Li uma matéria num portal de notícias e um dado ficou martelando na minha cabeça como coisa mal resolvida: as mulheres sofrem o dobro de depressão que os homens. Segundo os números oficiais, 5,1% das brasileiras enfrentam o transtorno, contra 2,6% dos marmanjos. Estatística fria, mas com cheiro de queimado. Tem algo bastante injusto nessa conta.
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Fotografia: Dedé Dwight |
Os especialistas tentam explicar com jogo de palavras: carga genética, fatores hormonais, influência cultural, oscilação emocional. Falam de tensão pré-menstrual, gravidez, menopausa, da tal “dupla jornada” — que já virou tripla, se contarmos os boletos pagos e os filhos criados ao lado de homens que acham que “ajudar” é guardar as camisetas limpas e avisar quando o gás acabou.
Enquanto isso, eles seguem repetindo que “não têm tempo pra essas frescuras”. E vão empurrando a vida com a barriga — literal e metaforicamente. Não porque sejam mais fortes, mas porque foram treinados para acreditar que chorar é fraqueza. Sentir, então, nem se fala. Melhor “tomar umas” e mudar de assunto.
É curioso. Elas são, em geral, mais sensíveis, mais abertas ao diálogo, mais cuidadosas com tudo — até com plantas. Percebem rachaduras invisíveis e ainda se culpam por não evitar o desabamento. Mesmo assim, são elas que mais adoecem.
Eles, ao contrário, parecem imunes. Não engravidam, não sangram todo mês, não perdem tempo em fila de ginecologista ou se apalpando debaixo do chuveiro. Se precisam de um banheiro na estrada, qualquer um serve. Rugas viram charme, barriga é “sinal de fartura” e cabelo branco, “estilo”. Se um amigo os chama de “careca” ou “baleia”, respondem com um “tamo junto, irmão” e mais uma cerveja.
A vida deles cabe numa mochila: três cuecas, um par de chinelos e uma camisa xadrez que serve para reuniões, aniversários e enterros. Se aparecem três iguais numa festa, ainda saem na selfie da “confraria dos brothers”. Se esquecem de convidá-los, agradecem. Menos uma obrigação social, menos um banho.
Já elas… elas ensaiam a roupa, o cabelo, a maquiagem e o sorriso. Calculam o tom da base e da voz. Passam horas se preparando para sair — e outras tantas tentando ignorar o que podem ouvir quando chegam. “Você parece abatida, amiga?” — e lá se vai metade da energia tentando disfarçar um cansaço com CPF, RG, e nenhuma folga.
Eles não depilam a virilha com cera quente. Não escaldam o couro cabeludo com secador. Não gastam com cremes que prometem devolver a juventude e a dignidade. E ainda soltam que “gostam de mulher natural” — entre um arroto e outro, com o prato sujo na pia. Miseráveis! Embora sejam as criaturas mais parecidas com os seres humanos.
Quando estão tristes, resolvem beber. Quando estão alegres, também. Quando querem desabafar, bebem. Quando não querem dizer nada, bebem mais. E voltam pra casa acreditando que está tudo certo, porque as contas estão pagas, ninguém pediu divórcio e o IPTU ainda não venceu.
E se tudo desaba? Nada muda. Continuam rindo das próprias piadas, evitando perguntas difíceis e pagando a mensalidade da existência com juros de silêncio. Até que, um dia, alguém os encontra dormindo para sempre dentro do carro, numa estrada qualquer. Calados até o fim.
Foram treinados para isso: silenciar a dor, esconder a fragilidade, negar o colapso. O que chamam de força é só orgulho fantasiado de armadura.
As mulheres, não. Quando não aguentam, choram. Quando ainda aguentam, choram também — no banheiro, em silêncio, enquanto o feijão ferve, o filho grita e a notificação do condomínio avisa que a taxa venceu.
Sabem que a vida cobra. E cobra caro: em parcelas diárias, com juros emocionais e correção monetária pela inflação do isolamento.
Talvez adoeçam mais por isso: porque não aprenderam a fugir de si mesmas. Porque não se deram o luxo da alienação. Porque, exaustas, seguem acordando cedo, resolvendo o que ninguém vê, segurando o que ninguém agradece.
Sim, os homens quase nunca deprimem. Talvez porque estejam ocupados demais fingindo que estão bem — enquanto afundam devagar, com a boca seca e o controle remoto na mão.
E elas, mesmo esgotadas, seguem inteiras. Inteiras, mas cansadas.
Cansadas, mas em pé. Em pé, mesmo quando o chão desaparece.
Sozinhas. Às vezes, mesmo de mãos dadas.
Muito bom!
ResponderExcluirParabéns.
👏👏👏👏
ResponderExcluirEssa crônica pra comentar
só se for numa mesa de bar.
😂😂🤗🤗
Apesar da brincadeira acima, não me enquadro na solução da bebida, felizmente. 😅
Sobre o enxoval, o meu é quase o descrito na crônica, exceto pela camisa xadrez. Pode ser uma dry fit? 😂
Sério, ainda bem que nasci homem… 🙌
Um carinhoso abraço a todas as mamães neste domingo especial: dia das mães são todos os dias da vida de um filho!! 🙏
Excelente! Como traz reflexões claras, objetivas, cotidiano da vida.
ResponderExcluirParabéns a todas as Mães, de sangue e adotivas, de igual afeto, importância e valor.
Fantástica reflexão. Que deveria ser lida nas homilias de hoje. Ao trazer o tema da exaustão feminina, com tanta categoria, você nos expõe séculos de patriarcado, numa sociedade que ainda fala assim "lá em casa eu ajudo a minha mulher". Ajuda? Como assim? Não seria divide responsabilidades? Parabéns pela forma leve e impactante que fez está partitura de letrinhas falarem tanto. Um texto magistral para um dia especial. Daqueles que deveriam ser estudados nos cursos de noivos.
ResponderExcluirAinda que deles se diga que boa parte já não é como descrito, o que elas gostariam mesmo é trocar por “a maioria” não é. Valeu, Ricardo!
ExcluirExcelente crônica para uma data tão especial. Viva as Mães, viva as mulheres, viva a brilhante crônica, viva!!
ResponderExcluirMadre Teresa de Calcutá, já dizia:
"Ser mulher é acreditar sempre. É seguir em frente quando todos param. Acariciar e dar colo. Dividir-se em muitas sem deixar de ser uma, a mais importante! A mulher acontece, encanta, muda, nasce, floresce, cuida, cria, sente, beija, escuta, vê, brinca, brinca e brinca com a vida...e vive!"
Simbora Hayton, que possamos comemorar muitos e muitos dias das Mães com mais igualdade para todas.
Feliz Dia das Mães. 💞💓
O rio pleno de amor
ResponderExcluirQue irriga nossa vida
A nossa maior guarida.
A mais perfumada flor.
Mais bela e nítida cor.
O nosso maior esteio.
A MÃE é sem arrodeio.
O nosso vento mais brando
A que se aperreando
Nos livra de aperreio.
Tenho dúvida se os parabéns pela crônica são para você ou para nós, mulheres, porque até que enfim alguém enxerga e traduz o que é ser mulher. E, apesar de todos os pesares, somos cada vez mais fortes, enfrentamos todas as desigualdades do tratamento social que nos é dado, e o fazemos com muita galhardia. Nelza Martins
ResponderExcluirClaro que os “parabéns” são pra vocês, Nelza! Eu apenas me rendo às evidências e, num domingo especial, protesto na esperança de que as coisas mudem mais rapidamente.
ExcluirAlguém precisava colocar o dedo na ferida! Entendo que a crônica dá um tratamento de choque às desigualdades e injustiças que as mulheres - sobretudo as mães - sofrem!
ResponderExcluirTalvez alguns homens não se vejam tão assim! Talvez alguns possam achar que há uma dose de mimimi nas escolhas das mulheres.
Mas o fato é que precisamos refletir muito sobre tudo isso.
E crescer como seres humanos!
Parabéns às mães e ao escriba!
Pura realidade, por isso, mamãe dizia:
ResponderExcluir- Mãe vai para o céu!
Abraço.
Excelente reflexão sobre a diferença do homem e da mulher. Elas são mais sensíveis, responsáveis, e acumulam grandes tarefas. Muitas lamentam da condição de ser mulher e pedem que na outra encarnação venham homem.
ResponderExcluirParabéns pela crônica
Abraço
VFM
E tem mais uma coisa, caro Hayton, vivem mais tempo que nós.
ResponderExcluirÓtima!
ResponderExcluirPerfeita descrição! Me emociono cada vez que leio seus artigos! Deus abençoe você!
ResponderExcluirExcelente crônica. Sensacional homenagem. Elas merecem muito, muito.
ResponderExcluirQuanta verdade
ResponderExcluirA mulher é MÃE da vida! Nada somos sem a MÃE de todos. Sem o AMOR de uma MÃE, os jardins somente teriam espinhos.
ResponderExcluirQue crônica necessária e precisa. Fui lendo e ritmo do texto fez-me lembrar Chico Buarque.
ResponderExcluirAs jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas
Não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
Às suas novenas, serenas
Dedé Dwight
Como se não bastasse a sua colaboração com a belíssima imagem que ilustra a crônica, de sua autoria, você nos brinda com um comentário poético desse calibre! Ô filho de uma mãe!
ExcluirUma vez mais, caro amigo, você acertou em cheio. Um reconhecimento justo às mulheres, heroínas incansáveis e não reconhecidas, merecedoras de todo o nosso respeito além de afeto e gratidão. Bom momento veio a sua crônica , que merece ampla divulgação .
ResponderExcluirExatamente assim. Nossos dias parecem que tem mais de 24 horas, tamanha demanda temos que gerenciar em casa, no trabalho, na escola. No início somos mães dos nossos filhos, depois nos tornamos mães dos nossos pais. A tarefa não é nem nunca será fácil, mas é maravilhosa. Como já disse o poeta: “ Começaria tudo outra vez, se preciso fosse…” ❤️
ResponderExcluirFui pai aos 22. Aos 29, após uma "viuvez precoce" e três filhas para criar, fui pai e mãe. Ser pai é até fácil. Ser mãe tem outra dimensão. Difícil mensurar a força e a coragem que têm.
ResponderExcluirOitavo camarada. Bom te ver por aqui. Manda um beijo pra Martinha!
ExcluirDirei para Martinha que anônimo mandou um beijo pra ela. Mas acredito que sei quem és tu. Em tempo: estou "quase sempre, por aqui l. Chico Oitavo
ExcluirLinda homenagem. Mãe é mãe!
ResponderExcluirVocê foi contundente e preciso! Fez uma bela homenagem às mulheres!
ResponderExcluirQuanta sensibilidade, amigo! Beleza de crônica.
ResponderExcluirBela homenagem às mulheres, mães ou não; e um alerta aos que “ajudam”!
ResponderExcluirAbração,
Gradim.
Maravilha! Pena que não chega a todas mulheres para lembrarem que são tudo isso.
ResponderExcluirCaro amigo Hayton, que crônica incrível!
ResponderExcluirVocê retrata, com sensibilidade e um toque de ironia, como as diferenças na forma de lidar com emoções marcam homens e mulheres.
Seu olhar nos convida a refletir sobre equilíbrio, cuidado e a necessidade de enxergar essas questões com mais empatia.
Com inteligência e humor, você evidencia como cada um carrega a vida à sua maneira. No fundo, todos sentimos…
Feliz Dia das Mães para todos e principalmente para todas as Mamães que são guerreiras muito especiais e merecem nosso carinho, gratidão e amor.
Abraços,
Ulisses
Parabéns por essa justa homenagem às mães.
ResponderExcluirLinda e sensível homenagem a essas mães guerreiras e imortais de todos os dias e todas as vidas. ❤️
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCrônica maravilhosa em homenagem a esse ser ímpar que é a mulher/mãe que, como cantou Erasmo Carlos, em sua "Mulher (sexo frágil), merece ser reconhecida em plenitude pela força que tem e exerce.
ResponderExcluirMeu comentário vai da lembrança em que em uma homenagem às mães, num grande Banco, você sabiamente diz: A mulher é diferente do homem. O Homem tem 05 sentidos. Já a mulher têm 06, o sentido de mãe. Adorei a crônica especial de domindo, de ponta a ponta.
ResponderExcluirQue linda homenagem Hayton!
ResponderExcluirTão sensível e profunda que me fez colher emoção ao recordar das mulheres que deram sentido à minha vida. Minha mãe, a minha vó, as irmãs de minha mãe, minha primeira esposa, a segunda esposa, minhas filhas, agora mães, e algumas amigas, mães exemplares que muito me. Inspiraram.
Obrigado pela emoção amigo🙏🏻❤️🥹
Beto Barretto
Você é um daqueles caras que fizeram por merecer o amor que recebeu e recebe de casa uma das mulheres de sua vida, meu amigo Beto. O que deveria ser regra, lamentavelmente tornou-se exceção. Não podemos é calar e ficar no “é assim mesmo… sempre foi!”
ExcluirEspetáculo de crônica...um presente extra além da quarta! 👏
ResponderExcluirLinda a homenagem!
ResponderExcluirParabéns a todas as Mães do grupo!!!
Somos fortes, 💪 guerreiras, sensíveis, cuidadosas, incansáveis
e muito mais...
Estamos sempre prontas para o que der e vier.