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Quem pirou o pirarucu?

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No fim do mês passado, um pirarucu daqueles da Bacia Amazônica,  tido como um dos maiores predadores de água doce em temperaturas que variam de 24°C a 37°C  –   pode chegar a 330 kg, medindo mais de três  metros  – ,  foi visto agonizando na beira de um rio no parque  Cape Coral’s Jaycee , na Flórida, nos Estados Unidos. O fato sem precedentes se compara ao príncipe Charles, passeando com Camila, a duquesa da  Cornualha , nos jardins do  Palácio de Buckingham, flagrar uma reunião   envolvendo um bicho-preguiça, um macaco-prego, uma capivara e um tatu-bola, a chuparem bacias de jabuticabas, pitangas e pitombas, sob o olhar protetor de uma onça-pintada  – retrato  de paz na terra entre bichos de boa vontade, debaixo dos chuviscos de março fechando o inverno.   Claro que os americanos entraram em pânico com o nosso pirarucu. Tanto que pediram aos cidadãos que, se toparem com outro exemplar, fotografem ou filmem e mandem a imagem. Mas por que o desespero? Temem que possa ser o começo de um

Como vai você?

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Como vai você? Preciso saber de sua vida. Praticamente já se disse tudo sobre você, de bem e de mal, mas ninguém lhe pode negar que ainda canta sem aspas, ama sem interrogações, sonha com reticências e vive sem pontos de exclamação. E nunca se deixou abater pelas tragédias que sacudiram a sua vida, tampouco as dores que em algum momento podem tê-lo feito pensar em desistir.    Você nunca foi de desistir. Aos seis anos, por exemplo, a história poderia ter tomado outro rumo enquanto você brincava perto da estação ferroviária e parte da sua perna teve que ser amputada. Restou-lhe usar muletas, depois uma perna mecânica cuja existência o faz mancar ligeiramente até hoje. Nem mesmo o mal que lhe roubou sem piedade três bem-amadas amantes (Nice, Rita e Ana Paula) conseguiu murchar as flores do jardim de sua casa.   Aos 13 anos, você deixou Cachoeiro de Itapemirim, interior do Espírito Santo, e foi morar com a tia Dindinha, em Niterói, onde estudaria e tentaria lançar-se como cantor em progra

O espelho

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O menino não tardou a perceber que as palavras impressas nos livros tinham o poder de guardar histórias, emoções e personagens. Aprendeu a escrever movido pela curiosidade de ler desde rótulos de latas até letreiros de rua. Mais tarde, por necessidade profissional, descobriu que aquilo seria caminho, vinho, vício desde o início.   Um dia, cresceu e se deu conta de que tudo o que construiu na vida estava ligado à palavra escrita. Dessa relação de amor e amizade nasceram cartas, memorandos, relatórios, pareceres, notas técnicas e, mais recentemente, crônicas – desde pequenas confissões até poemas em prosa ou reflexões sobre as miudezas da hora.    Velho amigo dele, vejo que o menino de ontem, hoje surfando num oceano de histórias vividas, possui agora outros olhos, outros ouvidos e, por assim dizer, outro modo de falar e escrever. Um jeito novo de enxergar o mundo, inclusive o universo empresarial.   A crítica que ele fez outro dia a um texto que circulou entre os funcionários da firma e

Jogo de interesses

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“Velho é o mar, ainda assim continua cheio de onda”, dizia um pescador sessentão que conheci no final dos anos 70, na Balança de Peixe  do bairro de Jaraguá, em Maceió, quando me contava de seu interesse em adquirir um motor de popa e seguir adiante no ofício. De tardezinha, voltava sempre com o barco carregado de bijupirás, ciobas, curimãs, guaiubas e sirigados. Nunca atrasou uma prestação sequer. Hoje, com a mesma idade dele à época, também não encaro a velhice como uma doença incapacitante, como algumas pessoas que conheço. Se muito, um tipo de reação alérgica, isto é, a forma pela qual cada um reage à perda de identidade social depois que deixa de trabalhar ao lado de outras pessoas ou à sensação de proximidade do fim do baile da tarde. Reação também à pré-falência de múltiplos órgãos, não por causa de uma moléstia qualquer, mas pelo mal do Dodginho Polara  (a "meninada" dos anos 70 sabe do que estou falando): um problema atrás de outro, fruto da infeliz combinação de mot

Goiabinha, o doce teimoso

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A professora Inacinha ouviu baterem palmas à porta de casa, próxima à Praça da Faculdade e ao Cemitério São José, no Prado, em Maceió. Lá fora, deu de cara com Baiano e Fumanchu quicando bola na calçada, a recrutarem interessados no racha das quatro da tarde: – Goiabinha tá aí? – quis saber um deles.  – Aqui não mora nenhum Goiabinha!  – respondeu uma z elosa tia  –  O nome é Paulo Fernando Paraíso de Carvalho, por sinal, um bonito nome . Órfão de mãe, criado pela tia com açúcar, afeto e seus livros prediletos, Paraíso queria ser jogador de futebol, como tantos meninos que ouviram pelo rádio o maior drama do Brasil até o vexame de 2014: a derrota para o Uruguai por 2 a 1, na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã.  Anos depois, já funcionário do Banco do Brasil, lembrava disso toda vez que seu nome completo era mencionado no ambiente de trabalho e os colegas – inclusive alguns comparsas de infância – completavam numa só algazarra: – Por sinal, um bonito nome!  Aposentado há 28 ano

Coisas de pai

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Há pelo menos duas décadas ele reveza estadias na Zona Sul do Rio de Janeiro com temporadas cada vez mais longas no interior da Bahia, onde cria galinhas, cultiva cocos e fotografa “os bêbados e as crianças mais lindas da região”, como diz.   Quando adolescente, queria ser músico. Mas o pai, ouvindo-o cantar certo dia, foi sincero como todo pai deve ser (um pouco mais, talvez): “Filho, me poupe os ouvidos”. Assim, engoliu como pôde a sentença paterna – um nem tão diligente servidor público, vinculado ao Ministério das Relações Exteriores – e desistiu da música.   Talvez, para seu pai, ele devesse concluir os estudos básicos e prestar concurso público para ingressar numa daquelas instituições que ofereciam salários generosos e pagos em dia, garantindo uma vidinha sem sobressaltos com mulher, filhos, sogra, igreja e praia ou zoológico aos domingos. Natural que fosse assim. Pai da gente, até uma certa idade nossa, está sempre certo. Só começa a vacilar feio depois que aprendemos a andar c

Camisas coloridas

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A rainha Vitória, do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda  – tataravó da atual monarca  – , cujo reinado duraria 63 anos, tomou uma decisão em 1861 pra lá de radical. Com a morte de seu marido, o príncipe Albert, resolveu guardar luto pelo resto de sua vida usando roupas pretas nos 40 anos seguintes, isto é, até 1901, ano em que faleceu. Não se sabe se a medida alcançou sutiãs, espartilhos, anáguas, combinações e calçolas. A história não se intromete nessas intimidade s   e relata apenas que passou a vigorar naquele tempo uma regra vitoriana determinando que as viúvas usassem o preto como luto.  A mulher que perdesse seu marido, portanto, teria que usar vestes negras – inclusive véu para cobrir o rosto, daí surgindo jóias e outros acessórios na mesma tonalidade – por, no mínimo, dois anos e meio.  Jornais da época também estimularam o uso da cor escura em ocasiões como a morte da sogra ou do sogro de seus filhos casados, por seis semanas.    No começo do século 20, com a morte da rain

Ouro Branco

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Próximo ao lago Paranoá, sob a vigília do céu anil da capital da República, o condomínio  Ouro Branco  acaba de receber seu mais novo morador. Não fosse pelo sobrenome e pelo tino para negócios imobiliários (que invejosos promotores públicos chamam de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa), ninguém prestaria muita atenção à compra, por 6 milhões de reais, de uma mansão de 2.500 metros quadrados, com quatro suítes, piscina e   spa   com aquecimento solar, espaço  gourmert , home theater  e academia.   Às vésperas de mais uma Páscoa sem chocolates nem netos por perto, antes de qualquer comentário mais amargo, preciso resgatar que esse foi o 20º imóvel que esse abençoado cristão negociou nos últimos 16 anos. Aliás, em declaração à Justiça Eleitoral, há dois anos, ele jurou de mãos levantadas e pés juntos ter patrimônio de 1,74 milhão de reais, quantia compatível com seu atual salário líquido, de 25 mil reais.    Para os que duvidam do talento comercial desse cidadão latino

Essa gente não toma jeito!

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Se ainda estivesse entre nós, Nerival, um sergipano narigudo, sobrancelhas espessas, a cara do feiticeiro Gargamel (aquele do gato Cruel!), de  Os Smurfs, certamente teria boas histórias para contar.  Trabalhamos juntos no início dos  anos 90, em Salvador,  quando ele me contou de uma memorável carteirada em que se envolveu, em Aracaju , onde passava os fins de semana com a esposa e os filhos .  Se fosse vivo, morreria agora de rir daqueles que, neste momento, sob inconfessáveis meios e modos, sonham com um tiro certeiro capaz de furar a fila da vacina contra a covid-19. "Essa gente não toma jeito!", diria ele.   A carteirada a que ele se referiu não foi do tipo em que o sujeito exige privilégio por conta do cargo, profissão ou posição social que ostenta para obter vantagens não financeiras (cortesias, favores etc.), inacessíveis aos anônimos mortais.  Como fez há poucos meses um certo "deusembargador" ao atropelar no grito um guarda municipal – “veja com quem você