Em tempos de reuniões ministeriais cujo palavreado deixaria constrangida a inesquecível atriz Dercy Gonçalves (1907 — 2008), lembrei-me de duas repreensões que recebi por usar termos inaceitáveis para meu pai: sacanagem e merda, vejam só!
Um dia, chateado com um de meus irmãos por conta de uma bobagem qualquer, reclamei: “isso é sacanagem sua!” Meu pai ouviu, me olhou firme e foi direto ao ponto: “nunca mais diga isso, entendeu?” Noutra, apenas repeti o que já ouvira na rua ao criticar um vizinho: “olhe a merda que você fez!” De novo, ele chegou junto e decretou: “se falar isso outra vez, vai apanhar!”.
Lá em casa, sob pena de puxão de orelhas ou croque no cocuruto, o máximo admissível em termos correlatos a palavrões (ou “nomes feios”, no dizer dele) eram: cocô, bunda, pinta, pássaro, “piupiu” ou, no limite, safadeza. E não é bom nem pensar no que aconteceria se um dos filhos de Seu Agostinho pronunciasse um um robusto “taquiupariu!”
Talvez por isso nunca aceitei ser classificado por alguém pelo ultrajante “você é um merda!”. E até hoje não sei o que uma pessoa que achincalha outra dessa forma tem fora da cabeça, porque dentro, eu sei. E não cheira nada bem.
Talvez por isso nunca aceitei ser classificado por alguém pelo ultrajante “você é um merda!”. E até hoje não sei o que uma pessoa que achincalha outra dessa forma tem fora da cabeça, porque dentro, eu sei. E não cheira nada bem.
Quando cresci, claro, o repertório de vocábulos impróprios engrossou o caldo, mas só afloravam em situações especiais e em doses terapêuticas, quando era vítima de insulto, ofensa, pisão, queda ou topada. E quando meu time sofria um gol ou perdia um daqueles imperdoáveis. Apenas compreensivas interjeições, diriam meus colegas de verbos e verbas Marcelo Torres e Silas Braga Jr.
Fiz o que pude para não usar palavras peludas de grosso calibre no trabalho e ferir o decoro do ambiente profissional, mas confesso que não foi nada fácil. Evoluí ao conviver com pessoas sensatas que nunca recorriam a termos chulos para se expressarem e minhas recaídas andam cada vez mais raras depois que me aposentei.
Semana passada, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o seu titular disse algumas palavras que me lembraram meu pai: “...A falta de educação produz vidas menos iluminadas, trabalhadores menos produtivos e um número limitado de pessoas capazes de pensar criativamente um país melhor e maior... A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo”.
O discurso também me remeteu a um episódio que me contaram há muito tempo. Teria ocorrido nos anos 90, envolvendo um ex-presidente do Banco do Brasil. Ao noticiar a nomeação de um diretor, o chefão lhe rasgava elogios numa reunião quando um dos presentes, em tom de pilhéria, comentou baixinho: "dá a ele..."
Boca-suja incorrigível, o ex-dirigente ouviu e retrucou em cima do laço: "eu como você e ele, seu filho da...". A gargalhada de alguns pode ter desanuviado o ambiente, mas não escondeu o fato de que o estofo da cadeira presidencial era bem maior do que a bunda do ocupante de plantão.
O discurso também me remeteu a um episódio que me contaram há muito tempo. Teria ocorrido nos anos 90, envolvendo um ex-presidente do Banco do Brasil. Ao noticiar a nomeação de um diretor, o chefão lhe rasgava elogios numa reunião quando um dos presentes, em tom de pilhéria, comentou baixinho: "dá a ele..."
Boca-suja incorrigível, o ex-dirigente ouviu e retrucou em cima do laço: "eu como você e ele, seu filho da...". A gargalhada de alguns pode ter desanuviado o ambiente, mas não escondeu o fato de que o estofo da cadeira presidencial era bem maior do que a bunda do ocupante de plantão.
O mundo corporativo anda repleto de exemplos dessa natureza. É a partir da vulgaridade das relações internas entre seus líderes que grandes empresas perdem o respeito da sociedade. Mais que isso, quando esses líderes, fora das quatro paredes, se acovardam diante de ofensas à instituição que deveriam defender, ela vira manteigueira de pensão de beira de estrada, onde todos metem as mãos e se lambuzam à vontade.
Voltando à reunião ministerial que deve ter enrubescido Dercy Gonçalves, um certo participante — ilustre anônimo até pouco tempo e já despontando para o escrete das mediocridades históricas — não foi claro ao explicar seus objetivos. Disse ele: “O BNDES e a Caixa, que são nossos, a gente faz o que quer. Banco do Brasil a gente não consegue. Então, tem que vender essa porra logo!”
Perdão, meu pai, mas tenho que perguntar a meus leitores: que safadeza (sacanagem ou merda) é essa?! O que ele quis dizer mesmo com “a gente faz o que quer"? A quem interessa concentrar ainda mais o mercado bancário? A que preço cogita vender a “jóia da Coroa” em meio à grave crise sanitária, política e econômica em que chafurda o País?
Certos palavrões são ditos apenas para esconder nas entrelinhas — com o rabo de fora, claro! — coisas bem mais feias que nos deixam de orelhas em pé.
Certos palavrões são ditos apenas para esconder nas entrelinhas — com o rabo de fora, claro! — coisas bem mais feias que nos deixam de orelhas em pé.