Quando a vida pede passagem
Em sua crônica “Antes que eles cresçam”, o escritor e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna foi muito feliz ao dizer que “… O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco…”
Com apenas 27 semanas de gravidez, Renata teve que se submeter a uma cesariana bem antes da hora para receber meus primeiros netos, Breno e Camila. O rompimento acidental da bolsa, aliado à perda de líquido, a colocava com os filhos em extremo risco de infecção se nada fosse feito.
Ao nascer, cada bebê pesava menos que 1 kg e ambos poderiam ser transportados numa caixa de sapatos. Eram o que chamam de prematuros extremos. Médicos dizem que bebê que nasce antes das 36 semanas é considerado prematuro. Antes de completar 28, como meus netos, é prematuro extremo – os órgãos já estão formados, mas são muito imaturos.
Na agonia daquelas primeiras horas, para mim foi um tiro no pé recorrer a experts no assunto em busca de maior conhecimento. Fiz isso e entrei em pânico ao saber que prematuros extremos têm maior taxa de mortalidade e podem apresentar problemas na visão, dificuldades na alimentação e para respirar, além do risco de contrair infecções, dada à imaturidade do sistema imunológico.
Meu filho Leopoldo e sua mulher, Renata, viveram semanas de angústia e incerteza, de luta e esperança. Após o parto, durante o Carnaval de 2008, foram 46 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI neonatal) do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, com toda sorte de intercorrências.
Breno não amadurecera por completo o aparelho respiratório e teve até pneumotórax. Camila, o aparelho digestivo. A ponto de, por muito tempo, não digerir sequer uma gota de leite materno.
Toda noite pedia em minhas orações que ficasse conosco pelo menos uma das crianças para que o sofrimento de todos não fosse tão pesado, como se a dor pudesse ser repartida, atenuada, se o pior viesse a acontecer. No desespero, não sabia nem rezar direito. Deus que se virasse para entender pedidos tão confusos.
Foi quando Zé, um velho amigo mineiro, dotado de muitos saberes mas leigo em ciências médicas, perguntou como estavam os recém-nascidos e compartilhei com ele aquilo que se passava, inclusive minha pouca fé na sobrevivência dos dois. Então me disse algo mais ou menos nessa linha: “não fique tão preocupado... a vida quando brota faz de tudo para vingar...”
Arrepiei. Impressionou-me o fato de um ateu convicto como ele ter feito um milagre naquele instante: reabastecer meu estoque de esperança, que já andava na reserva. Quando a gente muda o jeito como encara as coisas, o que vemos acaba mudando de lugar.
A vida pedia passagem. Já era Páscoa quando Breno e Camila finalmente chegaram em casa, com saúde e em paz. Hoje, quase 12 anos depois, continuam muito bem, a viverem agora em São Paulo no esplendor da pré-adolescência, com as cores, os amores e os humores da hora.
Semana passada toquei no assunto com Zé. Indaguei se, após tanto tempo, ainda recordava de nossa conversa, ao que respondeu que lembrava sim, perfeitamente. Disse ainda que cada vez que vê fotografia dos gêmeos, conscientiza-se do “milagre”, como que reafirmando a força e os mistérios da vida, insondáveis para nós.
Garantiu de novo que há coisas que não dominamos, não podemos racionalizar. Que não podemos querer ter o controle de tudo. A vida tem seus caprichos e desígnios. Essa seria sua beleza!
"...Todos nós dançamos numa melodia misteriosa, entoada à distância por um músico invisível...", diria o físico Albert Einstein (1879 – 1955).
Era madrugada. Fui para a varanda e deitei na rede, a esperar o sol nascer, rever fotografias de Breno e Camila na linha do tempo e a ouvir Caetano Veloso: “...o tempo não pára e no entanto ele nunca envelhece. Aquele que conhece o jogo, o jogo das coisas que são, é o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão...”
Logo depois o sol nasceria na hora certa, maduro, como sempre acontece. Na leveza do primeiro sono, cheguei a ver o vulto de meu velho amigo Zé emergindo das águas da praia de Pajuçara, em Maceió, a cantarolar: “...Quem é ateu e viu milagres como eu sabe que os deuses sem Deus não cessam de brotar...”
Meu amigo Hayton!
ResponderExcluirMais uma lição de vida emocionante sobre como devemos encarar as coisas que nos são propostas por Deus!!
Admiro sua sensibilidade!
Parabéns pela crônica!
Sandro
Nunca podemos perder a Fé.Muito sabia as palavras do seu amigo
ResponderExcluirCertamente ainda muito do estoque ocioso de carinhos esses netos vão colher do maestro com apelido de avô. Tomando emprestado a sabedoria do Zé: vingou a vida, brotou o avô. Parabéns!!!
ResponderExcluirPura poesia e sentimento seu comentário, meu bom amigo Renato Naegele. Conheço bem sua “caligrafia”. Abraço saudoso.
ExcluirQue lindo comentar poetico!
ExcluirA fina teia que nos separa do lado de lá é resistente para suportar grandes impactos, por não termos a capacidade de enxergar criamos os "medos" que nos engessa e quando aparecem com a falta de fé a chapa esquentar.
ResponderExcluirHaytin, o Affonso Romano, há um ano, anda com um Alzheimer de lascar, segundo me informou a esposa dele, a também escritora Marina Colasanti.
ResponderExcluirAinda bem que corpo é mera casca que acaba ao sabor do tempo, meu caro Sidney. O espírito dele, não, estará sempre conosco nos textos brilhantes que produziu. Abração!
ExcluirHayton... Abraço do Sidney.
ResponderExcluirA vida continua sendo um mistério... existem forças onde não há a mínima condição de se imaginar... nem a aridez faz a planta desistir de nascer. E por estarem em situação de desvantagem, brotam sempre mais fortes, pois tiveram que lutar muito para verem o sol nascer. Teus netos serão fortes e felizes sempre, tenho certeza.
ResponderExcluirHistória maravilhosa, Hayton!
ResponderExcluirAcompanhei de perto, pelo caro amigo, os primeiros passos dessa bela caminhada.
Era uma época em que o progresso se media - e se celebrava! - em poucas dezenas de gramas, até que o brilho nos olhos suplantasse as inevitáveis dúvidas e angústias.
Sim, a vida tem suas manhas, e é tão mais instigante quando não pretendemos sempre "dar razão" a toda emoção" (ou não! rsrs). Ver o florescimento do Breno e da Camila é o suficiente para entender.
Vida longa a eles!
Este é meu velho amigo Zé, que com dois dedos de prosa reabasteceu meu tanque de esperanças. De novo, muitíssimo obrigado!
ExcluirNão passei a agonia que você viveu na chegada de seus primeiros netos, meu caro amigo, mas estou curtindo muito, com meu neto Gustavo, a hora do carinho ocioso e estocado. Estoque, aliás, que se renova a cada dia: quanto mais se usa, mais aumenta o saldo. Fico feliz por você, pelas queridas vidas que vingaram saudáveis e felizes.
ResponderExcluirQue lindo, Hayton, a vitória da vida! Não sabia que seus netinhos tinham nascido prematuros. E é verdade, a sabedoria popular às vezes nos ensina coisas que a ciência não explica. Linda crônica!
ResponderExcluirDias em que a fé em Deus se reverbera em vida.
ResponderExcluirNesses últimos doze anos não deixei de agradecer um único dia pelo milagre de vê-los crescer.
No que faz muito bem, Leopoldo. Gratidão a Deus e aos que Ele se utiliza como instrumentos de nossa paz nos faz muito bem. Pro resto da vida.
ExcluirBelíssimo. E,para mim, especialmente tocante, uma vez que ganhei meu primeiro netinho há sete meses.
ResponderExcluirQue riqueza!!
ResponderExcluirDeus sabe todas as coisas!
Abençoados sejam Breno e Camila.
Maravilhoso irmão, fiquei a lembrar que milagres existem e anjos mensageiros de deus também, uns com nome de Zé e outros com cabeça grande.
ResponderExcluirVô Jurema, lendo essa crônica, lembrei quando compartilhou com alguns amigos os motivos que o levara a assumir a presidência da Cassi em meio a tantos tumultos...
ResponderExcluirIsto, Avelar! Sendo minha nora Renata vinculada à Cassi desde criança, rigorosamente nada lhe faltou – nem aos meus netos – quando mais precisou.
ExcluirPor isso mesmo, meses depois, quando fui chamado pela direção do BB a trabalhar na Cassi, tomei como uma chance rara que a vida me dava de retribuir parte daquilo que ela concedeu a minha família. Dois anos depois, no começo de 2012, retornaria ao BB.
Que beleza a trajetória dos meninos! Como não acreditar num Deus que é bondade.
ResponderExcluirGloria a Deus!
A vida como ela é. Desta feita com final feliz, alegrias e felicidade imensa. Nao sem antes, imagino, muita angústia e apreensões de todo tipo. Já ouvi dizer que amigo é melhor que médico. Data vênia e com todo respeito, eis uma prova concreta do dito popular. Ainda bem e pra sorte de toda família. Que refloresceu e está em plena primavera - a outra se inicia em 12 dias.
ResponderExcluirFelicidade a todos. Sempre.
Nasser.
Quanta emoção. Estou arrepiado e em prantos pois revive na memória, esses dias em que, Magdala, Renata,Leopoldo, eram companheiros de trabalho e todos torciamos para as crianças vingarem...
ResponderExcluirFernando Miranda
Misteriosa vida! Que história cheia de emoção e sentimento Hayton! De imediato lembrei de quando recebi a notícia, via Face time, que seria avô!! Tremia e chorava de emoção que nem um menino imaturo, despreparado e surpreso diante da novidade. Era só o milagre da vida!
ResponderExcluirA vida se renovando e espalhando mais uma semente do bem...
Parabéns Hayton pelas sementes que vc semeou!
Sei bem do que fala esra linda crônica Hayton. Minha neta Fefe nasceu com 840 gramas, 60 dias de uti neonatal, 90 dias de hospital e hoje tem 7 anos, linda e inteligente.
ResponderExcluirFefe é bela, uma poesia em forma de gente, com seus olhos claros prontos para o espetáculo da vida. Benza-te Deus, meu caro Fada, por tanta graça em teu caminho ao lado de Mara e as “meninas”
Excluir"Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre."
ResponderExcluir(Albert Einstein)
Linda história. Não foi milagre. Foi apenas a música que foi tocada no tom certo, na hora certa, no lugar certo, pras pessoas certas, pela orquestra do Universo, sob a batuta do Maestro Celeste. Só isso!
ResponderExcluir“A arte de reger consiste em saber quando teremos que abandonar a batuta para não atrapalhar à orquestra...” disse um dia Herbert Von Karajan. De repente, Marcão, como se deduz de suas palavras, o universo é tão simples. E a gente só complica quando tenta entender tudo o que se passa.
ExcluirÉ isso aí Hayton,
ResponderExcluirDEUS SEMPRE SURPREENDE.
O Milagre da Vida sempre será Aplaudido, e a GRATIDÃO é a forma mais sábia para continuarmos recebendo os Presentes do Céu.
Excelente texto! Ter netos é a melhor parte de nosso amadurecimento cronológico! O amor retribuído por minha neta é o melhor presente que posso receber, até porque acredito que não tem bem maior do que receber o amor genuíno das crianças! Elas são a prova que precisávamos desse “Músico Invisível “ pois mesmo sem ser religiosos, repentinamente, passamos a pedir com muita fé pela saúde delas e agradecer pelo presente da vida! Ontem à noite, estava lendo um livro de Tânia Zagury sobre educar crianças. Eu, que tenho meus três filhos já criados, volto a preocupar-me em como dar limites, em como estimular o crescimento sadio e criativo desse ser que não me pertence, mas que hoje é o “trabalho” mais prazeroso que já tive!!!
ResponderExcluirSua amiga e avó dedicada a essa nova função e que quer ser uma “eterna aprendiz” da vida,
Roberta
Seu comentário, Roberta, também nos remete ao que escreveu Affonso Romano de Sant’Anna, citado por mim no início da crônica: “Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.”
ExcluirPai e avô maravilhoso, além de grande escritor que sabe transmitir como poucos as emoções pessoais, sinto orgulho de ter um primo assim. Parabéns pela família e parabéns pela lucidez.
ResponderExcluirDeus é nosso condutor, mesmo quando desacreditamos! Uma lição essa história de amor! Glória a Deus pela vida de Breno e Camila e por essa família abençoada! Beijos da sobrinha afilhada Myrella
ResponderExcluirMais uma belíssima crônica, caro amigo Hayton, e desta vez extremamente tocante por narrar tão forte experiência pessoal. Também sou avô de três netinhos e concluo sempre - até propago - que a relação com netos é de paixão, depois é que se transformará em amor mais racional. Até falo com os amigos que aínda não alcançaram essa dádiva - "quer ficar babaca de vez? Seja avô". Posso então imaginar a aflição que você viveu. Que seus netos sejam sempre sadios e que herdem - já basta que seja só um pouquinho - do talento e sensibilidade do avô. Grande abraço. Aqui é Volney
ResponderExcluirQue história linda e muito bem contada. A gente vai acompanhando a vida dos amigos sem saber às vezes as angústias que a vida lhes reservou.
ResponderExcluirÉ um pouco daquilo que Chico quis dizer ao compor “Ninguém morou na dor que era o seu mal/ A dor da gente não sai no jornal...”
ExcluirHayton, Meu Amigo,
ResponderExcluirEste texto demonstra sua capacidade de transmitir a energia da vida em suas crônicas.
Os acontecimentos trazem a Beleza e dom da Vida, o nosso Deus com o seu Poder de Nós fazer Felizes.
PARABÉNS.
Linda história Hayton, não sabia que vc tinha vivido esse milagre. Parabéns pelos netos
ResponderExcluirMeu amigo...um de seus melhores textos. Sempre recheados de muita emoção.
ResponderExcluirMeu Amigo Hayton, Você, a cada crônica, melhor. Me emocionou bastante seu novo trabalho. Lembrei muito da minha filha, também Camila.
ResponderExcluirVocê também foi um grande amigo naqueles dias difíceis, cobrindo minhas ausências no trabalho quando “a luz vermelha acendia” no hospital. Sempre muito atencioso em meus aperreios.
ExcluirMuitíssimo obrigado!
Prezado Hayton, há dois dias atrás passei um final de tarde/começo de noite tomando um cafezinho na casa do amigo de superintendência Roberto Fernandes, esposo de Rosa (presidente da Apala). Ela, inclusive, comentou que ele deveria ter lhe chamado para também estar presente. Foi lá que ele me deu conhecimento do seu Blog, já entusiasmado, como um leitor assíduo. Hoje resolvi entrar para visualizar e realmente fez jus aos comentários do Bob. Eu que, coincidentemente, também sou adepto a biografias e crônicas, já coloquei o blog dentre os meus favoritos. Parabéns e um abraço. Fernando Chagas (Maceió-AL)
ResponderExcluirQue bom, Fernando. Seja bem-vindo ao “clube”. Abração!
ExcluirEsses são os milagres da vida.Precisamos acreditar que eles existem e que Deus é o responsável por toda essa façanha.Parabéns pelos seus netinhos que estão aí para viver a vida ao lado avô e toda sua família. Abraços.
ResponderExcluirParabéns Hayton! Mais um momento intenso que você viveu, talvez quem sabe,para dar um testemunho de fé, esperança e amor que pede passagem para a vida!
ResponderExcluirMais uma bela passagem de tua vida, esta um pouco mais angustiante, pela pressa e insistência em querermos que algumas passagens aconteçam em tempo inferior àquele determinado pelo Pai. Devemos lembrar que TUDO vem no tempo certo e SEMPRE ao comando de DEUS!!!
ResponderExcluirComo pai de prematuro que vingou ao nascer de 6-7 mês, sei bem o que é este aperreio. E também da força da profecia que teu amigo lhe fez. É verdade, quando a vida teima em vingar, não tem pra nada e ninguém. Contudo, acredito que podemos ajudá-la a cumprir mais facilmente este propósito. O que não fará mal algum.
ResponderExcluirExistem mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia(Shakespeare?). Milagres acontecem!
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