quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Arte ou macacada?

Na última quinta-feira, enquanto tentava acompanhar uma aula por videoconferência, recebi de meu amigo, o espirituoso jornalista e escritor Francicarlos Diniz, uma mensagem enigmática:

– Vai render pano pra manga. Ou melhor, banana...
– A preço de banana? – devolvi, brincando, mesmo sem entender aonde ele queria chegar.
– De bananada... – ele retrucou.
– Aí pode embananar tudo... – insisti, esperando o troco.
– E ainda dizem que nós é que somos a República das Bananas...

 

Achei que ele falava da coleção Diário de um Banana, que acaba de chegar ao 19º livro, Baita Lambança. A série, escrita por Jeff Kinney, já vendeu mais de 290 milhões de exemplares em 70 idiomas. Mas não: Francicarlos se referia a outra “banana” que dominava as manchetes.

 

Uma obra de arte – com o perdão da palavra! – composta por uma simples banana presa à parede com fita adesiva foi vendida por absurdos US$ 6,2 milhões (cerca de R$ 35 milhões). O comprador foi Justin Sun, magnata das criptomoedas. A peça, intitulada Comediante, do italiano Maurizio Cattelan, reacende a velha questão: afinal, o que é arte?


A banana, que já havia causado furor na Art Basel de Miami em 2019, repetiu o feito na Sotheby’s de Nova York, onde, após lances frenéticos, superou a estimativa inicial de US$ 1,5 milhão. Justin Sun, além de pagar em criptomoeda, ainda herdou a obrigação de substituir a banana quando ela apodrecer. Para ele, porém, não era só uma fruta pendurada: “É um fenômeno cultural que une arte, memes e a comunidade cripto”, declarou, como quem descascava uma verdade universal.

 

A ironia não passou despercebida. Especialistas compararam a peça a Autorretrato, de Banksy, e à provocação histórica de Marcel Duchamp, com sua Fonte – o icônico urinol de 1917. Foi aí que Francicarlos, implacável, disparou mais uma: "Esse Duchamp, que de banana não tinha nada, começou com essa macacada.


Ilustração: mosaico de obras de Catellan, Banksy e Duchamp


De fato, Duchamp inaugurou o ready-made, transformando objetos comuns em arte e confundindo os limites do que pode ser exposto. Décadas depois, Andy Warhol imortalizaria a banana como ícone da arte pop, estampada no álbum inaugural da banda The Velvet Underground. E agora, Cattelan estica ainda mais essa corda, pendurando uma obra absurdamente simples e milionária.


Enquanto pensava nisso, lembrei de Bienal, a canção de Zeca Baleiro que satiriza o mundo da arte contemporânea com versos como “fios de pentelho de um velho armênio” e “asa de barata torta”. É o retrato ácido de um elitismo artístico que aliena o público comum – aquele que, como a mãe do narrador da música, exclama: "Meu filho, isso é mais estranho que o cu da gia e muito mais feio que um hipopótamo insone". Noutras palavras: é arte ou macacada?

 

Recordei também um episódio com meu amigo Anchieta, cearense de língua afiada, numa exposição no CCBB, em Brasília. Ele ficou cara a cara com cilindros metálicos pintados de vermelho que ostentavam uma etiqueta de obra de arte. Olhou para mim e cochichou: "Tá parecendo o tonel enferrujado em que a gente guardava água lá no quintal de casa, quando chovia no Ceará".

 

Voltei à aula, mas Francicarlos, certeiro, lançou uma última farpa antes de desaparecer: "Agora preste atenção à aula que o bedel tá de olho em você!".


Acatei o conselho, mas entre bananas milionárias e velhos amigos – não os comparo, que fique claro! –, tento decifrar o mundo de hoje que temos pro jantar. Só me falta aparecer alguém, inspirado em Zeca Baleiro, para “misturar anáguas de viúva com tampinhas de pepsi e fanta uva num penico com água da última chuva...”

 

Arte ou macacada? Talvez o verdadeiro espetáculo esteja em nos fazer rir do absurdo, mesmo que, no fundo, o riso seja de nós mesmos. Entre criptomoedas e valores intangíveis, penso até no camburão que deveria estar na porta da Sotheby’s, de Nova York, não para prender os lances da imaginação, mas os exageros da lógica. Mas tudo leva a crer que dinheiro cai do céu para essa turma!

 

Desde a última quinta-feira, todas as manhãs, quando acordo, enquanto olho o espelho do banheiro, tento decifrar o que passa na cabeça do velho ranzinza que me encara. Seria ele um ready-made ou apenas mais uma peça deslocada numa paisagem modernosa?

 

Na corda bamba, lá vamos todos nós, entre a genialidade e o absurdo, pendurados como bananas numa galeria que insiste em chamar de arte aquilo que só reflete a loucura deste admirável mundo contemporâneo.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Fome, fúria e o mistério do pavão

Não sei vocês, mas sou daqueles que, ao ver um jornal ou revista antigos, não resiste à tentação de revisitar ecos de outros tempos. Quando vejo um recorte interessante, mergulho profundo numa viagem quase sem volta: o que terá acontecido com os protagonistas dessas histórias? Onde estão agora? Foram felizes? Deram certo ou desapareceram nas entrelinhas da vida?

 

Dias atrás, me deparei com um recorte da Folha de São Paulo, de 12 de janeiro de 2004, com um título tão surreal quanto o enredo: “Homem é espancado após matar pavão em praça no centro do Rio de Janeiro”.

 

Ilustração: Umor (Uilson Morais)

Paulo Roberto de Oliveira, 37 anos, desempregado e faminto, perambulava pelas ruas quando decidiu que um pavão, mais ornamentado que o próprio Clóvis Bornay no Carnaval, seria seu jantar. Não sabia que a ave, mais que um enfeite da fauna urbana, era mascote da comunidade de travestis da Praça da República.

 

Foi aí que entrou em cena o "bloco da fúria". Ao verem Paulo carregando o pavão desfalecido, os travestis iniciaram um verdadeiro carnaval de pedradas, pontapés e tapas. No desfecho, digno de seriado de TV, o miserável acabou com o braço preso às grades da praça, pendurado como um Judas em Sábado de Aleluia, até ser resgatado pelos bombeiros para ser indiciado por crime ambiental. Já os travestis, sumiram antes que pudessem ser chamados para esclarecer o "quase abate" de outro animal, da espécie supostamente o mais racional de todas. 





Já se passaram mais de duas décadas. O que aconteceu a Paulo? Está vivo aos 57 anos? Tem filhos e netos? Entrou na política? Fez carreira como influencer? Continua pulando grades na madrugada ou encontrou algum emprego entre uma reforma trabalhista e outra, podendo agora pagar boletos e impostos, ser chamado de consumidor e contribuinte? Quem pode me dizer? 

 

É certo que o desemprego (ou emprego informal) continua um monstro de setenta cabeças, crescendo com uma voracidade comparável à fome daquele fatídico dia, embora as estatísticas oficiais nem sempre reflitam esse estado de coisas no lado debaixo da Linha do Equador.

 

Mas não é só o destino de Paulo que me intriga (uma entre 250 mil almas em situação de rua no Brasil), e sim também o destino do coitado do pavão. Aquela inocente criatura, que poderia ter saciado a fome de outros viventes, acabou despertando a fúria desmedida de outros. Terá ele deixado algum legado proteico digno de nota? Chegou a transferir a sua carga genética para alguns filhotes?

 

Com meia dúzia de interrogações na cabeça, me transporto à canção “Pavão Mysteriozo” (da trilha sonora da telenovela global Saramandaia, de Dias Gomes), do cearense Ednardo que, nos anos setenta, carregava em suas asas críticas veladas à realidade opressora do regime militar.

 

O pavão daquele tempo não era nenhum desses jogadores de futebol chatos, deslumbrados e presunçosos, estrelas de um mundo midiático que se cotam acima daquilo que realmente valem. Nem alguns emplumados de gravata e paletó que conheci ao longo da minha vida profissional. O pavão de Ednardo era uma bela metáfora de voo, de liberdade, de fuga de uma realidade sufocante. E o folheto de cordel que inspirou o artista cearense (“O Romance do Pavão Misterioso”, publicado em 1923, por José Camelo de Melo Resende), tinha voltado a circular em um Brasil que sonhava voar para longe da repressão.

Gráfico

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa


Vinte anos depois, talvez Paulo, se ainda circula por aí (caso tenha se poupado do vexame de morrer tão moço, como canta Ednardo!), seja só mais um rosto perdido entre estatísticas que servem ao conforto de quem vive fora da linha de fogo. Sua fome e sua fúria seriam testemunhas silenciosas de um sistema que perpetua a exclusão e alimenta a indiferença.

 

E o pavão? Mais do que uma ave, simboliza o orgulho ilusório de uma nação que valoriza cores vibrantes, mas esconde sob as penas a escuridão de quem ignora os vulneráveis. Como no cordel de José Camelo, esse pavão também tenta voar para longe, mas suas asas estão presas às grades da desigualdade, eternizando a miséria.

 

E nós, prostrados em nossos sofás, seguimos assistindo a esse drama social como se fosse só mais um episódio de uma novela que nunca termina. Talvez sejamos os verdadeiros pavões: encantados pelas aparências de um progresso ilusório, enquanto a fome, a injustiça e a exclusão permanecem. Fechamos os olhos, mas a fome – não só de comida, mas de dignidade – continua nos encarando.

 

Vou parar com essas "viagens" sobre recortes de jornais e revistas antigos. Já basta o noticiário do dia. Se bem que o problema não está em revisitar esses recortes, mas em nossa incapacidade de transformar as histórias que eles contam. Porque, a rigor, todo recorte é um espelho: reflete o que fomos e nos mostra o que ainda podemos ser.



quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Traquinagens do acaso

Não posso garantir, mas desconfio que, em 1949, o imigrante libanês José Fares Haddad Lupus tenha sido vítima de uma das clássicas gafes datilográficas dos cartórios de antanho. Lá em Orós, no interior do Ceará, ao registrar o caçula, o nome pretendido era Raimundo Wagner. Saiu de lá, no entanto, com um Raimundo Fagner. Dona Francisca, a mãe, deve ter suspirado fundo. No fim, quem diria, o erro se revelou um golpe de sorte: o menino cresceu com um nome diferente e virou estrela de primeira grandeza, um dos maiores cantores e compositores do Brasil, dono de mais de 40 álbuns e uma legião de fãs espalhados pela América Latina.

 

Algo parecido aconteceu anos depois, em Penedo, Alagoas. Um amigo meu quase se chamou Wagner, mas seu pai (que nunca soube do caso envolvendo o imigrante libanês) saiu do cartório com a certidão de nascimento do filhão Wanger. Pode uma coisa dessas? O escrivão de Penedo superou o de Orós no quesito criatividade. Erro humano ou ato divino, pouco importa. Eram dois "Wagners" a menos no mundo. No Ceará, Fagner. Em Alagoas, Wanger, que, por obra do acaso, hoje trabalha lá pelas bandas de Fortaleza.

 


Fagner, conheço de longe, pelas ondas do rádio e pelas telas da TV. Foi uma das vozes que ecoaram do Nordeste para o Brasil, junto com Alceu Valença, Belchior, Ednardo, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho, entre outros. Cada um, à sua maneira, misturou raízes regionais com elementos urbanos, mas Fagner escalou alguns degraus a mais: seu canto alto, às vezes esganiçado, dividiu opiniões. Mesmo assim, ninguém nega o talento que o levou a parcerias com figuras míticas como Chico Buarque, Elis Regina e Nara Leão.

 

Já Wanger, ou melhor, Gasolina – apelido que lhe caiu como um boné por causa da velocidade nos campinhos de futebol –, conheço de perto. No final dos anos 70, trabalhávamos na mesma empresa em Alagoas e fazíamos de conta que jogávamos. Enquanto eu, centroavante, esperava cruzamentos na área adversária, ele, ligeiro feito boato, corria como um Fórmula 1 pela beirada do campo, quando boa parte da turma engasgava o motor no álcool. Com trocadilhos.  

 

Anos depois, ele foi para o Rio, eu para Brasília, e só nos reencontramos em 1990, na Bahia. Casados e com filhos, dividíamos mais do que memórias: nossa pobreza era quase um patrimônio. Nossas “namoradas” criaram uma amizade que dispensava formalidades, e entre confidências, gargalhadas e lágrimas, atravessaram bons e maus bocados.

 

Mas a estrela de nossos encontros em família era sempre Wanger, com sua simpatia única. Churrasco no quintal? Improvisava uma churrasqueira com quatro paralelepípedos e uma grelha enferrujada, torta. A trilha sonora? Dois CDs: Fagner e Sinatra. “Nacional ou internacional?”, ele perguntava, se acabando de rir. Quem escolhia sabia que ouviria a mesma música até o sol pedir arrego em Vilas do Atlântico, nos arredores de Salvador.

 

Foi num domingo como outro que a molecagem me pegou de jeito. Voltávamos da praia, eu e meus dois filhos (de 13 e 10 anos), cansados de tanto mergulho. Gasolina e os seus ficaram na barraca Odoyá Iemanjá. Com o corpo ainda anestesiado pelas cervejas do dia, tive uma ideia estúpida: tocar a campainha de uma mansão e sair correndo. Sem avisar os meninos, apertei o botão e disparei feito um doido ou um dos capitães de areia da obra de Jorge Amado.

 

No auge da traquinagem, meu pé encontrou uma pedra saliente. Foi um encontro desastroso: a danada nem se mexeu e meu dedão quase foi amputado. Sangrando e mancando, cheguei ao carro, onde minha mulher e nossos filhos me olhavam com aquele julgamento mudo que dispensa palavras: "Isso é papel de pai?", devem ter pensado.

 

Na segunda-feira, lá estava eu, de paletó e gravata, um pé no sapato, outro numa sandália. Liturgia do cargo ou palhaçada fashion, cada um que tirasse suas conclusões. Na reunião matinal, tentei manter a compostura e convencer os colegas de que o curativo era herança de uma pelada no sábado. Wanger, na maior cara dura, ainda ofereceu um par de chuteiras para a próxima. O sorriso apertava os olhos e fazia escorrer óleo de peroba pelos cantos do bocão.

 

Dias depois, a ferida cicatrizou, e o episódio caiu no esquecimento. Mas bastou um jantar recente em Maceió, regado a pão, vinho e risadas, para espreguiçar a criança que cochila dentro de nós. E lá estava, esperta e saltitante, pronta para novas travessuras.

 


No fundo, é isso que nos salva: rir dos tropeços e relembrar velhas histórias com quem compartilha o peso – e a leveza – de nossos caminhos. O acaso pode até pregar peças, sim, mas são as amizades que nos ajudam a transformar pedras em degraus. Viver também é equilibrar-se entre gafes de cartório, churrasqueiras improvisadas e estrepolias inesquecíveis.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Ecos de uma paixão

Os primeiros sintomas apareceram nos campinhos empoeirados nos arredores de Patos, no Sertão paraibano, onde brinquei de jogar bola até os 10 anos de idade. Naquela cidade também ouvi pela primeira vez a narração de uma partida de futebol entre o Nacional (de Canário, Lulu e Perequeté) e o Esporte, pela Rádio Espinharas, cujo locutor morava na mesma rua que eu. 

 

Fotografia: Edson Carvalho *

Quem viveu a experiência viu que futebol "assistido" e "irradiado" eram universos paralelos, habitados por emoções distintas. No rádio, os narradores faziam da partida um drama épico, mesmo quando, no campo, a bola circulava preguiçosa de um lado para o outro, sob um sol particular para cada um. 


Pelas ondas sonoras, cada ataque era uma investida heróica, uma marcha contra trincheiras inimigas. E o gol não era apenas uma bola que atravessava a linha de fundo e adormecia nas redes. Era êxtase coletivo, um urro em coro – Gooool! O futebol ao vivo se sentia absurdamente diminuído, sem a grandiosidade que a voz do rádio lhe conferia.

 

O rádio era uma alquimia de vozes que criava paisagens invisíveis. Não era som sem imagem, era som inventando imagens, costurando realidades além das limitadas por olhares míopes. E isso não se restringia ao futebol. O noticiário carregava uma autoridade quase mítica, uma presença que a TV nunca alcançou – uma voz firme preenche o imaginário de forma mais profunda que qualquer imagem de um locutor maquiado e com todos os fios de cabelo no lugar.

 

Diferente de agora, nunca troquei o campo pelo sofá. Ir ao jogo era ritual, ainda que, na prática, o espetáculo nem sempre fosse o drama pulsante que o rádio sugeria. Mas o casamento entre esses dois universos só veio quando ganhei meu primeiro radinho de pilha. Ali, com os olhos no campo e os ouvidos na narração, o futebol se completava: eu tinha o jogo visto e o contado, duas faces da mesma paixão.

 

Era o tempo dos narradores que, sem a imagem para provar ou contestar, dramatizavam cada lance. As narrações, verdadeiras obras de ficção, eram projetadas do meio da torcida ou da beira do campo, sem o luxo das cabines fechadas. 


Nos anos 1970, nas Alagoas de Arivaldo Maia, Édson Mauro, CSA e CRB, a TV enfim chegou lá em casa. As imagens passaram a dispensar certas palavras, e o "tira-teima", mais adiante, trouxe a precisão dos números, das distâncias – como se a emoção pudesse ser medida. 

 

No rádio, o narrador precisava de uma assinatura própria, algo além de um bordão, uma marca poética que elevasse a grandiosidade do lance: um drible, um chute, um gol raro, decisivo. Isso acabaria migrando para a TV, além de, mais recentemente, para plataformas digitais como UOL Esportes, GloboEsporte.com e SportTV Play.

 

Quatro desses porta-vozes da emoção (alegria, medo, raiva, surpresa, tristeza e outras) foram marcantes na consolidação de minha paixão pelo futebol. 


Geraldo José de Almeida, a voz do tricampeonato mundial na Copa do México, em 1970, eternizou frases como "Que é que é isso, minha gente!", "Olha lá, olha lá...", “Por pouco, muito pouco mesmo”, e criou apelidos inesquecíveis como "Craque café" (Pelé), “Mineirinho de ouro” (Tostão) e "Garoto do Parque" (Rivellino). 

 

Os bordões de Waldir Amaral até hoje ecoam em meus ouvidos: "Estão desfraldadas as bandeiras do... Um tirambaço sensacional, fuzilou...!”. “Dez, é a camisa dele... Indivíduo competente...". “Tem peixe na rede do...” e "O relógio marca...". Foi ele quem apelidou Garrincha de “Demônio de pernas tortas”, Denilson de "Cacique de Ramos" e Zico de “Galinho de Quintino”.

 

Lembro ainda de Januário de Oliveira, mestre em apelidos. Chamava Ézio de "Super-Ézio", Valdir Bigode de “O matador de São Januário” e Sávio de "Anjo Loiro da Gávea". E gritava: "Taí o que você queria, bola rolando…", "Tá lá um corpo estendido no chão", “Tá na área, é agora, bateu...”, “É disso, é disso que o povo gosta!”, “Cruel, muito cruel...”  

 

E o irreverente Silvio Luiz, autor de expressões impagáveis como "Olho no lance!", "Pelo amor dos meus filhinhos", “Pelas barbas do profeta”, “Foi, foi, foi ele, o craque da camisa...”, “É mais um gol brasileiro, meu povo, encha o peito, solta o grito da garganta e confira comigo no replay”, além de “Entortou a bigorna”, “Desandou a maionese” e “No pau!” – quando a bola acertava as traves, bem entendido. 

 

Ando, reconheço, com certa má-vontade em descobrir novos porta-vozes. Não vejo mais ninguém feito Waldir Amaral, quase sete da noite de um domingo qualquer, há meio século, contar como viu o gol mais bonito da história do Maracanã: Vasco e Botafogo empatavam quando, no último minuto, Roberto Dinamite, um semideus da bola, atingiu a perfeição (ouça aqui). Meus olhos chuviscaram.


Desde os campinhos empoeirados no Sertão paraibano, o futebol para mim nunca foi só brincar de jogar bola. Tinha cheiro e gosto de paixão e poesia no ar.   


(*) - A imagem que ilustra este texto, do amigo fotógrafo Edson Carvalho, foi a 1ª colocada do Concurso de Fotografia do Museu do Futebol 2024, São Paulo (www.museudofutebol.org.br).







Vendaval de ilusões

Você já deve ter ouvido falar dos infames três “P” presentes nos ensaios sociológicos: pobre, preto, da periferia. Antonio Domingos, ou simp...