Nenhum vidente previu que José Sarney, em 1985, assumiria a presidência da República no lugar de Tancredo Neves, eleito indiretamente, pelo Colégio Eleitoral, para o primeiro governo civil depois de 21 anos de ditadura militar.
Predizer o futuro, além de soar pleonástico, até pode render livros e filmes, mas, do ponto de vista prático, é tiro no escuro com boa dose de frustração quando o presente dá as caras. Já se disse, aliás, que, no Brasil, até o passado é imprevisível.
Tudo bem, os dados que se tem no presente dão alguma leitura do passado para identificar padrões de ocorrências futuras. A medicina trabalha assim. Quando se diz que este ano mais de 250 mil brasileiros irão morrer por doenças cardiovasculares, não se trata de previsão, mas de projeção (para cujo acerto, por sinal, não pretendo contribuir). É, pois, constatação com base em evidências e dados históricos.
Se alguém tivesse antecipado que Tancredo Neves morreria em 21 de abril de 1985, aos 75 anos, por conta de uma complicação cirúrgica (infecção generalizada) antes da posse, isto sim teria sido uma previsão específica do futuro. O resto é miolo de pote.
No livro “O andar do bêbado”, o autor Leonard Mlodinow explica que “a existência de roletas é uma boa demonstração de que não existem médiuns legítimos, pois em Monte Carlo, se apostarmos US$ 1 em um compartimento e a bolinha cair ali, a casa nos pagará US$ 35 (além do valor que apostamos). Se os médiuns realmente existissem, nós os veríamos em lugares assim, rindo, dançando e descendo a rua com carrinhos de mão cheios de dinheiro...”.
Olhar para o céu e contar que os astros digam como será a próxima semana ou o mês que vem não faz o menor sentido. Mas é característica humana acreditar que dá pra saber o que vai acontecer. É quase irresistível tentar adivinhar o que existe na próxima esquina, embora não se saiba o nome do vizinho.
Não sou vidente, mas posso antever, a menos de seis meses da escolha, que o Brasil deve eleger em outubro não o melhor ou o mais bem preparado candidato à presidência da República, mas o menos odiado pelos eleitores. Isto é, o ódio – esse impulso que leva ao mal que se faz ou se deseja a outrem, que embrulha no mesmo pacote antipatia, rancor e repugnância –, mesmo em menor dose, definirá o vencedor.
Os dois principais candidatos ao cargo amargam dura rejeição do eleitorado: um, acima de 50%; o outro, mais de 40%. Ambos são detestados. E nem se sujeitaram ainda à artilharia pesada que vem por aí, numa guerra onde os dois cordões de soldados só enxergam pela frente inimigos a serem abatidos a mentiras, tapas e pontapés (para dizer o mínimo!).
O ungido por uma margem estreita de votos falará em governar para todos, mas sabe que terá contra si o ódio (ou a indiferença, o que é pior) de pelo menos 70 milhões de almas inconformadas. E não poderá esquecer da lição que Tancredo Neves aprendeu com o ex-presidente Getúlio Vargas: “No Brasil, não basta vencer a eleição; é preciso ganhar a posse!”.
Já tomei uma decisão: votarei no candidato que assumir publicamente que vai tentar arrancar pela raiz o mal que nos aflige, isto é, lutar pela troca do presidencialismo pelo parlamentarismo ao fim do mandato.
Pode-se argumentar que, há 20 anos, o brasileiro já disse não ao parlamentarismo em plebiscito. Mas será que sabia realmente a diferença entre um regime e outro? O que diria agora se soubesse mais sobre o assunto e fosse consultado de novo?
Cultua-se por estas bandas a figura mítica do herói capaz de mudar os rumos da nação da noite para o dia. Isso explica a preferência pelo regime presidencial, mesmo reconhecendo que o nosso sistema de coalizão pode ser batizado como “farinha pouca, meu pirão primeiro!”
É preciso aprender que no parlamentarismo desaparece a dicotomia Executivo-Legislativo. Ambos serão um só. O povo não vai escolher o presidente, mas votará para escolher qual partido comandará o país. Se o processo eleitoral não resultar em maioria, o partido líder nas eleições precisará montar uma coalizão com outros menores para alcançar pelo menos 50,1%.
Aprender também que o parlamentarismo dilui o poder dos líderes. O primeiro-ministro não será o todo-poderoso como acontece com o chefe do Executivo no sistema presidencialista. Ele governará com o partido. Necessitará do apoio dos outros ministros e parlamentares, inclusive para combater outra grave doença: a obstrução de pautas importantes por parte da oposição, querendo apenas provocar o colapso na vida do governante de plantão.
Aprender ainda que, tirando os Estados Unidos, a maioria dos países desenvolvidos (Dinamarca, Noruega, Suíça, Suécia, Holanda, Canadá, Japão, Austrália etc.) adota o sistema parlamentar, onde não sabe nem como se chama o primeiro-ministro.
Quem estaria no caminho certo? Quem tiver a curiosidade de ler sobre índices de desenvolvimento humano e histórico de estabilidade política e econômica, verá que a resposta é fácil. Extremamente fácil!
Um dia, quem sabe, a gente aprende a ser uma nação.