Outro dia dei com os olhos numa notícia na internet que me deixou bastante curioso: “Wanessa canta música romântica de Katy Perry para Dado a caminho de retiro tântrico”.
“Mais não informo porque não me foi perguntado”, diria o sábio Google, deixando nas entrelinhas, entretanto, que o mencionado garotão puxara cadeia por conta de agressão física e insultos a ex-esposas. Na aldeia do culto à misoginia, não falta quem diga que elas fizeram por merecer. Ou que ele tem boa chance de uma carreira política de sucesso.
Logo me veio à cabeça coisas indizíveis sobre o programa dos pombinhos apaixonados. Nem sei se tenho querosene na lamparina para clarear certas modernidades socialmente aceitas à revelia do que pensam ogros como eu. Mas imaginar é livre, e você nunca é confrontado sobre isso.
Num rasgo de devaneio, imagino meu avô, o velho Zé de Brito Jurema, espécie de clone analfabeto, carrancudo e matuto de seu genial conterrâneo Ariano Suassuna, a desmontar de sua égua defronte à casa de chão batido em que morava, no Brejo paraibano, fazendo um curioso convite a minha avó Carmelita:
– Mais tarde, vosmecê quer ir comigo num retiro “não-sei-o-quê-lá” ali no sítio do outro lado do rio?
– Que marmota é essa, Zé? Tá me achando com cara de quenga? Isso parece negócio do Tinhoso ou de comunista safado!
– Oxente, mulher, o dono do sítio é gente boa, meu amigo. Deve ser coisa de primeira…
– Pois vá vosmecê com sua égua!
Diante de minhas conjecturas, o velho inspira fundo, cerra os dentes e pede de joelhos ao Criador para reencarnar de novo. Quer pegar o netão aqui num canto de cerca para levar uma prosa de pé-de-ouvido, seguida de uns croques e umas quatro lapadas no espinhaço, de cinturão ou chibata.
Desisto. Melhor deixar isso pra lá.
Confesso que não me sinto confortável em pedir ao Criador que me dê a oportunidade de experimentar essas saliências modernosas de hoje em dia. Prefiro, por exemplo, tomar chá de hortelã da folha miúda com roscas de farinha integral, às quatro da tarde, sentado no sofá ao lado de minha velha namorada, comentando cenas do excelente seriado This is us (Amazon Prime Video).
Ele, certamente, ficaria chateado comigo e se recusaria a admitir que me fez à Sua imagem e semelhança. Por coisa bem mais simples (uma maçãzinha de nada, no lanche), aliás, ficou bravo com Adão, a ponto de expulsá-lo do Paraíso com Eva e a criançada, no primeiro despejo extrajudicial de que se tem notícia. Está claro que a fúria de Caim veio daí!
No entanto, com minha mania de associar tudo aquilo que vejo, escuto, provo ou toco a canções populares, ao reler a notícia desconfiei de que retiro tântrico não seja coisa tão nova assim.
Há quase 30 anos, a banda Mamonas Assassinas trouxe ao lume (como dizem nossos irmãos lusitanos) a ingênua Vira-Vira, com sotaque e tudo, cujos versos nos permitiam fechar os olhos e imaginar, mesmo com carência de detalhes, o que estaria acontecendo numa casa portuguesa (ouça aqui).
A letra de Vira-Vira foi inspirada numa anedota do inesquecível Costinha (1923–1995). Conta a história de Manoel, um gajo convidado para uma espécie de retiro da época. Por não saber exatamente do que se tratava, ele pediu a Maria, sua esposa, que o representasse no encontro. Na volta, toda dolorida, a mulher acabou sendo vítima de assédio moral (gozação) por parte do marido.
Na dúvida se devo ou não escrever sobre o assunto, achei prudente ouvir uma especialista no assunto, por telefone. Ela me diz que retiro tântrico nada mais é do que um encontro de pessoas em imersão transcendental num lugar aconchegante e silencioso, por alguns dias, onde cada uma se reconecta com sua essência, com as fontes primárias geradoras de vida, recarregando as baterias na base de meditação profunda e massagens (inclusive nas partes íntimas, com todo respeito, claro!).
Tudo indica ser algo em linha com “Mens sana in corpore sano”, secular citação latina do poeta romano Juvenal. Às vezes as pessoas descrevem de forma rebuscada as coisas mais simples.
Ainda assim, resolvi deixar isso pra lá, nada escrever para não criar constrangimentos em almas mais sensíveis. Vai que uma delas, mais afoita, se anima e pega uma virose nessas aglomerações. Eu não me perdoaria.