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Tarô da Ponta Grossa

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"Em um dia bom, chego a fazer R$ 500,00. Mas tenho que tirar R$ 170,00 só pra gasolina", lamenta um amigo meu, motorista de aplicativo. Esta semana a Petrobras anunciou que a vida dele fica mais dura a partir de agora, quando o preço do combustível sobe 7%. Ex-bancário, 60 anos, ele é bastante conhecido em hotéis e pousadas nos arredores do Pavilhão do Artesanato, na praia de Sete Coqueiros, em Maceió, onde faz ponto na rua Jangadeiros Alagoanos, no bairro de Pajuçara. Com a queda do fluxo turístico durante a fase mais aguda da pandemia, viu diminuírem os passeios com interessados em conhecer os 300 km do litoral alagoano, pródigo em praias, lagoas, dunas, além da oferta de uma gastronomia de endoidecer os despreocupados com a circunferência abdominal.   No auge do isolamento, quase nada a fazer, viciou-se na internet. Agora, diz que o excesso de informações que recebe lhe deixa desorientado, com a sensação de que está perdendo tudo aquilo que aprendeu até aqui.    Tento acal

Noites atormentadas

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Minha querida, você sabe do tanto de amor e de carinho que lhe devoto, apesar do meu jeitão mineiro de ser. Relutei mas preciso confessar algo um bocado sério. Não é propriamente um pecado, nem arroubos juvenis, quando temos ímpetos e atitudes incontroláveis. Mas, por favor, seja discreta, não espalhe por aí, sobretudo com pessoas fora do nosso círculo de amizade. A verdade é que estou me sentindo cansado e meio maluco (a modéstia me impede de me sentir totalmente).     Procuro na internet  um manual do usuário para me orientar quanto ao que fazer para retardar esse famigerado processo de decadência. Deve haver em algum lugar instruções sobre o uso de ar-condicionado na penúltima estação da vida, com suas implicações sobre os ranzinzas como eu em aceitar os sinais de velhice.   Aquele aparelho odioso que você tanto aprecia e que foi instalado em nosso quarto pode nos trazer problemas. Tome nota: reumatismos, dor-de-ouvido (“dodovil”, segundo o João Bosco), entrevados musculares, dor no

Tudo ainda é possível!

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Lembro-me de um antigo cartum, acho que publicado em  O Pasquim , onde um pintor espanhol com olhos e sorriso de puro prazer se via diante de um imenso jardim com tela sobre cavalete, tintas e pincéis. Na legenda, a dimensão do desafio: “Gosto muito deste instante onde tudo ainda é possível!”.  Ilustração: Umor Para quem não sabe, o cartum era muito utilizado por jornais e revistas, no século passado, para sintetizar com alguns traços um ponto de vista, estimulando a reflexão e provocando riso sobre um tema qualquer da atualidade. É parecido com a charge, mas não retrata personagens conhecidos nem é ácido, irônico, com o comportamento humano e seus deslizes.    São raros os momentos em que nos deparamos, tal como o pintor, com essa situação onde é possível construir o que queremos, mesmo sem trazer à cena nossas cicatrizes ou feridas abertas. Afirmar que “tudo é possível”, na maioria das vezes, não passa de profissão de fé.   Há quem goste de frases feitas do tipo “viva o presente, poi

Oi, Garnisé, tudo bem?

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Depois de várias semanas na roça sem rede  wi-fi , Serjão voltava à capital, onde responderia a algumas mensagens recebidas. Minutos depois, um velho amigo retorna: “... Que maravilha receber sinais de vida seus! Espero continuar merecendo um quarto do carinho que lhe dedico”. Serjão retoma a conversa dizendo que, dentre as qualidades do amigo, admirava a concisão, a ironia e a rapidez de suas respostas. Que persegue isso, mas nem sempre alcança. E que aquela curta e singela mensagem deixa-o apreensivo.   Resolve interpretá-la melhor tal como se examinam as cores na Carta de Munsell, ferramenta utilizada na agronomia para identificar tons de solo comparando amostras. Queria posicionar-se pelo menos uma oitava acima na escala de avaliação do amigo.    Adquire então um invento de um baiano tido como revolucionário, com o formato de um acarajé, utilizado para decodificar textos das mais inusitadas origens. Dizem que a Pedra de Roseta, descoberta por Champollion, é fichinha perto dele!   

Será bem mais simples

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O mundo inteiro ainda bate cabeça procurando um remédio eficaz para acabar de vez com a covid-19 – quando a vacina não resolve –, mas li outro dia que uma descoberta de pesquisadores brasileiros pode mudar o cenário.  O pessoal da Unesp de Araraquara, São Paulo, revelou à comunidade científica internacional que o veneno da cobra jararacuçu, muito comum em nossas florestas, contém uma molécula com ação antiviral capaz de inibir em 75% a capacidade de multiplicação do coronavírus, dando tempo ao organismo infectado de criar anticorpos e neutralizar o avanço da doença. O estudo é promissor, já está sendo testado em humanos e tudo leva a crer que o peptídeo é seguro mesmo em concentrações elevadas. Além disso, é fácil de ser sintetizado, o que simplificará a produção em larga escala.   Já existem outras moléculas encontradas em venenos e secreções animais em remédios para tratar doenças humanas. Do veneno da cobra jararaca, por exemplo, vem o  Captopril , droga para tratamento da hiperten

O peso do argumento

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Tá legal, eu aceito o argumento – diria o mais elegante e gentil dos poetas –, é a alma de nossos negócios! Sim, as reuniões de trabalho têm o seu valor, ninguém pode negar. Se bem que boa parte delas não passa de perda de tempo ou de ganho de escaramuças e úlceras.    Depois que me aposentei, mesmo com agenda livre para esses “animados” encontros – reuniões de condomínio, por exemplo –, sou daqueles que optam por engolir o que for decidido pelos vizinhos a ter que participar. Antes, culpava a fadiga de encarar uma terceira jornada de trabalho no fim do dia; hoje, percebo que o sinal continua fechado.     É difícil juntar meia dúzia de pessoas e fazer as coisas acontecerem de forma rápida e objetiva, mesmo no mundo virtual tão em voga ultimamente. Tem gente que fala demais (ou nada fala), dá palpites em tudo, abre conversa paralela. Tem quem coloca defeito naquilo que diverge um milímetro de sua opinião. Tem até gente distraída que nem sabe o que faz ali.    Aqui se encaixa bem o “nada

Não volto mais!

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Quase dois anos depois, nem todo mundo quer largar o  home office  e voltar ao trabalho presencial, como pretendem algumas empresas que se aproveitam do avanço da vacinação contra a covid-19 para esquentar as turbinas nesse sentido.    Conheço quem foi morar longe para ganhar qualidade de vida e se deu muito bem. Outros, atolados numa mistura de ansiedade,  fake news  e pânico, com ou sem tarja preta adotaram filho, cachorro, gato, papagaio, coruja etc.   Sim, teve quem adotou até coruja. Talvez porque seja ave adaptada a viver na escuridão com sua cabeçona, rosto achatado, bico forte e curvado, além de olhos enormes e profundos. Mexe com o imaginário daqueles que só conseguem trabalhar sob o olhar de um chefe para chamar de seu.   Tirando as grávidas, que não querem (nem devem) voltar à labuta presencial, o empregador tem o direito de exigir a volta as suas instalações. E se algum empregado insistir em querer trabalhar em casa, pode ser demitido por descumprir norma interna.    Mas qu

O profeta

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Antigamente, éramos um país subdesenvolvido e atrasado. Fomos promovidos a emergente – embora volta e meia me venha a impressão de que se trata de um eufemismo modernoso para designar a mesma coisa – e continuamos atrasados.  Nosso atraso é muito mais que econômico ou social, antes é um estado de alma, uma segunda natureza, uma maneira de ver o mundo, um jeito de ser, uma cultura.  Temos pouco ou nenhum espírito cívico, somos individualistas, emporcalhamos as cidades, votamos levianamente, urinamos nas ruas e defecamos nas praias, fazemos a barulheira que nos convém a qualquer hora do dia ou da noite, matamos e morremos no trânsito, queixamo-nos da falta de educação alheia e não notamos a nossa, soltamos assassinos a torto e a direito, falsificamos carteiras, atestados e diplomas, furamos filas e, quase todo dia, para realçar esse panorama, assistimos a mais um espetáculo ignóbil, arquitetado e protagonizado por governantes. Que coisa mais desgraciosa e primitiva, esse festival de fanf

Fez parte do show

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No livro  “Cazuza – Só as mães são felizes”,  Lucinha Araújo contou que Caetano Veloso subiu ao palco do  Canecão , no Rio de Janeiro, em junho de 1983, no lançamento do disco “ Uns ”, e começou a cantar  'Todo amor que houver nessa vida' . – Essa música é de nosso filho – ela comentou com o marido, sentado a seu lado. – Você tá louca? – indagou o pai. No final, Caetano elogiou Cazuza, dizendo que se tratava do “melhor poeta de sua geração”. Seis meses antes, ficara impressionado ao assistir à apresentação dele liderando o grupo  Barão Vermelho, no Circo Voador .   Caetano (na plateia) assiste ao Barão Vermelho Quase três décadas depois, eu e Magdala, minha mulher, fomos ao Rio assistir a um show no teatro  Vivo Rio . Logo após o evento, fui abordado por uma amiga: – Tem uma pessoa que quer te conhecer – me disse Naná. – Tudo bem. Vamos lá? – respondi, curioso.   Naná Karabachian é uma empresária responsável pela criação e direção artística de diversos projetos musicais realiz

Minha mãe deve gostar

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Dia desses ela me ligou com a voz de quem estava prestes a chorar: – Meu filho, você viu? – O quê, mãe? – Ele morreu... E agora, o que vai ser de Glória?   Lamentava a morte do ator Tarcísio Meira, aos 85 anos, vítima da Covid-19. Sua mulher, a atriz Glória Menezes, também fora internada com a doença, mas teve sintomas leves. O casal já havia sido vacinado, porém a situação do marido agravou-se porque, além de cardiopata, sofria de enfisema e insuficiência renal.   Minha mãe é daquelas que não conseguem separar a realidade da ficção quando se trata de telenovelas. Se fosse possível, de máscara e devidamente lambuzada de álcool em gel, levaria pessoalmente seu abraço à família enlutada.    Lembrei-me dela no bairro da Gruta, em Maceió, há 45 anos, assistindo ao último capítulo da novela  Pecado Capital , da TV Globo. O taxista Carlão (Francisco Cuoco) tentava livrar-se de uma mala de dinheiro – deixada em seu carro, havia meses, por assaltantes em fuga – nas obras do metrô para, em segu