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Manias de uma paixão

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O grande Graciliano Ramos (1892 – 1953) pisou na bola em sua crônica  “Traços a esmo” , de 1921, publicada em “O Índio”, jornal do Agreste alagoano, ao profetizar: “... O futebol é uma moda fugaz; vai haver por aí uma excitação, um furor dos demônios, um entusiasmo de fogo de palha que não durará um mês...” Monstros sagrados que surgiram por aqui na segunda metade do século passado –  Pelé , Garrincha, Didi, Tostão,  Carlos Alberto , Gérson, Rivellino, Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Zico e outros – destruíram sem dó a profecia de Mestre Graça e me fizeram até sonhar ser como Roberto Dinamite, maior artilheiro da história do Vasco da Gama. Mas uma miopia acentuada, o início do curso científico (2º grau do ensino secundário) e o primeiro emprego, aos 16 anos, cuidaram de sepultar na origem o meu delírio.  Minha cabeça, no entanto, já havia sido feita pelas transmissões esportivas da "Rádio Globo", da TV Bandeirantes e TV Educativa, e pelas matérias da revista "P

Não deu, Elis

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Nunca fui de lamentar sonhos frustrados. Meu maior temor nunca foi de fracassos pontuais no dia a dia, mas de conquistas que não fizessem muito sentido para mim ou para quem estivesse a meu lado. Na segunda metade de 2014, a turma que trabalhava comigo na diretoria de marketing do Banco do Brasil (Avelar Matias, Delano Valentim, Fernando Vieira, Gissanne Alves, Hugo Paiva, Márcia Veloso, Michele Domingues, entre outras pessoas) havia recebido a encomenda de criar algo na linha do chamado marketing de experiencia, direcionado ao segmento de alta renda do eixo Rio-São Paulo.  Esse tipo de evento tem sido uma das principais estratégias das marcas que pretendem criar vínculos mais sólidos com seus clientes. A ideia é estabelecer conexões emotivas, o que vai muito além da obrigação da satisfazê-los com produtos e serviços. É preciso oferecer algo que dinheiro nem sempre pode comprar como, por exemplo, jogar tênis numa manhã de sábado com Gustavo Kuerten (Guga), um dos maiores

Crepúsculo de mitos

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Ele ajeitou o nó de minha gravata com aquelas mãos delicadas de quem nunca na vida pegou em cabo de foice para descascar coco verde ou trocar pneu com parafusos apertados, deu três tapinhas na lapela de meu paletó e, com sua voz quase inaudível, profetizou: “você vai se dar muito bem na Bahia!” “Eu tinha certeza de que o senhor iria gostar dele. É uma de nossas promessas e mereceu ser nomeado superintendente na Bahia”, disse o então presidente do Banco do Brasil, Andrea Calabi, que, junto com o diretor Marcelo Teixeira, estava comigo naquela visita ao todo-poderoso do Congresso Nacional, ao meio dia de quinta-feira, 20 de maio de 1999. O senador  Antonio Carlos Magalhães (1927 – 2007)  virou-se para mim e encerrou a conversa em tom de paz: “... e ainda dizem que sou político; político é seu presidente, está vendo?” Ao chegar a Salvador na segunda-feira para assumir o cargo ,  recebi logo cedo dois telefonemas: dos gabinetes do governador César Borges e do prefeito da Capital,

Cabeça de mãe

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Faltava energia às 10 horas da noite de terça-feira, 26 de fevereiro de 1958, quando ele nasceu na maternidade do Hospital São Vicente de Paulo, em Itabaiana, na Paraíba, berço de grandes artistas como Zé da Luz, Sivuca e onde vive, atualmente, o grande Jessier Quirino.  Era uma criança tão feia que assim que a energia voltou o médico foi conferir se por acaso não teria jogado no lixo o pimpolho e deixado a placenta nos braços da mãe que, aos 19 anos, exausta, recuperava-se do esforço sobre-humano feito para expulsar aquela respeitável caixa craniana.  Nas 48 horas seguintes, aguardou-se para ver se não brotava algum apêndice caudal na figurinha cabeluda de pouco mais de 4 kg, chorona e de olhos tristes, que começava a bisbilhotar o universo em sua volta, sem entender de onde vinha nem para onde estava indo. Era humano! Uma santa teria soprado aos seus ouvidos: “Calma! Só dói assim na descida e na subida; aproveite o vôo e boa viagem.” A mãe jura que exageram quando toc

Há sempre um nome de mulher

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Ele ainda tentou segurar na garganta o choro enquanto ouvia “Marina”, de Dorival Caymmi, interpretada por Nana Caymmi, que, a seu pedido, eu havia colocado no toca-discos: — Dói muito? — perguntei a Tio Enoch, achando que o inchaço e a vermelhidão do tornozelo fosse mais uma crise de gota. — Não é isso. Você me fez lembrar de meu irmão... seu pai, quando era criança. Todo dia, depois do almoço, eu deitava aqui na minha rede para cochilar um pouco, escutando baixinho um disco que ele escolhia... — respondeu, a enxugar os olhos. Lá fora o sol do meio-dia parecia derreter o calçamento naquela primeira quinzena de 1988, na tórrida Caxias, quinta cidade maranhense, já próxima à fronteira com o Piauí. Era chamado de Padrinho Enoch pelos 10 irmãos mais novos (Baíca, Jerônimo, Marcelino, Tereza, Agostinho, Antonia, Cazuzinha, Leó, Cristina e Vitória). Para os “Torres da Rocha”, alguém acima de irmão e pouco abaixo de pai que fazia jus à reverência porque, desde cedo, corajosament

Pode ser a gota d’água

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Ontem, o genial João Gilberto, músico e cantor cultuado no mundo inteiro como um dos pais da bossa nova, descansou do inferno em que estava vivendo, marcado por problemas financeiros, desavenças familiares e disputas judiciais. A saúde agravou-se desde a perda da amiga e ex-mulher Miúcha, também cantora, que partiu no final do ano passado. Com "Chega de Saudade", disco do final dos anos 50, João Gilberto inspirou e abriu espaço para uma nova geração de talentos como seu ex-cunhado, irmão de Miúcha.  Daquela nova geração de talentos, em 1968 apareceu lá em casa um compacto simples   —  para quem não conhece, pequeno disco de vinil com apenas duas músicas: de  uma lado, “Bom tempo”; de outro, “Ela desatinou”   —  de um cantor e compositor desconhecido para mim. Disseram-me que se tratava de alguém com mais futuro do que todos aqueles cabeludos da jovem guarda: chamava-se Chico Buarque de Holanda.  Tinha lá minhas dúvidas. No final dos anos 60, começava a escutar na Rádi

Zelito

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Dar uma gargalhada, daquelas de duas ou três repetições, com dor na barriga e risco de incontinência urinária, a gente só consegue quatro ou cinco vezes por ano e olhe lá. Mas há quem consiga isso quase todo dia. Guardo na memória uma galeria de tipos inesquecíveis, dignos do realismo fantástico de Gabriel Garcia Márquez (1927 - 2014). Um deles é Zelito, menos conhecido como José da Silva, ex-funcionário do Banco do Brasil com quem convivi na agência Maceió-Centro, em meados dos anos 70, que possui cadeira cativa nesse seleto time. O avô de Zelito, no primeiro terço do século passado, seguro de que fazia um bem inestimável ao neto, chamou o menino no quintal, pigarreou, cuspiu dentro de sua boca e vaticinou: — Meu neto Zelito, pode engolir o cuspe que você vai ficar curado de todas as doenças do mundo, ouviu?! E a criança sobreviveu. Às gargalhadas, contava isso aos colegas, tempos depois, na maior naturalidade. Técnico agrícola dotado de inteligência bem acima da mé

Sem confusão, qual é a graça?

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O tal do VAR (do inglês: Video Assistant Referee) anda deixando o futebol cada vez mais sem graça, insosso, morno. VAR, para quem não sabe, é um assessor de luxo que analisa comendo pipocas as decisões tomadas pelo árbitro principal de uma partida de futebol com o uso de imagens de vídeo. Ainda não faz parte das regras do jogo, mas, daqui a pouco a sua incorporação deverá ser julgada pela International Football Association Board. Andei vendo alguns jogos do Brasileirão e da Copa América e penso que a fogueira que sempre aqueceu o futebol tende a virar cinzas com o anticlímax proporcionado pelo VAR. Em tese, a tecnologia aplicada deveria ser em benefício do próprio esporte, como é no vôlei, automobilismo, natação, tênis por exemplo. Não é. Emoção e razão são água e azeite: não se misturam de jeito nenhum, pelo menos em algo que, antes de tudo, é adrenalina pura. Mesmo o vascaíno, acostumado com arbitragens esquisitas — tanto quando seu time enfrenta Flamengo ou Corinthians

Só eu sei

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Era tarde demais quando percebi que condenava minha mulher e nossos filhos a sofrerem com os transtornos de sucessivas mudanças ao optar  por uma carreira marcada por desafios pelo país afora. Só eu sei o quanto isso mexeu com todos nós. Poderia ter escolhido outra profissão? Claro. Teria sido melhor ou pior? Não sei. Repito o que escrevi outro dia: ser feliz é sobreviver à versão de nós mesmos que decidimos assumir.  Sobrevivemos, todos.  Mas só eu sei o quanto pedi a Deus toda noite para que fossem ao meu encontro todas as pedras atiradas pela vida na direção de minha família. E para que nunca nos faltassem o feijão nem o entusiasmo para sonhar com dias melhores.  Só eu sei da angústia  quando mudamos para Salvador,  em maio de 1999,  após três anos e meio no Recife. Lídia, filha caçula, tinha apenas 14 anos e chorava dia e noite a ausência de pessoas e lugares que foram ficando pelo caminho.  Doía tanto quanto doeu para seus irmãos mais velhos quando deixamos Maceió pel