha alto ao lembrar de comentário feito pelo Poetinha sobre como gostaria de reencarnar: “Do mesmo jeito que sou, levando a mesma vida, mas com um pinto um pouco maior!”.
Gaiatice pura numa conversa pra lá de etílica entre gênios. Ambos, certamente, sabiam que o tamanho padrão do pinto (quando pronto para ciscar, dizem os especialistas no tema, varia de 10 a 16 cm) nunca foi nem será decisivo para a apoteose dos prazeres. “Todo o corpo é um órgão sexual, com exceção talvez das clavículas”, garante Verissimo, outro gênio.
Pois bem. Notícia recente sobre as sequelas a longo prazo da covid-19, veiculada no MedRXiv (site que distribui versões preliminares de artigos sobre ciências da saúde), diz que a doença pode diminuir o tamanho do pênis. O trabalho investigou as consequências que o vírus pode deixar no corpo das pessoas e foi conduzido com mais de 3 mil pacientes de 56 países. Além de 3% dos homens terem relatado diminuição no tamanho de seu órgão genital, 15% deles relataram algum tipo de disfunção sexual e 11% discorreram sobre dor nos testículos.
Nestes tempos viróticos em que praticamente perdemos o direito de nos sentarmos à mesa de um bar, sem risco de contágio, para discutir possíveis soluções para os problemas da cidade, do país ou das mudanças climáticas que aceleram a extinção de todas as espécies vivas, resolvi ouvir a opinião de alguns amigos sobre o assunto, via WhatsApp.
O primeiro deles mostrou-se preocupado ao dizer que “Não sabia que a doença pode causar invisibilidade”. Outro, não menos moleque, fingiu espanto: “Ah, não! Era só o que me faltava!”. O terceiro, delirou legal: “Pois é... ficar reduzido a 20 cm vai ser de lascar...” O quarto, foi mais prospectivo: “Já tô imunizado, então... É o fim da picada!”. Desisti. Ninguém leva a sério mesmo a pesquisa científica por aqui, a começar pelos caciques e pajés encastelados nos poderes constituídos na Ilha de Vera Cruz, terra abençoada e bonita por natureza.
Pilhéria à parte, para mim a notícia pode ser uma lamparina a clarear a escuridão em que mergulhada parte dos habitantes da Ilha, que diz não pretender vacinar-se. Egoísta, para não dizer outra coisa, essa turma sabe que não haverá imunidade coletiva ao vírus até que a porcentagem de vacinados atinja no mínimo 70% dos indivíduos. Mas precisamos ser realistas: é querer demais exigir que um exército de mamulengos veja o mundo de uma forma que sua ignorância não permite compreender.
Mamulengo, para quem não recorda, é uma espécie de boneco típico da Ilha de Vera Cruz. Embora de origem controversa, dizem que o nome deriva de mão molenga ou maleável, ideal para criar movimentos no teatro de fantoches. Um ou dois manipuladores, operando por trás das cortinas ou como ventríloquos, dão voz e trejeitos aos fantoches.
Outro candeeiro que poderia iluminar a Ilha, quem sabe, seria aparecer uma nova notícia sobre as sequelas a longo prazo da covid-19, dando conta de que a doença acarreta disfunção erétil irreversível. Isso, por certo, levaria mais alguns membros da trupe de mamulengos a reverem a posição de não se imunizarem por sugestão de "sábios" de crenças político-religiosas que difamam cientistas, professores e médicos, num espetáculo inescrupuloso de horrores que se arrasta há quase um ano.
Sei que uma minoria de habitantes da Ilha de Vera Cruz, como acontece noutras terras consideradas desenvolvidas, é autoritária, cínica, desonesta, elitista, fofoqueira, interesseira, machista, moralista, racista, safada ou violenta. Uns, inclusive, empilham vários desses predicados, se orgulham disso e se sentem muito bem com o desenrolar da barbárie. E lutarão com unhas, chifres, mentiras e dentes, contra os eixos encarnados do mal que, juram de pés juntos, querem dominar o mundo e degustar com orégano e sal o fígado de suas criancinhas indefesas e apavoradas.
Sei também que essas pessoas têm conhecimento de que, hoje, quase 50 países já imunizam suas populações contra o novo coronavírus, inclusive porque novas cepas já se espalham com fome e sede de anteontem. Mas querem desde já marcar posição numa guerra política agendada para 2022, como se houvesse amanhã sem uma ampla campanha de vacinação que acelere a retomada da economia, da geração de emprego e renda, das aulas nas escolas e universidades, numa aldeia desigual com dezenas de milhões de almas confusas feito baratas em dia de faxina. De novo, é querer demais que um exército de mamulengos veja o mundo de uma forma que sua ignorância não permite alcançar.
Se a lamparina ou o candeeiro a que me refiro não iluminar a escuridão em que tateiam todos, restará a alguns (os de sempre, claro!) apagar a luz, bater o portão e cruzar a fronteira. Afinal, como diria o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, será "o fim do mundo, a ponta da praia, o fim do asfalto civilizatório, o atropelo da razão".
Tá chegando a hora de dar o braço, ou não, à seringa. A Ilha de Vera Cruz, abençoada e bonita por natureza, pode acabar repleta de mamulengos de verde-amarelo, flácidos e mal dotados. E assumir de vez sua inegável, mas hipocritamente desmentida, incompetência para lidar com assuntos cruciais como saúde pública para, quem sabe, propor sua anexação a algum país rico como a Argentina ou o Chile.