Num zoológico de egos inflados, metas inalcançáveis e reuniões inúteis disfarçadas de brainstorm, despontam os verdadeiros mestres da fauna corporativa: os puxa-sacos. Mas sejamos honestos: quem nunca afagou um ego alheio, nem que fosse com dois dedinhos de falsidade?
O termo, segundo os arquivos empoeirados da caserna, nasceu nos tempos em que soldados de baixa patente carregavam os sacos — de mantimentos, tralhas e até mágoas — dos superiores. A prática foi ganhando contornos mais sutis, menos físicos e mais psicológicos, até se transformar nesse balé de elogios sob medida, sorrisos forçados e silêncios convenientes.
Dias atrás, li uma notícia daquelas que, de tão absurdas, só podem ser verdadeiras: a gaúcha Luciana Azevedo, uma profissional de RH, cansada de ver gente competente sendo engolida por tagarelas de gravata ou tailleurs, criou um curso online para ensinar a bajular com método e sem culpa. Nome da joia rara? Puxa-Saco Sem Frescura. Didático e direto, como tapinhas nas costas que mira a promoção.
Acertou no alvo: quase duas mil almas já compraram o pacote. E, segundo a autora, a aprovação beira os 100%. Tem até módulo chamado “Seja bobão” — aula magna na arte de pedir permissão para existir sem parecer insolente. Outra pérola? “Inspire seu chefe, mesmo que ele nunca tenha inspirado nem a si mesmo”.
A mentora do método jura de pés juntos que não ensina falsidade, mas inteligência emocional. “Fingir é maturidade. Fingir respeito, fingir que engoliu o sapo, fingir que o chefe é um farol de sabedoria. As empresas não contratam pessoas, contratam personagens”, sentencia, como quem já decorou o roteiro da peça do momento.
Ela distingue, com a precisão de uma cirurgiã social, dois espécimes da fauna bajulatória: o pavão e o estrategista. O primeiro é espalhafatoso, ri alto da piada sem graça do chefe, organiza vaquinhas para comprar cafeteiras de cápsula em aniversários e ainda sugere uma plaquinha de "Líder do Mês". Já o segundo — o tal puxa-saco inteligente — é discreto, sutil, quase invisível. Uma espécie de ninja corporativo que sabe quando submergir e quando aplaudir de pé.
E para quem ainda torce o nariz, Luciana tenta acertar o coração: “Não é sobre ser falso. É sobre sobreviver sem se engasgar com o próprio orgulho”. Afinal, o que dizer de um teatro onde engolir sapo virou competência comportamental e abrir a boca na hora errada pode custar sua vaga no camarim?
Ela ainda oferece sete mandamentos para o puxa-saco contemporâneo:
1. Finja que é bobão – deixe que o chefe brilhe. Afinal, holofote demais revela espinhas e rugas.
2. Diga que ele é sua inspiração – mesmo que ele só tenha contribuído com um “é isso aí, vamos lá!”.
3. Sugira, sem contrariar – nunca diga que algo está errado; no máximo, que é melhorável. Com ternura.
4. Mostre defeitos humanos – seja gente como a gente: esqueça um prazo, derrube café, erre o nome do colega.
5. Finja paz, mesmo em guerra – o mundo não precisa saber que você odeia apresentações de PowerPoint com todas as suas células.
6. Aprenda a linguagem do seu chefe – tem deles que gosta de bajulação explícita. Outros preferem sutileza. Estude antes de puxar.
7. Evite ser pavão – nada de gargalhadas exageradas, presentes ostentatórios ou tapinhas constrangedoras na lombar alheia.
No limite, o que move o puxa-saquismo não é vaidade, mas sobrevivência. Quem já viu alguém medíocre escalar o organograma feito cabrito em escada de rodoviária sabe do que estou falando. O competente, muitas vezes, só assiste resignado — de braços cruzados e ego latejando.
Não vou negar, confesso que já pisei nesse palco. Talvez continue pisando, com figurino mais discreto. Até porque, sejamos francos, em algum momento da vida, puxamos o saco de alguém — um chefe, um amigo, um filho, um neto. Há quem diga que isso é afeto. Outros chamam de conveniência. Tudo não passa de um jogo semântico.
A rigor, puxar saco é só mais um ato cênico: comédia para uns, tragédia para outros — mas sempre em cartaz, com plateia lotada e fila de espera para fazer parte do elenco.
E você? Vai seguir de espectador indignado, fingindo que não tem nada a ver com isso? Ou já decorou a fala, os trejeitos e está de figurino pronto, só aguardando a deixa para entrar em cena?