Não deu, rapaz
Preocupada comigo, Dona Eudócia, minha mãe, perguntou-me nesta segunda-feira, bem cedinho: “Quem é esse rapaz que faleceu?”
De futebol, ela mal reconhece Pelé. Mas tinha acabado de ver um post nas redes sociais em que minha mulher aparece ao lado de nosso ídolo, Roberto Dinamite.
O “rapaz”, que se tornou sinônimo de gol e um dia até me fez sonhar ser jogador do Vasco da Gama, virou lenda. Aos 68 anos, tombou – guerreiros não morrem, guerreiros tombam – na manhã de ontem.
Não aconteceu o que sonhei, no começo do ano passado, quando aqui contei – veja mais adiante – do dia em que conheci quem me fez amar mais intensamente o futebol. Minha mãe agora sabe disso.
Não deu, rapaz. Tem muito tempo que não choro.
Golaço de ombro
Mal começa o ano e Roberto Dinamite, com o rosto pálido, olhos sem brilho, anuncia o início de tratamento para tentar derrotar tumores no intestino. E na onda de solidariedade que se forma, aparece Zico, no Instagram: “Bob, amigo... Você sempre foi um guerreiro e vai vencer mais essa luta fazendo um gol de placa... Queremos você sempre com o seu sorriso...”
Conheci Dinamite na noite de 06/10/2013, no Aeroporto JK, em Brasília. Ele, presidente do Vasco da Gama, chefiava a delegação do clube, que acabara de empatar em 1x1 com o Flamengo, no estádio Mané Garrincha. Eu participaria de uma reunião de trabalho na manhã seguinte, no Rio, e aguardava o embarque quando ele se sentou ao meu lado.
Tomei a iniciativa de me apresentar. Logo, ele quis saber se havia como a “minha” empresa patrocinar “seu” clube sem a exigência de certidões negativas requeridas pela Caixa Econômica. Esclareci que a regra valia para todas as estatais envolvidas com marketing esportivo. E tocamos a conversa com amenidades, eu fingindo ser natural estar diante do maior ídolo esportivo de minha vida.
A prosa ganhou cores e dores quando recordei momentos marcantes de sua trajetória profissional – boa parte extraída nas transmissões esportivas da Rádio Globo, no Jornal dos Sports ou na revista Placar. Alguns fatos nem ele lembrava, a ponto de brincar comigo: “Você sabe mais sobre minha carreira do que eu!” E sorriu largo, marca registrada do lendário artilheiro com mais de 700 gols em 1.110 jogos com a camisa vascaína, entre 1971 e 1989.
Não era um centroavante técnico como Tostão, Reinaldo, Careca ou Romário, mas, de sua geração, nenhum fez tantos gols, graças ao porte físico privilegiado, à capacidade de colocar-se bem na área adversária, de antecipar-se aos marcadores e à potência explosiva do arremate, além de, a custo de muito treino, transformar-se em exímio batedor de faltas e pênaltis.
Para Waldir Amaral, ícone do rádio esportivo, era “Dinamite... A camisa com cheiro de gol!”. Para Zico, "o atacante com quem melhor me entendi em jogos da Seleção". Os deuses do futebol, no entanto, tinham outros planos. Não permitiram que a dupla sequer tentasse evitar o fracasso nas duas Copas do Mundo em que estiveram juntos.
Em 1978, na Argentina, Zico sentiu o peso dos gramados castigados pelos rigores do inverno e, substituído pelo esforçado Jorge Mendonça, viu do banco de reservas Dinamite balançar três vezes as redes adversárias, inclusive na vitória contra a Áustria, que livrou o Brasil de voltar para casa ainda na primeira fase.
E em 1982, na Espanha, Roberto descartado pelo treinador Telê Santana – que apostou no tosco Serginho Chulapa –, assistiu das arquibancadas ao Brasil perder para a Itália sem ter a chance de atuar 10 ou 15 minutos ao lado de Zico, Falcão, Sócrates, Leandro e Júnior, craques que em um palmo de campo e uma fração de segundo poderiam com Dinamite explodir a muralha italiana e desviar o rumo da história.
A conversa flanava por aí quando ele se referiu a Zico. Os dois são amigos há mais de meio século. “O Galo foi o maior jogador de meu tempo. Nós começamos na mesma época, no juvenil. Não foi só a relação Roberto e Zico. Os pais dele, seu Antunes e dona Matilde, iam sempre ao Maracanã vê-lo jogar na preliminar e os meus pais também iam me ver jogar”.
Disse mais: “Eu não o chamo de Zico, chamo de “Galo”. E ele não me chama de Roberto, mas de “Bob”. É uma relação diferente e a gente até brinca que não precisávamos falar mal um do outro para levar 100 mil, 150 mil pessoas ao Maracanã. Crescemos assim. Adversários em campo, mas, acima de tudo, amigos”.
Evitei tocar num ponto quase trágico. Em 1972, aos 18 anos, Dinamite apaixonou-se por Jurema, viúva e com um filho, seis anos mais velha que ele. A família dele não aceitou o romance e isso o atormentava bastante. Um dia, então, quase marca um gol contra, segundo a revista Placar: engoliu de uma vez vários comprimidos que sua mulher usava.
“Eu vinha guardando aquela angústia só para mim. Tomei uma dose reforçada de calmante, mas não tinha a intenção de me suicidar... Só queria dormir uns dois dias seguidos para me desligar do mundo” – declarou à Placar. Jurema, que o levaria às pressas ao hospital naquele dia, morreu em 1984, precocemente, vítima de insuficiência renal crônica, deixando órfãs três crianças.
Quase tudo passa. Dinamite casou-se de novo e, mais adiante, em 1993, fechou a carreira de futebolista, virou político (vereador e deputado estadual) e dirigente esportivo. Hoje, aos 67 anos, ocupa cargo honroso e intransferível: avô de Valentina e Bento.
O Galo, querido amigo de meu ídolo, sabe quanto um ombro é importante para o gol de placa pelo qual ele torce. Quem sabe assim o velho Bob volte a sorrir largo com as cores, as dores e os sabores da prorrogação do jogo. E aí iremos todos cantar de coração...
Uma referência não apenas na condição de jogador. Merece todo respeito. Parabéns.
ResponderExcluirAno que parece não ter terminado ainda … dureza viu … Sábias palavras amigo … belo tributo !
ResponderExcluirGrande ídolo meu, também. Os 5 gols contra o Corinthians, após o retorno do Barça, colocam Roberto num lugar singular entre os atacantes brazucas. Houve mais habilidosos e dribladores, mas o gol contra o Botafogo, chapelando Osmar, reserva um outro nicho para o nosso Dinamite. Grande entre os melhores, inesquecível. RIP.
ResponderExcluirEmocionante e merecida homenagem meu amigo. Grande abraço do inverno gélido de Boston!
ResponderExcluirOntem, ao ouvir a notícia da partida, de um dos maiores ídolos futebolísticos da minha geração, fiquei muito triste e lágrimas escorreram pela minha face. Mas, não sabia que aquela tristeza, daquela notícia no final da manhã, por mais dolorosa que tenha sido, pelas inúmeras boas lembranças das atuações com a camisa do meu Vasco, não seria a maior tristeza do meu dia. A partir do meio da tarde meus olhos incrédulos passaram a assistir pela TV, algo até então inimaginável pela minha geração. Um ataque sem precedentes a Democracia, nunca antes visto pela nossa geração, que fizeram desse dia de ontem, um dos dias que não gostaria que tivessem existido. Vá em paz grande Bob, pois esse mundo não está merecendo pessoas da sua envergadura, RIP.
ResponderExcluirGrande homenagem ao artilheiro Dinamite.
ResponderExcluirLá se foram Edson e Roberto... os ícones estão se apagando. Nossos gritos de gol, mas de gols de profissionais, não de pinguins pintados e descoloridos, também estão sendo silenciados. O prazer de ver espetáculos... bem, sem comentários. O que se perde já não volta. Alguns tinham de ser eternos. Nisso Deus falhou....
ResponderExcluirMerecida homenagem! Como Vascaína também admirava Dinamite. Mais uma excelente crônica!
ResponderExcluirSuper merecida esta edição extraordinária do blog. Pena o motivo ser tão triste. Seu registro é particularmente emocionante. Final de semana de muita tristeza, em São Januário e em Brasília, como bem registrou Fernando Miranda.
ResponderExcluirHayton, pródiga, no mínimo, pode ser chamada a sua vida. Suas narrativas, sempre poéticas, encontram nos registros fotográficos anexados, a autenticidade que você dá aos fatos. De cor me lembro de Roberto Carlos, Pelé e, hoje, Dinamite. Esses, apenas uma amostra de todas as figuras notórias que passaram por seu caminho. E que serviram de mote para belas escritas. Que tanto nos deixam convencidos de que viver só vale se for intensamente. Parabéns, caro amigo. Bela vida.
ResponderExcluirRoberto Rodrigues
Bela homenagem Hayton! Acompanhei a carreira do Roberto pq meu pai, vascaíno, não perdia jogo do Vasco e era fã do maior jogador da Colina. Admirado em São Januário e por times rivais. Uma lenda que tive o prazer de conhecer pessoalmente tbm. Descanse em Paz Roberto e gratidão por tanta alegria que vc trouxe não apenas aos vascaínos, mas também ao Brasil.
ResponderExcluirBeto Barretto
Mesmo os não vascaínos, como eu, sempre reverenciaram os grandes ídolos que nos fizeram amar o futebol, ainda que tantas vezes sendo os carrascos dos nossos times. E Dinamite foi um destes, em que temíamos enfrentar, mas admirávamos a qualidade daquele gigante dentro de campo.
ResponderExcluirBem que imaginei. Depois de ler o livro “Frestas” há algum tempo, observei sua imensa admiração pelo Roberto Dinamite. E nos textos subsequentes, sempre apareciam referências ao grande ídolo.
ResponderExcluirSemana passada fiz a previsão: ele vai homenagear o grande amigo na próxima crônica. Não deu outra. Além de homenageá-lo, enriqueceu o texto fazendo referência ao encontro de sua querida mãe com o ídolo e presenteando os seus leitores com mais informações de cunho pessoal em torno do prematuro falecimento.
Fiquei feliz e orgulhoso pela especial homenagem. Parabéns pelo registro.
Detalhe: Por que a antecipação da crônica? Deve ser pelo passamento do amigo. Grande abraço.
Que dupla no céu, Pelé e Dinamite... gols simplesmentes fantásticos, como do Rei da final de 58 e de Roberto no lençol brilhante em Oscar. O Céu os recebem nas cadeiras cativas.
ResponderExcluirBela crônica que relata a importância de um grande ídolo. Roberto Dinamite não foi somente um craque, mas sobretudo um grande caráter. O futebol brasileiro perde muito,o Vasco está de luto e nós torcedores estamos chorando pela grande perda. Roberto será eternamente lembrado pelos vascainos.Deus acolha seu espírito.
ResponderExcluirBaita jogador, para quem este igualmente botafoguense bate palma (isso mesmo; ele era botafoguense). Teria ocupado um lugar maior na história se não tivesse se aventurado como político e cartola, carreiras que tanto lhe desgastaram a imagem.
ResponderExcluirBela homenagem daquele que um dia sonhou e tentou jogar igual a Bob Dinamite. Lembro-me do seu entusiasmo após uma vitória do nosso Vasco com gol de Roberto,.
ResponderExcluirVai mais um ídolo e, cada vez mais, ficamos órfãos de nossos heróis. Descanse em paz, Bob TNT
ResponderExcluirRoberto Dinamite vai deixar saudade, Hayton. Que Deus o tenha. José Alípio
ResponderExcluirFutebol e sua magia ficou mais triste. Grande Roberto Dinamite! Atleta e ser humano exemplar! Bela crônica amigo Hayton. Deus o acolha! 🙏
ResponderExcluirÓtima homenagem a um grande craque, com conduta exemplar de atleta e ser humano. Que descanse em paz!
ResponderExcluirEsta homenagem, caro amigo Hayton brotou, antes de mais nada, do seu gigante coração cruz-maltino que neste momento chora a perda do seu grande ídolo.
ResponderExcluirForça!
Luiz Andreola
O Vasco ganhou o campeonato brasileiro de 1974 disputando a final contra o meu Cruzeiro. Teve um gol anulado do meu time que até hoje ninguém sabe o motivo. Fiquei inconformado.
ResponderExcluirDinamite jogou contra o Cruzeiro. Talvez por isso passei um tempo achando o Roberto um jogador apenas mediano, bom finalizador e só.
Mas com o tempo, fui forçado a reconhecer a grandeza de Dinamite, os seus números fantásticos e a idolatria - beirando a santidade - que inspirava na torcida do Vasco.
Fui percebendo aos poucos a gigantesca admiração e respeito que ele despertava em adversários, inclusive pelo comportamento fora dos gramados.
Hoje não tenho dúvidas que mais uma lenda do futebol partiu pra outra dimensão. Roberto Dinamite é um desses jogadores e ídolos extraordinários, o qual todos nós que tivemos o privilégio de ver jogar reverenciamos.
Obrigado, Roberto, por tudo!
Obrigado, Hayton, por perpetuar também nos seus escritos a grandeza desse ser humano admirável!
Grande DINAMITE um monstro na área, que o diga Osmar Guarnele, zagueiro do Botafogo.
ResponderExcluirBoa Noite...
ResponderExcluirAos poucos, nossos ídolos nos deixam, fisicamente, como foi dito nos comentários. Continuarão muito presentes em nossas memórias e sempre serão referência em nossas "avaliações" dos que hoje se apresentam como "deuses", nessa paixão pelo futebol que domina a mente de milhões de brasileiros.
Belíssima homenagem, caro amigo Hayton.
A primeira vez que meu pai me levou a um estádio de futebol foi para assistir à partida Vasco x Tupi pela Taça Cidade Juiz de Fora, em 1986. O jogo terminou 4 x 1 para o Vasco, com um gol do Dinamite e duas assistências para o Romário, então uma jovem promessa. Eu tinha apenas 9 anos e me lembro como se fosse hoje. RIP TNT.
ResponderExcluirUma belíssima crônica, muito oportuna porquanto tratou do ídolo de todos, pelo menos fos da geração do autor , disso não tenho dúvidas . Parabéns
ResponderExcluirGrande Bob!
ResponderExcluirAprendi a gostar de Roberto Dinamite com meu pai, vascaíno "doente", como se dizia à época. Lembro de vários comentários dele de admiração pelos lances do grande craque. Hayton, como sempre um texto leve, ainda que uma notícia triste.
ResponderExcluirQuem um dia sonhou em ser jogador de futebol, entende perfeitamente o que representa um ídolo como Dinamite. Futebol não é fácil. Só os craques o vivenciam com simplicidade e tornam essa atividade uma paixão mundial inigualável. Parabéns meu amigo Hayton. Como sempre, crônica diferenciada.
ResponderExcluirO texto faz uma bela homenagem a um dos grandes ídolos do futebol nacional, venerado por vascaínos Brasil afora. Realmente o Jornal dos Sports (capa rosa), Placar e a Rádio Globo, no auge assim como o jogador, cobriram muito bem as proezas futebolísticas do craque Dinamite. A frase, muito oportuna, não esquecerei: "Guerreiros não morrem, guerreiros tombam."
ResponderExcluirEmocionante, amigo Hayton! Dinamite me fez Vascaíno Também.
ResponderExcluirApesar de ser flamenguista sempre fui fã de seu futebol e da pessoa que ele foi. Ser humano raro. Sempre amou e honrou seu clube de coração além do grande jogador que foi, infelizmente não teve o reconhecimento merecido. Mas por seus próprios méritos com toda certeza conquistou seu lugar das divindades do futebol no olimpo das estrelas.
ResponderExcluirAmigo Hayton. Parabéns pela crônica. Tributo ao eterno ídolo. Abraços
ResponderExcluirGrande Dinamite,
ResponderExcluirDeixou história e legado.