Recortes peludos
Tão esperada nas bancas quanto a revista Placar, Playboy era “a mais manuseada das revistas brasileiras”, segundo o escritor Humberto Werneck, autor da crônica “Leitores e vedores”. Foi ele, aliás, quem nos anos 1980 sugeriu aos assinantes de Playboy que se autorrotulassem de “vedores”, termo bem mais preciso do que “leitores”.
A revista apareceu no Brasil em agosto de 1975 com o título Homem. Na época, a censura achou inadequado o nome Playboy por associá-lo a perversão e nudez. Quatro anos mais tarde, nos primeiros sintomas de distensão “lenta, gradual e segura” do penúltimo governo militar, a publicação conseguiu dobrar a censura e levou às bancas um ousado ensaio fotográfico com as playmates de sua versão norte-americana. Durou 40 anos, com 487 edições publicadas.
A verdade nua e crua de Playboy – com duplo sentido, claro! – é que se via muito e se lia pouco. Na última década do século 20, ainda não havia a vulgaridade das imagens explícitas que hoje circulam nas mídias sociais. Os olhares entorpecidos de testosterona eram saciados por imagens de fotógrafos como J. R. Duran.
Soube de um caso interessante envolvendo a revista, daqueles que as pessoas são capazes de jurar que não aconteceu, mas meu velho amigo Tony, a quem conheço desde que morei no Recife (lá se vão quase 25 anos), não tinha por que mentir para mim.
Sujeito sério, hoje sessentão, fiel à mulher que só lobo cinzento ou coruja, Tony durante algum tempo foi “vedor” dissimulado de Playboy. E estava seguro de que convenceria Dagmar, sua esposa, baixinha tão sabida quanto desconfiada, de que a qualidade da revista – as matérias, os artigos, a entrevista bem ao estilo de O Pasquim, as charges etc. – justificava plenamente a assinatura que fizera.
De família grande, Tony era um pouco mais velho do que Lucão, seu irresistível irmão, também casado, mas que se pudesse escolher teria nascido no Oriente Médio e seria um príncipe devotado de corpo desalmado a três ou quatro mulheres não necessariamente submissas, às quais não deixaria nada faltar. Exigiria apenas convivência harmoniosa entre elas, dado que nunca soube lidar com conflito conjugal.
O jeito de ser de Lucão provocava calafrios sem febre em suas cunhadas. Aos sábados então, quando bebia umas cervejas em família e desandava a repetir que seu "coração é grande e cabe mais de uma”, elas surtavam temendo contágio fraterno ou que a carga genética eventualmente se manifestasse nos respectivos maridos.
Apesar de tudo, o indômito Lucão era tido como bom filho, irmão, pai e tio, mas tão devasso que, ao ver o boom do fluxo turístico no Nordeste nos anos 1980, teve a desfaçatez de, à moda “Herva Doce” (com "h"mesmo!), publicar anúncio na Folha de São Paulo e no Correio Braziliense nessa linha: “Moreno alto, bonito e sensual, posso ajudá-la na solução de seus problemas. Conheça as belezas de nosso paraíso com metade da despesa por minha conta. Cartas para caixa postal...”
E pior que deu certo por algum tempo. Óbvio que isso ocorreu antes que o primeiro caso da epidemia de Aids fosse identificado numa sociedade que ainda relegava à mulher papel coadjuvante, voltado à gestão de um nada doce lar e à criação de filhos. Os movimentos mais vigorosos no sentido de mexer nesse cenário ainda eram incipientes.
Em um domingo à noite, Lucão, de ressaca e pressionado pela filhota – cuja professora de um famoso colégio na capital pernambucana encomendara o dever de casa de fixar no caderno de desenho a imagem de um animal invertebrado –, recortou e colou uma caranguejeira peluda de origem cientificamente desconhecida na fauna tropical, porém comum nas páginas de Playboy.
Pois foi justamente naquela semana que Dagmar, quando soube da molecagem do cunhado, decidiu recortar e jogar na lixeira todas as imagens com tarântulas peludas da edição mensal de Playboy que o carteiro entregara em sua casa:
– Melhor que as crianças não vejam essas fotos, já que aquilo que interessa mesmo é o restante da revista, não é meu amor?”
– Claro... – admitiu Tony.
"Mulher pequena é tinhosa, ainda mais com uma tesoura na mão", diria mais tarde meu velho amigo ao me contar o caso.
Sensacional! Esse mundo de meu Deus tem cada inquilino!
ResponderExcluirKkkkk Marminino! O maior pecado do " Lucão" era ser " bocão "!! Não se conformava em ser " come quieto" igual uns...Que prazer teriam suas " façanhas " se não tivessem "resenha"?
ResponderExcluirBom mesmo era ouvir dos leitores que o motivo principal para comprar a Playboy era a leituura da entrevista, uma das suas marcas e muito melhor do que as páginas amarelas da Veja.
ResponderExcluirQuem nunca? Outra deliciosa história que memoramos juntos. Curioso que, graças às redes sociais, hoje sou amigo do Duran e pude compartilhar das suas vivências.
ResponderExcluirDo mesmo modo, virei amigo de uma das melhores capas de todos os tempos, a quem pude mostrar que eu tinha um calo na mão direita que tinha o nome dela.
Dedé
Meu Deus! Lucão não poupou nem o trabalho de escola da criança, kkkk
ResponderExcluirPura realidade. A entrevista que me fez assinar a Playboy, foi com Joelmir Beting. Rsrsrs
ResponderExcluirLembro bem, tanto você como o seu irmão eram “vedores” contumazes.
ExcluirHahahahaha!
ResponderExcluir“Entre” vistas legendárias!
Kkkkkkkkkkk muito bom kkkkkkkkkk
ResponderExcluirMuito bom! Quem não foi "vedor" da Playboy que atire a primeira pedra!!! :-)
ResponderExcluirConheço algo semelhante. Mera coincidência!!!!! Parabéns!
ResponderExcluirFoi mesmo Geisel que disse que eles, resolveram iniciar uma abertura política institucional “lenta, gradual e segura...”, coisa que Lucão, certamente não dava ouvidos porque, com ele, era uma "matança", rápida, abrupta, e da maneira mais insegura possível. I M P A G Á V E L, kkkkkkk
ResponderExcluirNos anos 1980 eu morava numa cidade pequena do interior do Paraná, que possuía somente uma banca de revista, e por azar , a mãe da minha namorada trabalhava lá. Eu ficava esperando ela ir almoçar pra comprar a revista. A crônica de hoje me fez relembrar essa história.
ResponderExcluirNos anos 1980 eu morava numa cidade pequena do interior do Paraná, que possuía somente uma banca de revista, e por azar , a mãe da minha namorada trabalhava lá. Eu ficava esperando ela ir almoçar pra comprar a revista. A crônica de hoje me fez relembrar essa história.
ResponderExcluirNa época já tinha uma concorrente de peso - ELE E ELA - que explorava melhor a preferência nacional. Os americanos tinham mais uma memória afetiva pela amamentação materna. Márcia Porto deixou saudades.
ResponderExcluirE quem não foi assíduo "vedor" de Playboy, Status e Sexy, ainda mais em plena ditadura, onde quase tudo era proibido? Mas o Lucão... Sempre viveu intensamente e suas histórias bem que poderiam ser relatadas num livro de grosso calibre. Ótima crônica!!!
ResponderExcluirA evolução “lenta, segura e gradual” na arte da nudez, para a censura brasileira, liberou primeiro um seio apenas em cada cena das pornochanchadas da década de 70. Depois evoluiu para as caranguejeiras do Lucão, tendo ápice com a Playboy de Claudia Ohana. Foi a época que os desavergonhados brasileiros mais adoraram “entre vistas”, como disse o Zé Maria Rabelo.
ResponderExcluirAliás, no livro que estou lançando este mês (Câncer, eu? - memórias alegres de um medo profundo) tem uma crônica intitulada “Intimidade com Claudia Ohana”. Mas não é o que vocês estão pensando! Kkkkk
Muito boa a crônica, ficou apimentada e dentro do mesmo assunto, quem não se recorda dos CATECISMOS de Carlos Zéfiro? E as revistinhas suecas?
ResponderExcluirEu jurava de pés juntos que da revista só me interessava as entrevistas.😃
ResponderExcluirinteressavam...
ResponderExcluirPlayboy também era terapêutica! Um tio do meu filho, que mora em outro estado, toda vez que chegava lá em casa, comprava, logo, uma playboy e dava pro meu filho. Acho que era pra não se tornar gay. Acho não, tenho certeza!
ResponderExcluirNaquele tempo, ser gay ainda era doença. Esclarecimento para o grupo LGBT!
ResponderExcluir👍 Blz de história, Hayton! Ótimo prá relaxar nesses tempos difíceis!
ResponderExcluirFoi bom para aliviar a tensão desses dias sombrios. Achei interessante a menção às mulheres pequenas. Seria coincidência?
ResponderExcluirAcho que conheço esse Lucão
ResponderExcluirA PB era uma das prediletas! 😂👏👏👏
ResponderExcluirAbs
Ah, as entrevistas de Playboy, nunca mais se entrevistou com tanta competência!!! Como fui aficionado!!!!
ResponderExcluirFalar do brilhantismo de suas crônicas, conquanto lugar-comum, redundante, é importante, afinal, a maior gratificação pra o artista será sempre as palmas do auditório.
Só que vou me permitir fazer referência a um detalhe, talvez cometendo uma indiscrição.
É que seu nível é tão alto que até os comentários são também imperdíveis.
E hoje, haja sutileza no postado por sua irmã Haydée, principalmente ao afirmar - "come quieto" igual uns...
Acho que é melhor eu encerrar por aqui...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente crônica!!! Lembro-me que o J. R. Duran era o fotógrafo preferido das estrelas da época. A Playboy, que grande parte dos "ensaios"eram assinadas por ele, vendia feito água. A revista também era cultura (hahaha), tinha entrevistas memoráveis com famosos da época, dicas de perfumes, músicas, humor, etc. A Playboy, assim como a revista Realidade, da mesma editora (Abril), foram um marco na imprensa nacional.
ResponderExcluirRecortes peludos. Muito bom. Rsrsrs.
ResponderExcluirMuito Bom! Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
ResponderExcluirVamos que Vamos!!!
Rapaz, nunca cheguei a comprar um exemplar da Playboy, mas tinha várias quando era moleque pq esse era o meio de pagamento de que os traquinas da escola dispunham para me convencer de lhes passar as colas na hora das provas, kkkkk
ResponderExcluirÉ cronista, essa famosa revista tem histórias, em particular no universo masculino! Parabéns pela excelente crônica!
ResponderExcluirUm abraço