Mal começa o ano e Roberto Dinamite, com o rosto pálido, olhos sem brilho, anuncia o início de tratamento para tentar derrotar tumores no intestino. E na onda de solidariedade que se forma, aparece Zico, no Instagram: “Bob, amigo... Você sempre foi um guerreiro e vai vencer mais essa luta fazendo um gol de placa... Queremos você sempre com o seu sorriso...”
Conheci Dinamite na noite de 06/10/2013, no Aeroporto JK, em Brasília. Ele, presidente do Vasco da Gama, chefiava a delegação do clube, que acabara de empatar em 1x1 com o Flamengo, no estádio Mané Garrincha. Eu participaria de uma reunião de trabalho na manhã seguinte, no Rio, e aguardava o embarque quando ele se sentou ao meu lado.
Tomei a iniciativa de me apresentar. Logo, ele quis saber se havia como a “minha” empresa patrocinar “seu” clube sem a exigência de certidões negativas requeridas pela Caixa Econômica. Esclareci que a regra valia para todas as estatais envolvidas com marketing esportivo. E tocamos a conversa com amenidades, eu fingindo ser natural estar diante do maior ídolo esportivo de minha vida.
A prosa ganhou cores e dores quando recordei momentos marcantes de sua trajetória profissional – boa parte extraída nas transmissões esportivas da Rádio Globo, no Jornal dos Sports ou na revista Placar. Alguns fatos nem ele lembrava, a ponto de brincar comigo: “Você sabe mais sobre minha carreira do que eu!” E sorriu largo, marca registrada do lendário artilheiro com mais de 700 gols em 1.110 jogos com a camisa vascaína, entre 1971 e 1989.
Não era um centroavante técnico como Tostão, Reinaldo, Careca ou Romário, mas, de sua geração, nenhum fez tantos gols, graças ao porte físico privilegiado, à capacidade de colocar-se bem na área adversária, de antecipar-se aos marcadores e à potência explosiva do arremate, além de, a custo de muito treino, transformar-se em exímio batedor de faltas e pênaltis.
Para Waldir Amaral, ícone do rádio esportivo, era “Dinamite... A camisa com cheiro de gol!”. Para Zico, "o atacante com quem melhor me entendi em jogos da Seleção". Os deuses do futebol, no entanto, tinham outros planos. Não permitiram que a dupla sequer tentasse evitar o fracasso nas duas Copas do Mundo em que estiveram juntos.
Em 1978, na Argentina, Zico sentiu o peso dos gramados castigados pelos rigores do inverno e, substituído pelo esforçado Jorge Mendonça, viu do banco de reservas Dinamite balançar três vezes as redes adversárias, inclusive na vitória contra a Áustria, que livrou o Brasil de voltar para casa ainda na primeira fase.
E em 1982, na Espanha, Roberto descartado pelo treinador Telê Santana – que apostou no tosco Serginho Chulapa –, assistiu das arquibancadas o Brasil perder para a Itália sem ter a chance de atuar 10 ou 15 minutos ao lado de Zico, Falcão, Sócrates, Leandro e Júnior, craques que em um palmo de campo e uma fração de segundo poderiam com Dinamite explodir a muralha italiana e desviar o rumo da história.
A conversa flanava por aí quando ele se referiu a Zico. Os dois são amigos há mais de meio século. “O Galo foi o maior jogador de meu tempo. Nós começamos na mesma época, no juvenil. Não foi só a relação Roberto e Zico. Os pais dele, seu Antunes e dona Matilde, iam sempre ao Maracanã vê-lo jogar na preliminar e os meus pais também iam me ver jogar”.
Disse mais: “Eu não o chamo de Zico, chamo de “Galo”. E ele não me chama de Roberto, mas de “Bob”. É uma relação diferente e a gente até brinca que não precisávamos falar mal um do outro para levar 100 mil, 150 mil pessoas ao Maracanã. Crescemos assim. Adversários em campo, mas, acima de tudo, amigos”.
Evitei tocar num ponto quase trágico. Em 1972, aos 18 anos, Dinamite apaixonou-se por Jurema, viúva e com um filho, seis anos mais velha que ele. A família dele não aceitou o romance e isso o atormentava bastante. Um dia, então, quase marca um gol contra, segundo a revista Placar: engoliu de uma vez vários comprimidos que sua mulher usava.
“Eu vinha guardando aquela angústia só para mim. Tomei uma dose reforçada de calmante, mas não tinha a intenção de me suicidar... Só queria dormir uns dois dias seguidos para me desligar do mundo” – declarou à Placar. Jurema, que o levaria às pressas ao hospital naquele dia, morreu em 1984, precocemente, vítima de insuficiência renal crônica, deixando órfãs três crianças.
Quase tudo passa. Dinamite casou-se de novo e, mais adiante, em 1993, fechou a carreira de futebolista, virou político (vereador e deputado estadual) e dirigente esportivo. Hoje, aos 67 anos, ocupa cargo honroso e intransferível: avô de Valentina e Bento.
O Galo, querido amigo de meu ídolo, sabe quanto um ombro é importante para o gol de placa pelo qual ele torce. Quem sabe assim o velho Bob volte a sorrir largo com as cores, as dores e os sabores da prorrogação do jogo. E aí iremos todos cantar de coração...