REPETIR PRA QUÊ?
Hayton Rocha
Um dos direitos sagrados de chatos como eu é implicar com o que, para uns, passa despercebido, mas para outros soa como tortura. No topo da lista está a mania de certos comunicadores de rádio e TV, gurus corporativos e influenciadores digitais de encher nossos ouvidos de tautologias.
Falo daquela repetição preguiçosa de ideias com palavras diferentes, mas de mesmo sentido. Clássicos como “criar do zero uma novidade inédita” e “voltar de novo para casa” já nem causam espanto. O problema é a “criatividade” dessa turma, que parece inesgotável. Volta e meia ouço disparos como “adiar para depois” ou “todos foram unânimes” e ninguém nem mais franze as sobrancelhas. Virou vício de linguagem, desses que se repete por pura economia de pensamento.
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Ilustração: Uilson Morais (Umor) |
No dia a dia, o repertório se amplia sem pudor: “brinde grátis”, “promoção válida somente durante o período”, “reserva antecipada”, “resultado final”. O aplicativo promete “rota alternativa diferente”, enquanto o síndico do prédio avisa no elevador que “o acesso de entrada estará liberado”. Tudo muito claro, claríssimo.
Para ranzinzas como um velho amigo meu, isso provoca azia e coceira, além de uma vontade quase incontrolável de destilar ironia nas redes sociais — o que prudentemente evita, temendo ampliar o esgoto ali instalado. Ele já pensou até em gravar vídeos indignados, mas desistiu. Prefere sugerir que os culpados passem horas em pé numa reunião corporativa, sem pausa pro cafezinho.
Ali, a proliferação de redundâncias beira o delírio: “expectativas futuras”, “seguir adiante com a continuidade do projeto”, “metas a serem alcançadas”. Tudo servido em palavrório que lembra algodão-doce: bonito, vistoso, mas some na mão se você aperta.
Em seminários de liderança, então, é praga disseminada de controle improvável. “Planejar antecipadamente”, “consenso geral”. O auditório aplaude como se tivesse descoberto o fogo, esquecendo que, na prática, a coisa queima faz tempo. Há até quem proponha um “manual de boas práticas corretas” para proteger a “cultura organizacional da empresa”. Dá vontade de pedir legenda simultânea.
Mas se nos auditórios já se aplaude o óbvio, na vida real o espetáculo não é menor. Prova disso é uma mensagem que meu amigo guardou, recebida de um conhecido — cujo nome não me revelou por caridade, segundo afirma. Começa assim: “Anos atrás, quando ainda era inexperiente, percebi que a vida, cheia de surpresas e imprevistos, ensina lições que são repetitivamente reincidentes”. Isso mesmo: “repetitivamente reincidentes”.
O cara jurava ter aprendido essa “grande verdade” ao enfrentar um dilema: escolher entre duas alternativas incertas e, ainda assim, ficar em dúvida — porque certeza, claro, só depois.
Numa manhã de domingo, resolveu planejar o futuro — seria curioso planejar o passado. Queria um emprego fixo, com salário e estabilidade — como se alguém sonhasse com o contrário. Procurou um vereador que lhe garantiu, com “certeza absoluta”, boas oportunidades. Já no presente, precisava elaborar um plano estratégico bem fundamentado, com argumentos sólidos — porque plano raso e argumento gasoso ninguém respeita mais.
Foi então a um banco. O gerente explicou que era preciso estabelecer um “elo de ligação” entre receitas, prestações e juros. Caso contrário, comprometeria a capacidade de pagamento — quem diria, hein!? Na planilha, recomendou indicadores para acompanhar “a evolução crescente dos resultados”, de preferência em gráficos “visuais”, que são sempre mais fáceis de ver.
Cansado, adiou a “decisão definitiva” para o dia seguinte. Ao acordar, consultou o tio, conhecido por frases de efeito. E ouviu a pérola:
— Meu sobrinho, a vida é um ciclo sem começo nem fim. O mais importante é agir com prudência para aumentar as chances de acerto. Quase tudo na vida se divide em duas metades iguais.
O homem falava como quem recita horóscopo de jornal: cabe em qualquer situação, serve para todo mundo e, no fundo, não diz nada. Ainda assim, o sobrinho saiu convicto: precisava tomar uma decisão definitiva. Voltou ao banco, assinou os papéis e pegou o empréstimo. Restava torcer para que sua ideia inovadora desse certo — e não virasse um fracasso retumbante.
Entre altos e baixos, disse ter aprendido uma grande lição: nada é garantido — exceto a morte e os impostos, como já disseram antes —, mas é preciso lutar com todas as forças, já que nada vem de graça.
Diz meu amigo que pensou em perguntar, mas silenciou: e se der errado? Bem… sobra o aprendizado. E a dívida, claro.
Depois de ouvi-lo, concluí: nem com ansiolítico encararia hoje um guru corporativo oferecendo um “framework inovador de repetição estratégica”, garantindo que iria mudar minha vida.
Porque a tautologia já virou modelo de negócio: quanto mais se repete, mais parece profunda. Mas é assim que a língua murcha, o pensamento se rende — e a gente segue pagando caro por vento embalado como se fosse sabedoria de primeira prateleira.