Esta semana meus primeiros netos completaram 15 anos. Mesmo de longe, acompanho a odisseia deles desde a época em que o tempo se media – e se celebrava! – em gramas, até que a fé na vida suplantasse a dúvida e o medo.
Hoje, vê-los sorrindo é suficiente para reabastecer o meu tanque de esperança e seguir viagem. Sem pressa.
Vingou a vida, brotou o avô que hoje conta histórias. Como esta compartilhada neste espaço há mais de três anos.
A vida pede passagem
Em sua crônica “Antes que eles cresçam”, o escritor e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna foi muito feliz ao dizer que “(…) O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco (…)”
Com apenas 27 semanas de gravidez, Renata teve que se submeter a uma cesariana bem antes da hora para receber meus primeiros netos, Breno e Camila. O rompimento acidental da bolsa, aliado à perda de líquido, a colocava com os filhos em extremo risco de infecção se nada fosse feito.
Ao nascer, cada bebê pesava menos que 1 kg e ambos poderiam ser transportados numa caixa de sapatos. Eram o que chamam de prematuros extremos. Médicos dizem que bebê que nasce antes das 36 semanas é considerado prematuro. Antes de completar 28, como meus netos, é prematuro extremo – os órgãos já estão formados, mas são muito imaturos.
Na agonia daquelas primeiras horas, para mim foi um tiro no pé recorrer a experts no assunto em busca de maior conhecimento. Fiz isso e entrei em pânico ao saber que prematuros extremos têm maior taxa de mortalidade e podem apresentar problemas na visão, dificuldades na alimentação e para respirar, além do risco de contrair infecções, dada à imaturidade do sistema imunológico.
Meu filho Leopoldo e sua mulher, Renata, viveram semanas de angústia e incerteza, de luta e esperança. Após o parto, durante o Carnaval de 2008, foram 46 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI neonatal) do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, com toda sorte de intercorrências.
Breno não amadurecera por completo o aparelho respiratório e teve até pneumotórax. Camila, o aparelho digestivo. A ponto de, por muito tempo, não digerir sequer uma gota de leite materno.
Toda noite pedia em minhas orações que ficasse conosco pelo menos uma das crianças para que o sofrimento de todos não fosse tão pesado, como se a dor pudesse ser repartida, atenuada, se o pior viesse a acontecer. No desespero, não sabia nem rezar direito. Deus que se virasse para entender pedidos tão confusos.
Foi quando Zé, um velho amigo mineiro, dotado de muitos saberes, mas leigo em ciências médicas, perguntou como estavam os recém-nascidos e compartilhei com ele aquilo que se passava, inclusive minha pouca fé na sobrevivência dos dois. Então me disse algo mais ou menos nessa linha: “Não fique tão preocupado... a vida quando brota faz de tudo para vingar...”
Arrepiei. Impressionou-me o fato de um ateu convicto como ele ter feito um milagre naquele instante: reabastecer meu estoque de esperança, que já andava na reserva. Quando a gente muda o jeito como encara as coisas, o que vemos acaba mudando de lugar.
A vida pedia passagem. Já era Páscoa quando Breno e Camila finalmente chegaram em casa, com saúde e em paz. Hoje, quase 12 anos depois, continuam muito bem, a viverem agora em São Paulo no auge da pré-adolescência, com as cores, os amores e os humores da hora.
Semana passada toquei no assunto com Zé. Indaguei se, após tanto tempo, ainda recordava de nossa conversa, ao que respondeu que lembrava sim, perfeitamente. Disse ainda que cada vez que vê fotografia dos gêmeos, conscientiza-se do “milagre”, como que reafirmando a força e os mistérios da vida, insondáveis para nós.
Garantiu de novo que há coisas que não dominamos, não podemos racionalizar. Que não podemos querer ter o controle de tudo. A vida tem seus caprichos e desígnios. Essa seria sua beleza!
"...Todos nós dançamos numa melodia misteriosa, entoada à distância por um músico invisível...", diria o físico Albert Einstein (1879 – 1955).
Era madrugada. Fui para a varanda e deitei na rede, a esperar o sol nascer, rever fotografias de Breno e Camila na linha do tempo e a ouvir Caetano Veloso: “(...) o tempo não para e no entanto ele nunca envelhece. Aquele que conhece o jogo, o jogo das coisas que são, é o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão (...)”
Logo depois o sol nasceria na hora certa, maduro, como sempre acontece. Na leveza do primeiro sono, cheguei a ver o vulto de meu velho amigo Zé emergindo das águas da praia de Pajuçara, em Maceió, a cantarolar: “(...) Quem é ateu e viu milagres como eu sabe que os deuses sem Deus não cessam de brotar (...)”
E isso tudo se chama fé. Uma crença inominada que graceja onde só há vulto. Nada de concreto. Só o desejo firme, que mira num fato objetivo. Que a concretizar-se, se torna realidade e tangibiliza uma vontade firme. Daquelas que de tão arraigadas e teimosas, passam a existir. E preencher uma lacuna por muito por nós instada com veemência e ardor.
ResponderExcluirRoberto Rodrigues
Para Deus,nada é impossível. O milagre da vida já tinha acontecido,parabėns para os gêmeos, que cresceram firme e forte.
ResponderExcluirMinha filha nasceu pequena para a idade gestacional. Senti reviver as memórias e toda essa emoção da vida fazendo de tudo pra vingar, frondosa hoje ela com 19 anos. Parabéns ao lindos netos. Dedé Dwight
ResponderExcluirNada é por acaso, tudo vem e vai da vontade de Deus. A maioridade se aproxima e a sensibilidade do avô se aperfeiçoa. Para aos filhos, pais e avós.
ResponderExcluirGlória a Deus! É a prova da existência de um Deus que faz milagres! Movidos pela fé. Aleluia!
ResponderExcluirUm primor meu amigo, lições de vida ! Também tenho o privilégio de viver e curtir os netos, filhos com açúcar !
ResponderExcluirImagino sua emoção ao relembrar desses momentos de recém nascidos dos seus primeiros netos. As vidas que brotaram vingaram e hoje fazem a alegria de toda a família. Que bom que apareceu o Zé, com sua sabedoria, pra mudar a sintonia e trazer esperança e fé.
ResponderExcluirHaroldo
O poder da oração é imensurável.
ResponderExcluirDeus sabe de todos os pedidos guardados em nossos corações. Ele sabe traduzir o que queremos dizer.
Feliz vida, Breno e Camila. Que vocês sigam crescendo em estatura e graça.
Pouca nem sabia que tinham gêmeos aí. Acho lindo. E como foi dolorido. Mas como Chico Xavier dizia"Tudo passa"hoje São belos e você todo orgulhoso. Sinto isso por vocês. Parabéns. E um grande abraço em Leopoldo. Dayse Lanzac
ResponderExcluirPuxa*
ResponderExcluirHoje é o primeiro dia de aula de 2023 e terei o prazer de acompanhar meu neto até o Colégio para, junto com ele, desbravar escadas e corredores e, enfim, descobrir qual será sua nova sala de aula e quantos dos colegas do ano passado continuam na turma deste ano.
ResponderExcluirComo é bom poder compartilhar com nossos netos esses momentos que passam rápido, mas que, felizmente, ficam gravados em nossis corações.
Luiz Andreola
Bonito e emocionante.
ResponderExcluir"Hoje, vê-los sorrindo é suficiente para reabastecer o meu tanque de esperança e seguir viagem. Sem pressa." Que maravilha de poesia e de sensibilidade. Realmente o Zé está muito certo. A força da vida irrompe e transforma tudo à sua frente. Mas, sei bem de onde falou pois meu 4 filho também é um milagre, ao nascer de 6 meses e com apenas um quilo. Em você, teus netos terão suas histórias de vida para nela se reconhecerem e crescerem. Parabéns por ser este avô tão presente e amigo.
ResponderExcluirParabéns por mais um belo texto publicado. Experiência gratificante vivida com os netos gêmeos.
ResponderExcluirNossa Hayton! Que texto bonito! Emocionante, especialmente para quem também viveu essa emocionante experiência de vida. Desejo vida, longa vida e tudo que é bom!
ResponderExcluirA arte da crônica é tomar um fato banal e transformá-lo numa bela história.
ResponderExcluirNeste caso, apesar da beleza da crônica e do talento do cronista, ocorre “quase” o contrário: não há narrativa, por mais hábil e linda que seja, que suplante em emoção essa história de vidas humanas em pleno viço.
O cérebro e o coração têm limites. A vida, ao que parece, não.
Parabéns a avós e pais, mas, principalmente, aos atores principais!
Este é o meu velho amigo Zé (José Maria Rabelo), a quem serei eternamente grato pela oportuna lembrança das regras do "jogo das coisas que são".
ExcluirLinda e emocionante história. Para Deus nada é impossível e somente Ele sabe de todas as coisas, a nós só resta ter fé e esperar, pois tudo é no tempo dEle.
ResponderExcluirA vida vem em ondas …
ResponderExcluirE as suas crônicas também!
Vida plena aos seus netos.
Ondas de crônicas pra nós, seus felizardos leitores!
De vocês emanou toda energia positiva reservada para ser gasta naquela ocasião. E, principalmente as orações a Deus, às vezes sem nem saber o que estava rezando, mas Ele sabe de todas as coisas. Glória s Deus pela vida de Breno e Camila! Perpetua
ResponderExcluirSó vinga na vida daqueles que tem a missão de viver. E viver é a mais linda missão das nossas existências. Parabéns a todos os que lutaram por elas, desde os médicos daqui como os de mais além que, certamente , souberam desfazer o novelo de turbulentas, mas fervorosas, orações.
ResponderExcluirOlá Hayton.
ResponderExcluirInfelizmente, há uma certa faixa da população que associa o ateu a uma pessoa fria, insensível e até mesmo sacrílega. Erro crasso. Como o meu xará de sua belíssima crônica, sou também ateu convicto - convicção formada na trilha dos anos, a partir de um católico tradicional - e fiquei encantado com o poder de síntese da frase: "...a vida quando brota faz de tudo para vingar...”. É o milagre da vida. Sem necessidade de divindades, quaisquer que elas sejam. Simplesmente, é a vida!
Mudando o foco para suas crônicas, nunca é demais dizer que são muito belas e, não raro, você nos presenteia com essas superações de você mesmo. Muito forte sua crônica sobre os avós e a vida. Poética, bonita e encantadora. Diria até, exuberante!
Pela “caligrafia”, deu pra notar que se trata de você, Santana, vizinho de meu amigo Silas, em Salvador/BA. Qualquer hora dessas passo por aí para que me explique melhor tudo isso (pretexto, a bem da verdade, para nos conhecermos pessoalmente). Abração.
ExcluirJá estou esperando pelo vinho, tira gosto vegetariano e um papo prá lá de bom.
ExcluirInté.
Diz a sabedoria popular que um ateu só lembra da existência de Deus quando ele adquire alguma doença, encara uma tragédia ou coisas do tipo. Não acredito que exista alguém cem por cento ateu. O texto nos mostra isso. Belo texto.
ResponderExcluirEu me lembrava muito desta crônica, até porque foi forte a minha emoção ao realizar sua leitura, até uma lágrima verti, o que voltou a acontecer agora.
ResponderExcluirOutro detalhe que me marca é que penso exatamente como seu amigo Zé, sem ter o brilhantismo dele, claro. Também ateu, recuso-me a ser um materialista, creio que uma forte energia, certamente produzida pelo amor ou algo forte assim, mas que não conseguimos definir exatamente, se não conduz, pelo menos nos impulsiona pra atingirmos objetivos aparentemente inalcançáveis, como aconteceu com seu filho, sua nora e você e esposa.
O mais importante de tudo é seus netos estarem tão bem, na plenitude da energia e saúde, como bem mostra a foto aí. Que seja sempre assim, que eles desfrutem plenamente as coisas boas da vida.
Teria muita coisa a falar sobre a felicidade, o privilégio de ser avô, mas vou me conter, seria enfadonho para quem acessasse aqui pois certamente eu preencheria umas dez páginas.
Fico aqui agora imaginando o que devem pensar seus netos ao contemplar as pérolas finas produzidas por você em forma de crônicas.
Grande abraço.
“A vida pede passagem!”
ResponderExcluirE vocês seguem a viagem, com esperanças renovadas a cada dia, a cada fevereiro!!
Lembro do sofrimento de 2008.
E também lembro da grandeza do teu gesto de reconhecimento na posse da CASSI, em 2010.
Deus também sabe escrever suas linhas. E as vidas abençoadas da Camila e do Breno estão aí pra alegrar o dia-a-dia do Leopoldo, da Renata, dos avós e toda família.. ✍️ 🙏🙌
Milagres acontecem todos os dias. Em Brasília, Maceió, na Síria ou naTurquia. Só depende de como nós enxergamos os fatos. Parabéns a Camila e ao Breno pela vida, maior benção que receberam. Parabéns à família iluminada a 15 anos por esses dois milagres! Beto Barretto
ResponderExcluirAprendi, através de muitos acontecimentos na minha vida, que Deus não faz nada pela metade. Faz por inteiro, completo. Parabéns ao Breno e à Camila. Vida linda e feliz para eles!
ResponderExcluirMarina
ResponderExcluirMaravilha! As palavras do poeta e do amigo mineiros dão o brilho especial deste texto. Parabéns a todos! Ósculos e amplexos!
ResponderExcluir" Avida quando brota faz de tudo para vingar...” Sensacional essa frase!!
ResponderExcluirLindo texto. Quem tem o privilégio de ser avó e avô se emociona com palavras do tipo.
ResponderExcluirNós, os avôs, sabemos o que é o amor de um neto. E sabemos, também, o valor imensurável de cada sorriso. Mas fé, sem esperança, não é nada. Uma vez que brota, a fonte fará de tudo para não secar. Assim é a vida. Poder comemorar a consequência da fé, já é o céu. Parabéns, meu amigo.
ResponderExcluirCom fé em Deus, não há trevas que prevaleçam ou turbulências capazes de nos afastarem do caminho certo. Deus transforma choro em sorriso, dor em força, fraqueza em fé e sonhos em realidade. O texto celebra o milagre da vida e corrobora o pensamento do filósofo Zé Mineiro: (...) a vida quando brota faz de tudo para vingar (...). Parabéns! Que Deus ilumine sua família!
ResponderExcluirHayton, sempre vi os netos como uma dádiva muito especial do Criador. Essa sua crônica, tão caprichosamente elaborada, revela o valor dessas crianças para a felicidade dos avós e que milagres existem. Vida longa para eles e para você. Forte abraço, meu amigo.
ResponderExcluirHayton, linda a história dos seus netos, contada com o coração.
ResponderExcluirQuando você fala do amigo Zé de Minas Gerais, eu me lembrei do Zé Maria Rabelo, uma pessoa ímpar, que você revela sem seguida.
Parabéns para o Breno e a Camila!!!
Vida plena de saúde e felicidades, para eles e toda família.
Irmar
Quem de nós, ante uma situação tão delicada, pode afirmar alto e bom som que tudo chegará à um bom termo? O melhor que podemos fazer é entregar aos cuidados de nosso Pai Celestial e confiar.
ResponderExcluirQue crônica maravilhosa! Parabéns para o vovô!
ResponderExcluirO prólogo de seu texto (notadamente o excerto "em que o tempo se media...") evocou-me saudosa lembrança do mestre Millôr Fernandes e de suas tiradas geniais. Explico-me: lá pelos idos de 2003, Millôr publicou "Crítica da razão impura ou o primado da ignorância", inspiração, às avessas, na monumental obra kantiana. No livro, Millôr, com seu insuperável humor ácido, destilou ironia na "análise crítica" de duas obras dos ex-presidentes José Sarney e FHC, respectivamente "Brejal dos Guajas" e "Desenvolvimento e dependência na América Latina". A "obra" de Sarney foi impiedosamente massacrada. Eis o trecho que reativou minha memória: "SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VI. TRECHO DO LIVRO: 'I) O caminho do Brejal era longe. II) Longe demais para ser contado em dias ou léguas. III) A distância dependia da época das viagens: se era no Inverno, invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, não tinham (1) fim. IV) De comboio ate longe, de longe em canoa subindo o rio Itapicuru ate a Laje Amarela, e de lá a cavalo até a ponta da rua ou mais, se era amigo, e se não era, da ponta da rua ate à hospedaria do mercado, falando mansinho, olhando de lado e de frente (2), ate que se soubesse a que vinha e donde'.
ResponderExcluirI) Frase já comentada. II) Contado (é medido que ele quer dizer? Então em quê? Anos - luz? Não, na frase III vê-se que o caminho do Brejal era longe como qualquer caminho quando chove paca". Vale a pena deliciar-se com os textos millorianos. De lá pra cá, não consigo enxergar ninguém que o tenha superado. Ele e o Barão de Itararé, penso, não deixaram sucessores à altura. Preciso do humor porque a vida não basta!
Lindo texto a exuberância da vida vem em abundância pelas mãos do Criador não importa as dificuldades .
ResponderExcluirOs milagres acontecem de muitas maneiras ao nosso redor. Muitas vezes, a aparição de um anjo. Ainda mais um anjo chamado Zé. Que belíssima história! E o cronista, além de ter tido “ouvidos que ouviram”, também compartilha o presente para que outros também recebam seus benefícios. Semeadura em terra fértil.
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