Jaguar (Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe), um dos maiores cartunistas do jornalismo brasileiro, chorava muito numa sala de cinema, no Brasília Shopping, na Capital Federal, onde em 2006 passava alguns dias. Havia acabado de assistir ao documentário Vinícius, dirigido por Miguel Faria Jr., belíssima reconstituição da vida e da trajetória artística do poeta, compositor e diplomata Vinícius de Moraes, com depoimentos de alguns amigos seus em comum com o Poetinha: Tom Jobim, Chico Buarque, Francis Hime, Carlos Lyra e Ferreira Gullar.
Um cinquentão que deixava o cinema, sem se dar conta do que estava acontecendo nem de quem se tratava, perguntou: “já lhe disseram que o senhor é a cara do finado Jaguar?” Na mesma hora, as lágrimas deram lugar a uma sonora gargalhada e o cartunista, ao lado da esposa, foi implacável: “mulher... eu morri e não sabia!”.
Quem me contou isso foi o próprio Jaguar, numa manhã de domingo, na recepção de um hotel na Bahia, enquanto aguardávamos o ônibus que nos levaria ao aeroporto. Ele, a quem me apresentei como admirador de seus cartuns e personagens, achou interessante me ver recordar detalhes esquecidos de alguns de seus trabalhos, graças à concentração com que eu lia toda semana O Pasquim, jornal alternativo de sátira política e contracultura que aprendi a gostar, ainda adolescente, em 1973, com meu cunhado João Veras.
Jaguar lembrou que foi escriturário do Banco do Brasil por mais de 15 anos, emprego que abandonou em 1971. Seu primeiro chefe foi Sérgio Porto (1923 – 1968) que, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, publicou vários livros sensacionais, todos ilustrados por ele: Tia Zumira e Eu; Primo Altamirando e Elas; Rosamundo e os Outros; Garoto Linha Dura; Febeapá – Festival de besteiras que assola o País; Febeapá 2; Na terra do Crioulo Doido; Febeapá 3; A máquina de Fazer Doido e Gol de Padre, dentre outros.
Recordou também da famosa "gripe" de O Pasquim, ironia com que se justificava naquela época a ausência de vários jornalistas presos durante o governo Médici, quando alguns intelectuais (Antonio Callado, Glauber Rocha, Chico Buarque e outros) se juntaram para manter "vivo" o semanário da chamada esquerda festiva carioca.
Um desses colaboradores foi o poeta e cronista Carlos Drumond de Andrade (1902 – 1987), que toda semana fazia questão de levar pessoalmente seus artigos à redação do jornal, na Ladeira Saint Roman, em Copacabana, no Rio. Segundo Jaguar, “o velho também andava interessando numa boazuda com quem fui casado por uns 10 anos”.
Um desses colaboradores foi o poeta e cronista Carlos Drumond de Andrade (1902 – 1987), que toda semana fazia questão de levar pessoalmente seus artigos à redação do jornal, na Ladeira Saint Roman, em Copacabana, no Rio. Segundo Jaguar, “o velho também andava interessando numa boazuda com quem fui casado por uns 10 anos”.
Certo dia, depois de incontáveis doses de uísque, Jaguar encontrou por acaso Drumond e "soltou os cachorros”, ameaçando-o de "boas pancadas" se insistisse em dar em cima de sua mulher. Assustado, o poeta que um dia escreveu “... O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar...” desapareceu e nunca mais voltou à redação, mas continuou mandando sua contribuição semanal para O Pasquim, que cada vez mais vinha sendo mutilado pela censura, com cortes sistemáticos de textos, cartuns e charges.
Com seu afiado senso de humor, Jaguar despediu-se naquela manhã em que nos conhecemos com uma gozação típica dele: “como eu fui otário, meu amigo! Perdi a chance de entrar para a história sendo corneado pelo maior poeta da língua portuguesa!” E caiu na maior gargalhada.
Algum tempo depois, em 2012, li numa entrevista dele a um jornal paulista em que estimava haver bebido, em mais de 60 anos, "uma piscina olímpica de cervejas, sem falar nos destilados: uísque, cachaça, conhaque, rum, vodka, absinto, bagaceira, grapa, sakê, tequila..." Era a explicação para a cirrose e o câncer de fígado que quase acabam antes da hora "o porre" do autor da coletânea de crônicas Confesso que Bebi - Memórias de um Amnésico Alcoólico.
Algum tempo depois, em 2012, li numa entrevista dele a um jornal paulista em que estimava haver bebido, em mais de 60 anos, "uma piscina olímpica de cervejas, sem falar nos destilados: uísque, cachaça, conhaque, rum, vodka, absinto, bagaceira, grapa, sakê, tequila..." Era a explicação para a cirrose e o câncer de fígado que quase acabam antes da hora "o porre" do autor da coletânea de crônicas Confesso que Bebi - Memórias de um Amnésico Alcoólico.
Carioca nascido em ano bissexto (1932), o lendário Jaguar jura de pés juntos que ainda não completou 22 anos de idade. A última notícia que tenho dele é que continua dando boas gargalhadas, viciado em livros e jornais de papel, em biriba com os amigos e em cervejas... agora, sem álcool. Afinal, a fonte de inspiração do ratinho Sig, seu alter-ego, explicava: "quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança, a pessoa muda."