quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Conversa matinal

Não sei vocês, mas certas inovações mudariam a minha vida para bem melhor. Algumas, inclusive, perfeitamente realizáveis a médio ou longo prazo.

Outro dia, falava sobre isso com meu netinho caçula, que veio de longe passar uns dias conosco. Pela empolgação dele, acho que a prosa renderá bons frutos. Estudioso como é, vai ajudar a tornar o mundo mais divertido e prático.

 

Para começo de conversa, surgiu entre possíveis  “invenções” a torradeira translúcida. Todos os dias, bem cedo, ele aparecia na cozinha enquanto eu coava o café, curioso para ver como uma fatia de pão se transformava numa torrada douradinha, nem queimada, nem pálida.

 

Outra de sua cabecinha esperta: instalar uma tomada na lateral da cama para carregar o tablet sem ter que se levantar antes de dormir. Eu, claro, disse que nunca pensei nisso porque ultimamente não levo para o quarto nada além de um copo d’água e um livro. "E vovó?", ele provocou e eu fingi não escutar.

 

Ainda mais ousada foi a ideia de um carregador universal por proximidade. Imaginem só: uma antena que recarrega seus dispositivos assim que você se aproxima. Na hora, voei alto, pensando em algo que possa recarregar em segundos a bateria de sessentões  como eu, que, depois do almoço, precisam de pelo menos 20 minutos de um cochilo revigorante.

 

Como minha filha quer que ele goste de melancia tanto quanto de pão de queijo, sugeri que estudasse bastante para, no futuro, criar doces e salgados deliciosos que não engordem um grama sequer. Melhor: que ajudem a emagrecer, mesmo frituras e gorduras.

 

Ainda nessa linha, propus que desenvolva um tipo de uva para produção de um vinho antirressaca – ele nem sabe o que é isso! , que nos livre das consequências nefastas do álcool, mas amplie os benefícios à alma. Um dia talvez agradeça ao vovô por este desafio.

 

Como ainda é novinho, eu não quis falar sobre uma possível pílula que previna todas as doenças e substitua a academia de ginástica. Pensem na economia com planos de saúde, médicos, hospitais, drogas e seus efeitos colaterais! E que já venha com a função de esculpir o corpo, evitando aquele suadouro.

 

Outra possível inovação: um superscanner de saúde geral, eliminando a necessidade de coletas de sangue, urina e outros fluidos e pastosos para exames. Bastaria passar pela máquina – como nos detectores de metal dos aeroportos – e pronto: diagnóstico completo em mãos. Mas isso é com ele, caso decida mergulhar fundo nos estudos.

 

Nosso breakfast seguia animado, avaliando inclusive um micro-ondas capaz de preparar instantaneamente comidas que hoje levam séculos (quando a fome é grande!), como batatas fritas, hambúrgueres e pizzas.

 

Discutimos ainda a criação de pratos, talheres e copos autolimpantes, que se higienizam sozinhos e ficam prontos para reutilização em cinco minutos. Nada de máquinas de lavar louças! 

 

Falando em lavar, ele sugeriu um sabão em pó que limpe e desamarrote os tecidos, fazendo com que as roupas saiam novas, cheirosas e dobradas da máquina. “Mamãe vai gostar, vovô”, previu.

 

Depois do café, sem que os seus pais dessem sinal de vida após uma longa noite de sono, fomos para a sala de estar. Continuamos nossa conversa, limitada apenas pelo meu vocabulário tacanho – ele fala português, mas vez ou outra solta uma expressão idiomática que nem o dicionário me socorre.

 

Foi quando surgiu a ideia de um tradutor universal portátil, inclusive para animais, como os bem-te-vis, as maritacas e os quero-queros responsáveis pela trilha sonora de nossa manhã aqui no Cerrado. Vai ser sensacional entender e ser entendido em qualquer lugar do mundo, e até descobrir o que o gato da vizinha anda tentando nos dizer.

 

Então, ele olhou para a TV e lembrou-se de outra necessidade básica: um localizador de controle remoto. “Tem que ter, vovô, inclusive para chave de carro!”. Meu pequeno interlocutor ainda não sabe que, com a biometria e as lentes superinteligentes, chaves e controles remotos logo se tornarão obsoletos.

 

Por falar em carro, começou a especular sobre uma maneira de voar sem precisar de avião ou helicóptero. Pelo que entendi, algo como um jato propulsor nas costas. Superpoderes de Superman ou Homem-Aranha, por enquanto, estão fora de cogitação.

 

Apoiei a iniciativa. Chega de atrasos, de tentar matar saudade por videochamadas. Daqui a pouco, todos os prédios terão equipamentos de teletransporte nas antigas garagens.

 

A prosa seguia firme, sem TV nem tablet – algo inédito ultimamente, mas acontece! –, quando a mãe dele acordou e, antes mesmo do “bom-dia”, questionou a higiene da tampa do vaso sanitário do restaurante onde jantamos na noite anterior.

 

De fato, já passou da hora de inventarem um mictório feminino que permita às meninas fazer xixi em pé. E, para os meninos, uma máquina que faça exame de próstata sem o uso de dedos. Para ontem, por favor!

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Com o perdão da palavra

Numa sexta-feira dessas, enquanto meu amigo buscava um cafezinho na cozinha – havíamos acabado de almoçar –, sua esposa fez um comentário na sala que me deixou pensativo. Ela disse que, em quase meio século de relacionamento, nunca ouviu um pedido de desculpas dele, apesar de ser um bom marido e pai, essas coisas. E ela ouve muito bem, por sinal! 

Essa mesma mulher que, quando limpa a garganta com uma cerveja nas tardes de sábado, canta como ninguém “Insensatez”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes: “Vai, meu coração, pede perdão... Perdão apaixonado! Vai, porque quem não pede perdão, não é nunca perdoado”.

 

Fiquei imaginando como deve ser viver com alguém que nunca pede desculpas. Uma experiência torturante, pensei. Manter uma conexão com quem nunca admite estar errado é como conversar com um espelho – você sempre vê o mesmo reflexo, sem reações genuínas. Embora, confesso, meu espelho tenha mostrado muitas mudanças ultimamente.


Ilustração: Umor

 

Dizem que a pessoa que não pede desculpas têm menos autocompaixão. Não é a perfeição que a impede, mas a vergonha de seus próprios vacilos. Como aquele sujeito que culpa o mau tempo ou o trânsito pelo atraso, em vez de admitir sua falta de planejamento.

 

Nem todo pedido de desculpas é igual, claro. Um “me perdoa” breve e frio raramente funciona. E se o pedido vier acompanhado de um "mas", esqueça. É como colar uma xícara quebrada com fita adesiva – parece que resolve, mas logo tudo se despedaça de novo.

 

Desculpas sinceras podem levar a reconciliações duradouras, o que é saudável em qualquer relacionamento. Mas a autocompaixão, quando em excesso, pode ter o efeito oposto. Pessoas que se aceitam demais podem ter menos disposição para pedir desculpas, afinal, erros fazem parte da vida. Só que, se essa postura for longe demais, acaba se tornando um “vale tudo” onde qualquer erro é perdoável – exceto os dos outros, claro.

 

O comentário da esposa do meu amigo ficou ressoando na minha cabeça. Me fez lembrar que já fui criticado por nunca fazer a mais básica das declarações entre duas pessoas: “Eu te amo”. Algumas vezes ouvi: “Você nunca diz que me ama”. E eu, com o melhor olhar filosófico que consegui, respondia: “Amor se prova, não se diz”.

 

Interessante é que, geralmente, são os homens que começam a declarar "eu te amo". As mulheres tendem a adiar a emoção, usando isso como um mecanismo de defesa, um tempo para avaliar o parceiro. Já os homens, impulsionados por hormônios, se apressam em dizer "eu te amo", às vezes como uma estratégia para ganhar confiança e abrir caminho para outros objetivos. Ah, a sinceridade dos impulsos!

 

Esses impulsos, aliás, são inconscientes. As mulheres, no entanto, tendem a suspeitar quando ouvem a clássica declaração cedo demais. Podem ver nisso apenas uma artimanha para chegar a um objetivo menos romântico. Elas preferem ouvir o "eu te amo" depois, talvez porque já tiveram tempo para refletir sobre o custo-benefício das “vias de fato”.

 

O primeiro "eu te amo" não é apenas uma explosão de sentimentos, mas também um reflexo de expectativas culturais. Os homens, tradicionalmente, tomavam a iniciativa nos relacionamentos, e declarar amor fazia parte do pacote. Era uma forma de garantir que as mulheres não tivessem dúvida de sua conexão emocional.

 

Com o tempo, o significado de "eu te amo" muda. O que começa como uma expressão de emoção intensa se transforma em um compromisso de cuidar do relacionamento. Passa de fogos de artifício a uma fogueira – menos espetacular, mas muito mais reconfortante.

 

Mas, afinal, quando essa frase deve ser dita? Não existe regra, mas o importante é que seja genuína. Pode ser depois de três dias, seis semanas ou doze meses. O que importa é a autenticidade do sentimento e a intenção de preservá-lo.

 

Por ora, ainda curtindo a beleza de ser um eterno aprendiz, não me animo a fazer declarações definitivas. Se bem que, 52 anos de admiração, carinho, cuidado, renúncia e mútua tolerância não são um detalhe. São os pilares de uma história rara nos dias de hoje.

 

Quando meu amigo voltava da cozinha, observei o casal trocando um olhar que dizia mais do que três ou trinta palavras. É isso. Com o perdão da palavra, os gestos diários de carinho e suporte são tão essenciais quanto um pedido de desculpas sincero ou uma declaração de amor. A autenticidade e a intenção por trás disso são o que fortalece a conexão entre duas pessoas.

 

Então, minha amiga, relaxe. Talvez o verdadeiro perdão e o amor encontrem abrigo na coragem de reconhecer nossas falhas, enquanto valorizamos os momentos compartilhados. Como aquela troca de olhar entre vocês, construindo a cada dia, pedra por pedra, uma catedral que, mesmo em silêncio, ressoa com a força de uma vida inteira juntos.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Nada mais justo

Nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp, houve um verdadeiro tiroteio de acusações entre políticos e influenciadores de direita e esquerda sobre a taxação dos prêmios dos atletas brasileiros que ganharam medalhas nas Olimpíadas de Paris. A guerra virtual foi tão intensa que chegou ao Congresso Nacional, onde parlamentares propuseram isentar essas premiações de impostos.


Na arena digital, o ministro da Fazenda virou alvo da oposição, sendo criticado e alvo de memes que o acusavam de querer "uma parte do prêmio dos medalhistas". Seus defensores contra-atacaram, citando a legislação que regula a taxação de prêmios esportivos e lembrando que o governo anterior arrecadou cerca de R$ 1,2 milhão em impostos dos atletas medalhistas dos Jogos de Tóquio 2021.

No meio da confusão, surgiram acusações de que a taxação de prêmios esportivos foi introduzida pelo governo atual, quando, na verdade, a Lei 7.713, de 1988, já regulamenta essa cobrança. A discussão esquentou ainda mais após a ginasta Rebeca Andrade conquistar a medalha de ouro.

Com suas conquistas – duas pratas (individual geral e salto), um bronze (equipe) e um ouro (solo) – Rebeca embolsará em prêmios do Comitê Olímpico Brasileiro R$ 826 mil e teria que pagar cerca de R$ 227 mil em impostos sobre os prêmios recebidos, conforme prevê a Lei, que estipula uma taxação de 27,5%.

Além dos prêmios em dinheiro, surgiram boatos de que as próprias medalhas olímpicas seriam taxadas. A Receita Federal esclareceu que as medalhas trazidas pelos atletas não estão sujeitas a tributação, de acordo com a Lei 11.488, de 2007, e a Portaria MF 440/2010. “Entrar no país com a medalha olímpica é um processo rápido e fácil, sem burocracia. Os campeões brasileiros podem ficar tranquilos”, garantiu o comunicado da Receita.

Para colocar um ponto final na confusão, o presidente da República editou uma medida provisória isentando os atletas olímpicos de pagar imposto de renda sobre prêmios em dinheiro, beneficiando também atletas que ganharam competições anteriores, como Rebeca.

Medalhas e troféus já eram isentos de impostos federais, valorizados mais pelo seu simbolismo do que por sua expressão monetária. No entanto, as quantias recebidas como prêmio normalmente são declaradas no imposto de renda. A nova medida isenta especificamente as premiações pagas pelo COB e pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), mas pagamentos de confederações, federações, patrocinadores ou clubes dos atletas continuarão sujeitos à taxação de até 27,5%.

Enquanto o Congresso Nacional discute a aprovação da medida, penso em Dona Eudócia, minha mãe. Ela não é Rebeca Andrade, que brilhou nos Jogos de Paris e se tornou a maior campeã olímpica da história do Brasil, e eu não sou nenhum profeta ou vidente, mas tenho o pressentimento de que minha mãe também deixará de ser tungada em 27,5% de imposto de renda sobre sua pensão, o prêmio que meu pai lhe deixou quando partiu. Se as medalhas e os prêmios em dinheiro de Rebeca são isentos, as conquistas da minha mãe também devem ser.

Medalhas, ela tem de sobra, guardadas para sempre na sala de troféus de nossa existência. Mas, ao contrário das medalhas olímpicas, suas vitórias não receberam o brilho dos holofotes, nem vieram acompanhadas de prêmios em dinheiro. Foram conquistas silenciosas no calor de cada dia, na luta para seguir adiante após a perda precoce de meu pai. Portanto, é uma questão de isonomia de tratamento. Ela é uma vencedora desde que nasceu e sobreviveu no Brejo paraibano.

Vi você vencer, mãe, quando ficou viúva aos 33 anos, com a espinhosa missão de cuidar de nove filhos (além do sobrinho, que assumiu como se fosse sua décima cria) numa cidade desconhecida, todos encaminhados por você no trilho da retidão de caráter e da paz, nenhum corrupto ou ladrão. Vi você vencer quando, entre panelas, pratos e cabos de vassouras, nunca fez corpo mole na peleja diária por filhos e netos. Vejo você vencer todo dia quando compartilha o que come com os porteiros do prédio em que mora, inspirando a todos que te conhecem. Vejo você vencer a toda hora quando acolhe no colo cada novo bisneto que te chega.

Reprodução/Redes Sociais

Sua luta, mãe, embora sem o glamour das competições olímpicas, é igualmente digna de reconhecimento. Este país, que tantas vezes deixa de valorizar seus verdadeiros heróis, está à beira de uma convulsão social há muito tempo. Só ainda não aconteceu de o grotão subir para o asfalto para cobrar parte de uma dívida social secular porque, tudo indica, Deus de fato fala português. Se não, essa gente que troca farpas nas redes sociais para criar ou tirar direitos dos outros talvez nem estivesse aqui fazendo confusão, pois se o grotão subir, a conta será cobrada na bala ou na ponta da peixeira.

Se a isenção fiscal concedida não for apenas mais uma cortesia com a carteira alheia – afinal, o dinheiro é nosso, percebem?! –, você também certamente terá vaga no time. Porque mesmo com a sala de troféus de nossa existência repleta de medalhas, mãe, aos 85 anos você continua batendo um bolão e marcando seus golaços.

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Entre coices, closes e mordidas

Na última semana do mês passado, uma mulher, com mais desejo de fama do que bom senso, tentou tirar uma foto com um cavalo da Guarda Real em Londres e acabou com uma mordida no braço. A cena, digna de uma comédia de erros, foi registrada em vídeo e publicada no YouTube, onde se vê a mulher se aproximando do cavalo e, em um esfregar de olhos, o animal abocanha seu braço. Assustada, ela escapa e se junta aos demais visitantes. Não se sabe o que um teria dito ao outro, antes da mordida.


Reprodução/YouTube

Na sequência da cena anterior, vê-se a mulher estendida no chão, cercada por turistas. Uma delas, com um leque em mãos, tenta reanimá-la, enquanto os policiais chegam para avaliar a situação. Fiquei sabendo que um dos agentes, após conversar com a vítima, se dirigiu ao guarda, acariciou o cavalo e, quem sabe, discutiu a questão da mordida sob a ótica equina e psicanalítica. 

O cavalo, já notório por sua disposição dentária, havia tentado morder outra pessoa pouco antes. Uma moça de vestido rosa foi a primeira corajosa a se aproximar do animal, que prontamente virou a cabeça em sua direção e tentou morder seu antebraço. Ela conseguiu escapar, mas a segunda turista, não tão sortuda, acabou se tornando a protagonista dessa história.

Curiosamente, uma placa ao lado do intolerante cavalo advertia sobre os riscos: "Cuidado. Cavalos podem dar coices ou morder. Não toque nas rédeas. Obrigado". Mas parece que as advertências foram ignoradas em favor de um flagrante perfeito no celular, a ser compartilhado nas redes sociais.

Nos comentários sobre a notícia, a internet, sempre ácida, teve seu momento de glória. Um usuário observou que não havia sangue, explicando que cavalos não mordem propriamente, porém mascam, resultando numa sensação semelhante a um beliscão poderoso. Outro foi cruel, dizendo que a mulher teve os "quinze minutos de fama que queria" e deveria ter lido a placa. Um terceiro ponderou que quem vai tirar fotos com os cavalos deve estar ciente dos riscos, afinal, são animais que agem por instinto e têm humores tão oscilantes quanto os humanos. Sobretudo, admito, quando fardados ou investidos em funções de mando no universo corporativo. Cavalos e homens, claro.

O mais curioso, talvez, seja que ninguém percebeu que, no fundo, o incidente não configura propriamente uma notícia: notícia seria se a mulher tivesse mordido uma das orelhas do cavalo. Cavalos mordendo turistas é quase uma rotina global, "na Oropa, França e Bahia", como diria Alceu Valença, o menestrel pernambucano.

Notícia ou não, lembrei-me de um episódio ocorrido em 1978, quando o então presidente Ernesto Geisel indicou o general João Baptista Figueiredo para ser seu sucessor. O governo iniciou uma campanha para popularizar a imagem do chefe do SNI, chamado um tanto forçadamente de “João do Povo”. Mas a iniciativa fracassou, em boa parte devido à personalidade do general. Em uma entrevista, concedida em agosto daquele ano, ao ser questionado se gostava do “cheiro do povo”, Figueiredo respondeu: “O cheirinho do cavalo é melhor”. O amor pelos equinos era tanto que Myrian Abicair, dona de um dos mais badalados spas do Brasil (o “Sete Voltas”, em Itatiba-SP), décadas depois assumiu publicamente um romance extraconjugal com o general, afirmando que a coisa mais valiosa que ganhou dele foi um cavalo. Nada a admirar.

Voltemos ao episódio da mulher que tentou tirar uma foto com um cavalo da Guarda Real em Londres e acabou mordida no braço. Esse evento ilustra bem o dilema das grandes cidades turísticas, nos dias de hoje, que tentam equilibrar a necessidade de receitas do turismo com o bem-estar dos moradores. Em Barcelona, manifestantes têm borrifado água nos turistas em áreas populares. Veneza introduziu uma taxa para limitar os visitantes de um dia. No Japão, o Monte Fuji sofre com o lixo e o mau comportamento turístico. Kyoto, famosa por seu distrito de gueixas, tem enfrentado problemas com turistas invasivos. E Seul, com milhões de visitantes, também luta para manter a ordem.

Na minha visão quase sempre distorcida dos fatos – começo a aceitar a correlação entre a idade e a rabugice –, estou convencido de que nem os cavalos aguentam mais o turismo de massa, predatório, especialmente porque envolve as famigeradas selfies, essa prática que transforma a interação humana em uma busca incessante pela melhor imagem de si mesmo. Nunca alcançada, diga-se.

Tudo bem, alguns escolados no assunto dizem que as selfies são uma forma de autodescoberta e redefinição de identidade. Se é assim, alguém precisa avisar os cavalos para, entre coices, closes e mordidas, serem mais tolerantes com a estupidez humana.