Detalhes tão pequenos de nós dois

Quem de nós não viveu um grande amor nos anos 70 ou 80 e não temia ver tudo acabar da noite pro dia? 

Quem de nós não ouviu a voz dele no toca-fitas dizendo que não adiantava nem tentar esquecer, pois durante muito tempo em nossa vida ela (ou ele) iria
viver? 

Quem de nós nunca parou para ouvir aquela canção simples, ingênua até, onde ele nos alertava de que pequenos detalhes seriam coisas muito grandes pra esquecer? Mais que isso: que a toda hora iriam estar presentes. E ainda ameaçava: "você vai ver..."



Como quase todo moleque, eu era inseguro, ousado e presunçoso. Tinha lá meus medos mas era meio convencido. Pensava: e se outro cabeludo aparecesse na Rua Goiás - Farol, em Maceió, quando tudo estivesse acabado entre nós, será que isso lhe traria saudades minhas? E quando ela ouvisse o ronco barulhento do ônibus que antes me trazia da Gruta de Lourdes, vestindo minha velha calça desbotada ou coisa assim, será que lembraria de mim?

Era difícil admitir que um outro pudesse falar ao seu ouvido palavras de amor como eu falava, mas duvido que esse alguém tivesse tanto amor e até os erros de meu português ruim! Nessa hora, era possível, ela iria lembrar de mim.

De noite, no silencio do seu quarto, antes de dormir ela iria procurar o meu retrato, mas na moldura não seria eu quem estaria a lhe sorrir, ainda que visse minha cara abusada mesmo assim. Tudo isso, era provável, lhe faria novamente lembrar de mim.

E se alguém tocasse seu corpo como eu? Ela não deveria falar nada! Seria arriscado dizer meu nome sem querer à pessoa errada. Poderia até pensar que havia amor nesse momento e tentar, desesperadamente, até o fim, mas até nesse momento, com certeza, ela lembraria de mim.


Claro que eu sabia que esses detalhes iriam sumir na longa estrada do tempo que transforma todo amor em quase nada. Mas “quase” também era mais um detalhe, porque um grande amor não morreria assim. Se isso um dia viesse a acontecer, eu tinha certeza: ela iria lembrar de mim para sempre. Não, não adiantaria nem tentar me esquecer, porque durante muito tempo em sua vida... 

"O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência..." diria Nélson Rodrigues (1916 - 1980). Tudo não passava dos temores sem motivo que nos atormentam quando ainda somos apenas uma mistura de devaneios, hormônios e incertezas. 




O tempo voa, a vida passa e 40 anos depois, na noite da última sexta-feira de agosto de 2013, surge a oportunidade de uma breve conversa nos camarins do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, que se desenrolou mais ou menos assim:

Eu - Posso lhe contar uma coisa? Suas canções estão em nossas vidas desde o começo dos anos 70, com aquele disco lançado antes do Natal de 1971.
Ele - É mesmo, bicho? Quais você recorda daquele tempo?
Eu - "Traumas", "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Amada Amante"... mas "Detalhes" era especial. Cheguei a tentar cantar para ela, dedilhando o violão de meu cunhado.
Ele (voltando-se para ela) - E esse cara cantava bem?
 

Eu jurava ter ouvido Magdala responder algo como "nem era necessário...", mas parece que ela apenas sorriu. Acho que estou ficando velho, o ouvido anda mais seletivo - só escuta o que lhe convém - e a memória já não é a mesma. Se bem que isso é só mais um pequeno detalhe nessa longa história.



Comentários

  1. que inspiração linda meu velho. que texto...

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    1. Pois é, Fada, como dizia Drummond, “Eu não devia te dizer
      mas essa lua
      mas esse conhaque
      botam a gente comovido como o diabo.”

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  2. Adorei, uma linda história de amor. Inspiradora e refrescante do ânimo da vida e do viver. Obrigado por comoartilhar.

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  3. Que delícia de texto Hayton! Muito bom começar a sexta-feira com esse presente!
    Excelente final de semana !

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  4. Texto maravilhoso! Ele fala por quem viveu (muito bem) aquela época! Nota mil!!!!

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  5. Belo texto!
    "Você meu amigo de fé meu irmão camarada".
    Uma bela inspiração para esse fim de semana.

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    1. Com muitas emoções, como diria o outro, não é meu amigo! Abração

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  6. É como eu te disse: suas crônicas são deliciosas. Essa é mais uma! Sugiro que lá pra frente, você as reúna e nos dê esse presente de poder tê-las em forma de livro.
    Grande abraço.
    Marival.

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    1. Vou começar a pensar mais sério nessa possibilidade, meu velho amigo Marival.

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  7. Essa deliciosa resenha musical merece chegar às mãos do eterno Rei da Jovem Guarda. Manda pra ele! E quanto à ideia de um livro, eu já havia comentado com você. Já tem material suficiente... Abraço.

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    1. É perigoso! Vai que ele descobre que ando cantando melhor do que ele... rsrsrs

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    2. kkkkk...achei muito engraçado sua fala Hayton quando diz "É perigoso! Vai que ele descobre que ando cantando melhor do que ele... rsrsrs

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  8. Amigo Hayton,
    Texto que traz vida, alegria, amor, Paixão. O pulsar dos momentos e da história que Nos marcam e construe.
    PARABÉNS

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  9. Isto é o que eu chamo de “um bom cronista apaixonado”. Muito bom. Parabéns novamente.

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  10. "Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas."
    (Clarice Lispector)

    O seu texto acima exemplifica muito bem o que a grande escritora sintetizou sobre a difícil arte de escrever.
    Parabéns, Hayton, pelo trabalho duro e criatividade!
    Imaginei você fechando um difícil quebra-cabeça, ou melhor, movendo as peças de xadrez, no caso a miscelânea de sucessos do "rei", para dar um xeque-mate nas dificuldades e escrever um grande texto.

    Um abraço do Orlando.

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    1. Você tem razão, meu caro Orlando, deu algum trabalho, sim. Estava deitado numa rede, sábado passado, quando me veio a ideia de homenagear minha “namorada” usando paráfrases sobre “nossa música” que atualizassem os versos de RC, resumindo um pedaço de nossa história. Parece que deu certo. Cada vez aprendo mais.
      Mais uma vez, obrigado pela força.

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  11. Um poeta!
    A resposta de tia Dal você sentiu no olhar dela. Roberto, mesmo sem saber, faz parte de um pedacinho da vida de todo brasileiro.

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  12. Muito bom! Texto saboroso. E com a poesia emprestada do Rei!

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  13. Mas o cabelo de bad boy!... eu não deixaria a minha filha sair com um cabra daquela estampa de malandro!

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    1. Era só mais um pequeno detalhe entre nós dois... rsrs

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    2. HAYTON, francamente, ninguém melhor do que você para descrever tão propositadamente, nessa bela crônica, de forma parafraseada, tudo que acredito que cada um de nós tenha vivido. Como cada música marcou nas histórias de amor vivida pelos seus leitores, e o rei Roberto sempre teve esse dom de mexer com o coração de cada um, tão fortemente. Valeu, mais esta belíssima crônica. Um abraço

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  14. Parabéns pelo excelente texto e bela homenagem a Magdala que sempre esteve ao seu lado em todos momentos da sua vida! Abs

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  15. Sabidamente Magdala não deixou os detalhes pra depois...belo texto, bela interpretação Hayton, parabéns!

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  16. Como sempre, um ótimo texto, majestoso, até porque fala de um Rei. Muito bom. Parabéns, grande Hayton. (Marcelo Torres)

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  17. Mais uma maravilha! Quem dessa época não curtiu nosso eterno rei? Você é um privilegiado de poder estar tão próximo dele. Seu romantismo torna tudo mais lindo! Parabéns!

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    1. Minha amiga Peu, não me acho nada romântico. Quando encontrar por aí um alago-paraibano do pé rachado, bruto, falando grosso, mas de coração mole, não tenha dúvida: esse cara sou eu!

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  18. nasserdabahia@gmail.com30 de março de 2019 às 19:34

    "Não adianta nem tentar..." todos os seus leitores já escreveram "detalhes tão pequenos" de todos nós. Muitos deles lhe tocam de perto e com profundidade em relação ao Rei, suas canções, letras, lembranças e vida vivida ao longo de nossas vidas. E você, inspirado em sua eterna musa e também nessa canção considerada uma das mais belas dentre as românticas da década (1970), nos proporcionou oportunidade ímpar de revisitar lembranças e sentimentos pessoais que, me parece, tem um universo bastante comum no conjunto de seus leitores.
    Na mosca, caro amigo ! Mais um "macuco no embornal" com essa escolha/inspiração.
    Não podia deixar de também comentar: corajoso seu sogro ao deixar que aquele cabra cabeludo e feio como o quê se aproximasse de sua filha... (risos).

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  19. Pior de tudo, Nasser, é que cheguei a ser apelidado pelos invejosos de “papa-anjo”, mesmo os sacanas sabendo que ela e eu tínhamos praticamente a mesma idade. Quem vê cara não vê coração, diziam os antigos...

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    1. nasserdabahia@gmail.com31 de março de 2019 às 08:31

      Sim. Mas que o sogro foi corajoso, foi... rsrs

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  20. Como sempre sensacional eu e agostinho também vivemos esses detalhes parabéns.

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  21. Puxa vida Hayton !! Que texto lindo .. recheado de lembranças especiais ..... como sofremos de ansiedade na adolescência ... mas como é lindo o amor . Você brilhou !!

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  22. "Você precisa tomar um sorvete
    Na lanchonete
    Andar com a gente
    Me ver de perto
    Ouvir aquela canção do Roberto".

    Estaria Caetano falando de Detalhes?

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  23. Ah, velhos tempos, belos dias. Hoje nossos domingos são doces recordações... Que gostoso ler esse texto.

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  24. Belo texto,e um excelente momento com o rei Roberto. Vendo a sua foto daquela época, desconfio que o "outro cabeludo" que o rei temia aparecer, era você...rsrsr
    Grande abraço
    Mário Mendes

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