Apesar de nunca ter visitado a República de Santa Cruz, meu espirituoso amigo Carnaúba, aposentado, morador da Massagueira, distante 15 km de Maceió, me disse certa vez que o melhor dos mundos é quando um comandante de um transatlântico conduz um barquinho entre as ilhas da lagoa Manguaba. E o pior, quando um piloto de teco-teco, numa emergência, é chamado para aterrisar um Boeing 747.
Antiga colônia do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, a República de Santa Cruz só obteve sua independência em meados dos anos 1930. Trata-se de uma das menores nações em extensão territorial da África.
Além de ser banhada pelo oceano Atlântico, grande parte do território é coberta por savanas e possui belas paisagens naturais, sendo que as praias e os parques de animais (inclusive antas, jabutis, papagaios, quero-queros e veados) atraem milhares de turistas do mundo inteiro.
A economia é incipiente, já que o país não consegue oferecer trabalho para a maioria da população (10 milhões de habitantes), razão de grandes fluxos migratórios para os vizinhos. A principal atividade econômica é a agroindústria canavieira, que ocupa 70% da população. O limão, a rapadura e a cachaça são os principais responsáveis pelas exportações do país – tudo junto e misturado, claro!
A destilaria estatal Caipirinha tem sido a grande mola propulsora do desenvolvimento, responsável pela moagem de toda a cana produzida no território nacional.
Fala-se que Luisito “Onassis”, vencedor das últimas eleições presidenciais, só vai governar por quatro anos, como ele mesmo admite entre amigos, inimigos e correligionários. À sombra dele desde que foi fundado, o PNP – Partido Nacional Popular sabe que precisa de nomes para sucedê-lo. Quem largou na frente foi um certo Ernani Adady, seu ministro da Fazenda e virtual sucessor.
O ministro, no entanto, acaba de disparar um tiro na própria canela, que pode lhe deixar manco na dura caminhada que terá pela frente: ele instalou o desassossego entre os participantes da PESC – Previdência dos Empregados de Santa Cruz.
Em meio às recentes mudanças que promoveu na cúpula da destilaria estatal, ele tinha à sua disposição milhares de participantes, mas escolheu para presidir a PESC um com menos de 15 anos de carreira cujo maior mérito, cedido pela destilaria estatal, foi secretariar por uma década o sindicato dos trabalhadores de Santa Cruz.
O ministro jura que o presidente indicado para o fundo de pensão possui as qualificações necessárias para o exercício do cargo. Possui mestrado em História, com ênfase em catequese, conquista espiritual, Mesoamérica, concepções de história e cosmogonia das elites tribais em fontes coloniais. Não entendi bem, mas deve ser coisa boa!
A escolha, óbvio, reacendeu os temores de uso político da destilaria estatal, inclusive de seu fundo de previdência, que esteve envolvido em denúncias de fraudes, aparelhamento partidário e má gestão há poucos anos.
Para o ministro, no entanto, tanto faz um homem, um jabuti (o bicho não sobe em árvore; quando lá, é enchente ou mão de gente!) ou um papagaio minimamente treinado para ocupar a presidência da “Caipirinha” ou da PESC. São instituições que, segundo afirma, se modernizaram nos últimos anos com a implantação de várias camadas de controle no processo decisório através de colegiados, imunes a deslizes individuais de conduta.
Os aposentados e pensionistas da PESC discordam. Temem que essa conversa mole não passe de uma crença inoculada no imaginário coletivo, aflorando em metade da população o lado “Velhinha de Taubaté”, personagem do cronista brasileiro Verissimo que ficou conhecida nos anos 1980 por “acreditar no governo”.
Quando soube da notícia, lembrei-me de um ex-ministro brasileiro (cuja nomeação, no começo dos anos 1990, deixou nítida a importância que o então presidente da República dava ao Ministério do Trabalho), autor de três frases memoráveis:
– “A cachorra é um ser humano, e eu não hesitei” (sobre o uso de carro oficial para levar sua cadela ao veterinário).
– “O salário do trabalhador sempre foi imexível e continuará imexível” (neologismo oferecido a um repórter que o questionava se o plano econômico do governo afetaria a massa salarial).
– “Penso muito durante meus momentos de solidez” (sem comentários).
No presente caso, não vai pegar nada bem, mais tarde, o atual presidente da República de Santa Cruz argumentar que não sabia de nada. Que andava mais preocupado em discutir a relação entre a Rússia e a Ucrânia. Afinal, a melhor guerra continua sendo aquela que se evita.
Ah, claro, isso de governar "somente" por mais quatro anos é conversa para eleitor dormir. Está para ser descoberto o antídoto para a ambição humana. E buscar a reeleição continua sendo a mais cristalina e natural ambição daquele que detenha o poder.