O potlatch é uma festa religiosa ainda hoje praticada por algumas tribos indígenas canadenses e norte-americanas. Depois de um banquete de carne de foca e salmão, acontece o ponto alto: uma pessoa que está sendo homenageada renuncia a todos os seus bens materiais, inclusive dinheiro, pedras preciosas, taças, mantas etc., distribuindo-os entre parentes e amigos. A expectativa de quem está sendo objeto da homenagem é, mais adiante, também receber presentes daqueles para os quais está doando seus bens, num troca-troca sem fim.
Com a influência de negociantes europeus que chegaram ao continente americano no decorrer do tempo, esses eventos passaram a ser mais frequentes, surgindo uma verdadeira guerra de poder entre algumas tribos. Algumas vezes, os bens foram simplesmente destruídos ou queimados após a cerimônia, embora a história nada registre acerca de sexo, drogas e rock’n roll para justificar a bagunça, se é que você está pensando nisso.
No começo do século XIX, os governos do Canadá e dos Estados Unidos proibiram o potlatch por considerá-lo uma perda estúpida de recursos muitas vezes escassos. Entretanto, com a compreensão antropológica do significado desse ritual, a restrição foi baixada na metade do século seguinte.
O vício milenar entre os humanos de dar e receber presentes enraizou-se a partir da mercantilização de sentimentos. No caso brasileiro, temos diferentes eventos festivos estimulando isso, como aniversários, batizados, dia dos namorados, das mães, dos pais, das crianças, amigo secreto etc. E quem não vê muito sentido no troca-troca, acaba sendo visto como um animal esquisito, antissocial.
A coisa anda tão séria por aqui que, se você for a uma festa de aniversário de uma criança sem levar presente, o risco de reprimenda em público é enorme. Compreensível, nesse caso, tratando-se de um ser inocente que ainda não se dá conta de que tem gente correndo atrás do caminhão de lixo em busca de restos de comida ou em filas a pedir ossos na porta dos açougues.
Pois bem. Um amigo meu se dizia frustrado porque nunca pôde presentear parentes. Era órfão e filho único. No entanto, casou-se, nasceram os filhos, e agora se queixa de que, no Dia dos Pais, os presentes são sempre os mesmos: cuecas e meias. Diz não se incomodar tanto, mas que os mimos seriam mais apropriados se fossem para a uma centopeia com três ou quatro bundas.
Pondera também que, no Natal, filhos de modo geral costumam dar tênis ou sapatos. Diz ainda que se o pai usa sapatos de cadarços, esteja certo de que vêm aí mocassins. Se usa tênis para as caminhadas por recomendação do cardiologista, ganhará um par próprio para jogar futebol. Pior, na cor amarelo-limão ou laranja-cenoura, incompatível com seu jeito de ser, adepto da invisibilidade social. Quanto ao tamanho, tanto faz: sapatos ou tênis deslizarão dos pés ou irão mastigar um dos pares de meias que ganhou justamente no último Dia dos Pais.
“Se não gostou, pode trocar”, dirá o filhão responsável pelo presente. Pode acreditar, diz meu amigo: é alta a probabilidade de ouvir na loja que se tratava do último par daquele modelo. E se descobre na vitrine um par bem a seu gosto e decide fazer a troca, terá que pagar o dobro do que gastaria e se estivesse de fato precisando de calçados. “Pode ser no cartão de crédito”, vai ponderar o vendedor, como se isso reduzisse a despesa desnecessária. Melhor desistir de tudo e evitar o pico de pressão arterial, diz ele.
Se é aniversário, o pai ganha camisas que nunca lhe servem. Folgadas ou apertadas, brancas ou berrantes, lisas ou estampadas. Até aquela, digamos, "psicodélica", como se dizia no final dos anos 70, quando o pai ainda era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Isto é, todas serão fortes candidatas ao mofo das gavetas sem naftalina, junto a outras que, constrangido, deixou de doar porque foram presentes em anos anteriores.
Ilustração: Dedé Dwight |
Certo dia virá o convite do filho para uma feijoada e a velha companheira de viagem, com a mais pura das intenções, irá propor ao maridão:
– Eu não me sinto muito bem...
– Mas fica tão bonita em você... Ele vai adorar!
Ao chegar, enquanto o pai mata a sede com a primeira cervejinha, o filho se aproxima e, segurando o riso, compara-o com aquilo que lhe resta na memória da figura paterna (nem lembra que a camisa fora presente dele mesmo):
– Véi, tá se achando, né? Tá parecendo uma toalha de mesa de pizzaria. Vai aonde, depois?
– Lugar nenhum. Por quê?
– Sei lá! Seja sincero: você andou fumando alguma coisa estragada?