Se hoje lhe pedir notícias do mundo de lá, como na canção de Milton e Brant, talvez me fale sobre dois lados de uma mesma mesma viagem. Que o trem que chega é o mesmo trem da partida e que a hora do encontro é também de despedida. Que todos os dias é um vai-e-vem e que a vida se repete em cada estação. E tem gente que vem só olhar.
domingo, 5 de maio de 2019
O dia em que o mundo acabou
Se hoje lhe pedir notícias do mundo de lá, como na canção de Milton e Brant, talvez me fale sobre dois lados de uma mesma mesma viagem. Que o trem que chega é o mesmo trem da partida e que a hora do encontro é também de despedida. Que todos os dias é um vai-e-vem e que a vida se repete em cada estação. E tem gente que vem só olhar.
quarta-feira, 1 de maio de 2019
Millôr tinha razão
Sei que se trata de compulsão mais difícil de superar do que o tabagismo. Eu, por exemplo, já não fumo desde abril de 1990. Se bem que até agora quando preparo meu cuscuz com ovos mexidos e café preto, bate saudade dos últimos tragos numa rede no alpendre da casa em que morava em Porto Calvo, Norte alagoano.
"Fumo de rolo, arreio e cangalha,
eu tenho pra vender, quem quer comprar?
Bolo de milho, broa e cocada,
eu tenho pra vender, quem quer comprar?
Pé-de-moleque, alecrim, canela,
moleque sai daqui me deixa trabalhar!
E Zé saiu correndo pra Feira de Pássaros
e foi ‘passo-voando’ pra todo lugar.
Tinha uma vendinha no canto da rua
onde o mangaieiro ia se animar,
tomar uma bicada com lambu assado
e olhar pra Maria do Joá...”
O prejuízo de quem sofre com esse distúrbio não é apenas estético. Já foi demonstrado que pode causar anormalidades na arcada dentária, na língua ou até causar complicações mais graves - infecções da pele, gengivites, dentre outras.
Das mãos, que fique bem claro! Pra não dar mau exemplo pros netinhos.
sexta-feira, 26 de abril de 2019
Pode entrar que casa é sua!
Isso aconteceu na metade do século passado, na agência do Banco do Brasil em União dos Palmares, a 70 km da capital alagoana. Naquela época, alguns conflitos do mundo corporativo ainda eram resolvidos à bala ou na ponta da peixeira.
O carinho da família, a alimentação equilibrada, a missa nas tardes de sábado, as gargalhadas com Os Trapalhões nas noites de domingo, a prosa com cães e gatos da vizinhança e o lenço impecavelmente branco para assoar o nariz ou enxugar o suor do rosto, eram bastantes para deixá-lo de bem e em paz com a vida.
Depois que se aposentou, alguns amigos juravam que não sobreviveria muito tempo, habituado que estava à rotina de trabalho. Contrariando a todos, já vinha costurando em silêncio projeto arrojado: dar vida ao solo arenoso dos arredores da casa na Rua Goiás, 421, no Farol, a partir da reciclagem do lixo orgânico ali produzido desde 1970.
domingo, 21 de abril de 2019
Gratidão que se multiplica
Lembrei dele outro dia, com imenso carinho, ao rever uma caricatura e o soneto do Poetinha que termina assim:
O amigo: um ser que a vida não explica
terça-feira, 16 de abril de 2019
Os afilhados de Dona Canô
Como alertara nos anos 80 o ex-superintendente Nivaldo Alencar, a grande ameaça à sobrevivência do bancão seria perder a sua identidade e "bradescalizar-se". Isto é, passar a fazer apenas aquilo que seu maior concorrente privado já fazia muito bem e a custos menores. Acabaria tornando-se descartável.
Antes de tudo, reaproximar-se das pessoas, das prefeituras, principalmente nas cidades menores, aquelas que mais sofreram com ameaças de fechamento de agências, demissões ou transferências compulsórias de funcionários durante o ciclo de recuperação do banco nos anos 1995/96.
Havia em algumas regiões pelo menos 60% de analfabetos – zona rural de Jacobina, por exemplo. Embora subutilizado, dormia em berço esplêndido na prateleira um santo remédio para curar a dor desse flagelo humano: o BB Educar, programa de alfabetização de adultos, criado em 1992 pela área de RH do bancão, com base no método Paulo Freire.
Preferia termos comuns no dia a dia das pessoas. Pescadores deveriam aprender a escrever: “peixe”, “canoa”, “anzol”; já agricultores aprenderiam: “enxada”, “terra”, “plantio” etc. A partir da decodificação fonética desses termos, o repertório seria ampliado com outras palavras e suas conexões.
“...Eu sou o cheiro dos livros desesperados,
sou Gitá gogoia, seu olho me olha, mas não me pode alcançar.
quarta-feira, 10 de abril de 2019
Pelé não sabia de nada
Vários torcedores alagoanos comemoravam a conquista na Praça dos Martírios em junho de 1970, em frente ao Palácio do Governo, quando o governador Lamenha Filho, entusiasmado com a vitória e com o “carnaval” fora de época, abriu mão da homenagem que iria receber — daria nome ao estádio em reta final de construção no Trapiche da Barra — e decidiu ali mesmo batizar a obra reverenciando o melhor jogador do mundo: estádio Rei Pelé.
Além dele, perdemos a oportunidade única de ver em ação craques como Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Cejas, Djalma Dias, Joel Camargo, Ramos Delgado e Rildo, todos com passagem pelas seleções de Argentina ou Brasil.
Em menos de dois anos (maio de 1972), meu pai partiu sem nunca ter visto de perto Pelé. E eu só fui conhecê-lo em junho de 2013, na área nobre multiuso do Estádio do Morumbi, em São Paulo, quando do lançamento do projeto Brasil... um país, um mundo, exposição itinerante de acervo de peças históricas, como camisas usadas em jogos oficiais, troféus, medalhas e chuteiras, que passaria pelas 12 cidades-sede da Copa do Mundo 2014.
Eu bem queria tê-lo a meu lado quando estive com Pelé! Teria sido perfeito. Mas a vida, que sempre faz da gente o que bem quer, quis de outro jeito.
quinta-feira, 4 de abril de 2019
E se essa história fosse outra?
Outro dia o presidente do Banco do Brasil requentou em forno microondas o debate sobre privatização ao declarar que se isso acontecer a empresa se tornará mais eficiente, embora reconheça que o tema não está na agenda do atual governo. Foi o bastante para reaparecer na mídia e nas redes sociais discussões acaloradas, cada lado com suas verdades inflexíveis.
A declaração me fez refletir sobre os graves problemas na educação pública brasileira, onde ainda existem crianças no 6º ano do ensino fundamental que não sabem ler nem escrever. Esse fato, inclusive, para mim reflete a atual estrutura educacional do país, caracterizada por um círculo vicioso que começa em baixa remuneração, passa por despreparo de professores e diretores, instalações precárias, evasão escolar, até omissão de pais na educação de seus filhos, como se essa tarefa fosse exclusivamente da escola.
Sem desmerecer o papel do banco na história do desenvolvimento econômico nacional, pode-se indagar: e se D. João VI, depois de algumas garrafas de vinho na noite anterior ao dia 12 de outubro de 1808, decretasse a abertura do que chamarei EducaBrasil S/A, empresa fictícia de economia mista que passo a detalhar mais adiante, em alternativa à criação do banco?
Claro que era importante a abertura de um banco para atender às demandas iniciais de uma economia incipiente, mas já existiam banqueiros europeus que enxergavam boas perspectivas de negócios com a chegada no Brasil da família real. E duvido que esses banqueiros falissem por conta dos elevados saques realizados quando do retorno de D. João VI a Portugal, como aconteceu com a instituição duas décadas depois, em 1829.
E se durante os últimos dois séculos todos os recursos públicos e privados investidos no banco (humanos, materiais e tecnológicos) fossem direcionados para a educação, de primeiro e segundo graus, em “agências” de ensino-aprendizagem estruturadas do Oiapoque ao Chuí?
E se os professores, bedéis e diretores dessas agências fossem capacitados não para distribuir crédito rural subsidiado na abertura de fronteiras agrícolas — um dos motivos da brutal concentração de renda neste país —, mas sim para discutir no meio rural coisas como: manejo de águas e solos, controle de pragas, diferença entre plantar para vender e vender para plantar?
E se outros colaboradores fossem treinados não para abrir contas correntes ou fazer pagamentos e recebimentos, mas sim para disseminar no meio urbano coisas como: mapeamento de ameaças e oportunidades de negócio, gestão de recursos escassos, redução de desperdícios, diferença entre causa e consequência de problemas econômico-financeiros?
E se a proposta didático-pedagógica da EducaBrasil S/A incorporasse algumas ideias de Frei Betto abordadas em seu artigo A escola de meus sonhos? Para ele, na escola ideal não haverá temas tabus. “Todas as situações-limites da vida devem ser tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade... o texto dentro do contexto: a matemática busca exemplos na corrupção... o português, ...nos textos de jornais; a geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a física, nas corridas da Fórmula 1 e pesquisas do telescópio Hubble; a química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a história, na violência de policiais a cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos...”
Com esse caldo de cultura devidamente encorpado ao longo de dois séculos por colaboradores fiéis, certamente a EducaBrasil S/A teria contribuído bem mais que um banco para alçar o país a degraus mais elevados de desenvolvimento socioeconômico.
Colaboradores fiéis não só por conta da missão de educar gerando cidadania e resultados tangíveis para a sociedade, de receber por isso bons salários e benefícios, mas principalmente porque acionistas e empregados, juntos, haveriam de estruturar um grande fundo de pensão, aposentadoria e saúde, que seria percebido como o maior fator de atração e retenção de pessoas na empresa.
E se alguém cogitasse privatizar a EducaBrasil S/A, a própria sociedade estaria madura e preparada para dizer se vinha sendo bem servida, ou não. Afinal, como disse Deng Xiaoping (1904 — 1997), líder político que fez da China o país de maior crescimento econômico do planeta, “não importa se o gato é preto ou branco, desde que pegue os ratos”.
sexta-feira, 29 de março de 2019
Detalhes tão pequenos de nós dois
Quem de nós não ouviu a voz dele no toca-fitas dizendo que não adiantava nem tentar esquecer, pois durante muito tempo em nossa vida ela (ou ele) iria viver?
Quem de nós nunca parou para ouvir aquela canção simples, ingênua até, onde ele nos alertava de que pequenos detalhes seriam coisas muito grandes pra esquecer? Mais que isso: que a toda hora iriam estar presentes. E ainda ameaçava: "você vai ver..."
Era difícil admitir que um outro pudesse falar ao seu ouvido palavras de amor como eu falava, mas duvido que esse alguém tivesse tanto amor e até os erros de meu português ruim! Nessa hora, era possível, ela iria lembrar de mim.
De noite, no silencio do seu quarto, antes de dormir ela iria procurar o meu retrato, mas na moldura não seria eu quem estaria a lhe sorrir, ainda que visse minha cara abusada mesmo assim. Tudo isso, era provável, lhe faria novamente lembrar de mim.
E se alguém tocasse seu corpo como eu? Ela não deveria falar nada! Seria arriscado dizer meu nome sem querer à pessoa errada. Poderia até pensar que havia amor nesse momento e tentar, desesperadamente, até o fim, mas até nesse momento, com certeza, ela lembraria de mim.
Claro que eu sabia que esses detalhes iriam sumir na longa estrada do tempo que transforma todo amor em quase nada. Mas “quase” também era mais um detalhe, porque um grande amor não morreria assim. Se isso um dia viesse a acontecer, eu tinha certeza: ela iria lembrar de mim para sempre. Não, não adiantaria nem tentar me esquecer, porque durante muito tempo em sua vida...
"O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência..." diria Nélson Rodrigues (1916 - 1980). Tudo não passava dos temores sem motivo que nos atormentam quando ainda somos apenas uma mistura de devaneios, hormônios e incertezas.
O tempo voa, a vida passa e 40 anos depois, na noite da última sexta-feira de agosto de 2013, surge a oportunidade de uma breve conversa nos camarins do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, que se desenrolou mais ou menos assim:
Eu - Posso lhe contar uma coisa? Suas canções estão em nossas vidas desde o começo dos anos 70, com aquele disco lançado antes do Natal de 1971.
Ele - É mesmo, bicho? Quais você recorda daquele tempo?
Eu - "Traumas", "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Amada Amante"... mas "Detalhes" era especial. Cheguei a tentar cantar para ela, dedilhando o violão de meu cunhado.
Ele (voltando-se para ela) - E esse cara cantava bem?
Eu jurava ter ouvido Magdala responder algo como "nem era necessário...", mas parece que ela apenas sorriu. Acho que estou ficando velho, o ouvido anda mais seletivo - só escuta o que lhe convém - e a memória já não é a mesma. Se bem que isso é só mais um pequeno detalhe nessa longa história.
sábado, 23 de março de 2019
Que fim levou a caneta do flautista?
Numa turnê em 1963, Boris Trisno, um dos mais conceituados maestros russos, após assistir a uma extraordinária exibição dele em Moscou, afirmou que “havia visto um dos músicos mais afinados do mundo e um dos melhores solistas de flauta do planeta”. Resultado: precisou estender a permanência por três meses nas repúblicas soviéticas, por conta de vários convites recebidos para outros shows.
Que fim levou a caneta do flautista desaparecida há mais de meio século? Quando nos conhecemos, 35 anos depois do episódio no Galeão, Altamiro Carrilho acabou esquecendo na sala onde estávamos a caixinha, revestida de veludo azul, contendo a luxuosa caneta que lhe dei de presente. Para mim, agora faz todo sentido. "O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem..." (Fernando Pessoa)