A camisa da Seleção brasileira ainda é tida como uma das mais “pesadas” do futebol mundial, status conquistado por craques lendários e cinco títulos mundiais. Mas nem sempre o Brasil jogou com a “amarelinha”.
A primeira era branca, com detalhes em azul na gola e nas mangas. Mas já teve que usar outras, como uma vermelha, em 1917 e 1936, e as do Boca Juniors e Peñarol, numa época em que não havia uniformes reservas.
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Mudou após a trágica derrota para o Uruguai, em 1950, na partida final da primeira Copa do Mundo realizada no Brasil. A CBD (precursora da atual CBF) resolveu trocar as cores e, antes do torneio seguinte, na Suíça, em 1954, um concurso organizado pelo jornal O Correio da Manhã definiu o novo modelo de uniforme, inspirado nas cores da bandeira nacional: camisa amarela com detalhes em verde, calção azul e meias brancas.
Talvez por conta do que o jornalista Nelson Rodrigues chamou de “Pátria de chuteiras”, expressão que, mais tarde, a imprensa e a ditadura militar tomariam emprestada para mobilizar o povo em torno dos semideuses do “País do futebol”.
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Ou porque a execução de hinos antes das partidas de Copa do Mundo demarca a origem de cada time, remetendo os torcedores a símbolos nacionais, mesmo aqueles, como eu, que questionam o mofo e a poeira de certas expressões (de “raios fúlgidos”, “impávido colosso” ao “lábaro que ostentas estrelado”).
Implico também com as cores do uniforme da Seleção. Inspirado numa bandeira que representa a independência, a soberania e a unidade da Nação, foi concebida, há 133 anos, a partir dos olhos do colonizador português.
O verde vem do escudo da família real de Bragança e não representa mais nossas florestas. O Brasil tornou-se fomentador de queimadas, um dos seis países do mundo (ao desonroso lado de Indonésia, Bolívia, Venezuela, Congo e Malásia) responsáveis pelo desmatamento de 60% da área total de matas que sumiu do Planeta de 1970 para cá.
O amarelo remete à cor da casa de Habsburgo, da imperatriz Leopoldina, e também ao ouro, metal nobre e vil que, atualmente, nos impõe severos prejuízos com o garimpo fora de controle, inclusive nos territórios indígenas remanescentes, devastados pela ação de dragas e retroescavadeiras, resultando erosão e poluição de rios e solos pelo uso de mercúrio. Sem contar a tragédia humana da fome, da exploração sexual e de toda sorte de doenças “brancas”.
O azul e o branco, presentes na bandeira do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves, um dia já traduziu o céu estrelado do Rio de Janeiro, onde agora só se fala de crime organizado e enchentes transbordando cursos d’água assoreados por derramamentos de óleo, além de favelas e condomínios desmatando encostas, num círculo de flagelo anualmente anunciado.
Em 2022, a jornalista e escritora Milly Lacombe defendeu em sua coluna no UOL “uma campanha por uma camisa preta... De um preto jamais visto, jamais usado por nenhuma outra seleção... Uma camisa preta que evoque os horrores dos quase 400 anos de escravidão para que, enfim, possamos começar a superá-los. Uma camisa preta que abra espaço para que a verdadeira história desse país seja contada...”.
Prefiro a mistura de branco e preto (diga-se, indevidamente chamados de cores), nada mais que a presença ou a ausência de luz. O branco é luz pura, reflexão abrangente de todas as cores. O preto, a total ausência de luz, quando as cores são absorvidas mas não se refletem.
Defendo uma camisa simples, cinza, entre o branco e o preto. Um cinza grafite (inclusive no calção e nas meias) que nos remeta à ponta do lápis que faltou na alfabetização de mais de 10 milhões de brasileiros, segundo o Serviço Social da Indústria (SESI), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2019.
A identificação do atleta (apelido e número) seria em vermelho, como o sangue derramado há mais de meio milênio de história pelas minorias sociais em situação de desvantagem cultural, econômica, étnica, política e religiosa.
Se quiserem uma referência histórica ao colonizador, cairia bem uma faixa branca diagonal atravessando o peito, símbolo das grandes travessias marítimas que levaram ao descobrimento do Brasil. Com uma cruz de malta na altura do coração, evocando o primeiro clube brasileiro a aceitar a participação de negros, pardos e caixeiros viajantes.
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Há 99 anos, aliás, esse clube se recusou a excluir pretos e pobres de seu grupo de jogadores, ato que ficou conhecido como “Resposta Histórica” à condição estabelecida para inscrição na Associação Metropolitana de Desportos Atléticos do Rio de Janeiro .
Ano que vem, no centenário desse marco histórico, seria arrebatador ver a próxima Seleção brasileira perfilada antes de uma partida eliminatória de Copa do Mundo, cantando, à capela, “Maria, Maria”, de Fernando Brant e Milton Nascimento.
Afinal, é a cinza (e o sangue) dessa gente humilde, “que traz na pele essa marca e possui a estranha mania de ter fé na vida”, que pode e vai virar esse jogo sem graça que se arrasta por aqui. No braço, nem que seja no ultimo lance da prorrogação.