Sim, elas amadurecem antes
Andei lendo outro dia sobre diferenças de maturidade entre sexos numa pesquisa realizada no Reino Unido. Em resumo, conclui-se que o homem permanece emocionalmente imaturo até 43 anos de idade e a mulher atinge a maturidade emocional bem antes: aos 32. O trabalho revela ainda que 80% das mulheres acreditam que os homens “nunca deixam de ser crianças”.
Cá entre nós, algumas atitudes de certos homens não deixam nenhuma dúvida sobre a lerdeza dessa maturidade: recontar as mesmas piadas e achar graça de novo, não se interessar por tarefas domésticas, confundir masculinidade com grosseria, arrotar em público, exibir bíceps e tríceps para demonstrar como são fortes, dentre outras tolices.
Desde que o mundo é mundo que as mães percebem logo cedo essa diferença entre suas crias, sobretudo nas famílias mais numerosas como a minha, com pais, cinco filhos e quatro filhas. Vi isso bem de perto quando Haydeé, irmã um ano mais velha, tornou-se adolescente pelo menos meio século – com exagero e tudo! – antes de mim.
Explico-me: no início dos anos 70, entre 12 e 13 anos, quando eu não estava comendo, dormindo ou na escola, queria mais era jogar bola à beira-mar ou nos campinhos de terra batida, jogar botões (futebol de mesa), ler a revista Placar ou mexer com os irmãos mais novos. Enquanto isso, Haydeé já suspirava ao ouvir Dio come ti amo ou quando assistia aos requebros de Elvis Presley. Lia muito fotonovelas e até desenhava suas próprias "novelas em quadrinhos", em meio a namoricos movidos a doses generosas de estrogênio e progesterona de ovários fresquinhos.
Nessa época, fazia enorme sucesso em Alagoas a banda LSD – Luz, Som & Dimensão, sob a liderança do talentoso Djavan, a embalar as noites de sexta-feira na AABB Maceió, na Praia da Avenida, com os hits do momento. Haydeé, claro, queria ir à boate toda sexta-feira. Mas Seu Agostinho, nosso pai e então secretário do clube, nesse particular era inflexível feito porta de cofre: “só vai se Hayton lhe acompanhar!”.
Como conseguiria me convencer se, todo dia, no máximo às 10 horas da noite, eu já estava morto de sono? E se fosse à boate, cadê coragem pra convidar uma menina qualquer para dançar? Ir apenas para dormir no desconforto de uma cadeira dura, sob o barulho ensurdecedor da banda, a inalar fumaça de cigarros até a hora de voltar para casa? Seria martírio demais.
Estudávamos no Colégio Benedito de Moraes, na Ponta da Terra. Não deve ter sido muito difícil para ela armar uma arapuca e me pegar feito um filhote de canário-da-terra. Sabia que eu também gostava de fazer meus rabiscos e, numa manhã de sexta-feira, pediu a um colega de turma que me desafiasse a desenhar uma cena de sexo explícito daquelas de revistinhas suecas, fonte inesgotável de curiosidade e deleite da molecada nos banheiros encardidos.
Em pouco tempo o besta aqui rabiscou algo com toda carga erótica possível, assinou no rodapé e o escroque ainda inflou meu ego a dizer que nunca vira nada igual a não ser nos "catecismos" de Carlos Zéfiro (1921 – 1992). Meia hora depois minha irmã apareceria triunfante com a "obra de arte" nas mãos: "Como é, vai ou não vai à AABB hoje à noite?"
Caiu a ficha do retardado! Se me atrevesse a responder “não”, meu pai saberia o que eu andava "estudando" na escola e possivelmente me inspiraria com seu velho cinturão de couro a escrever mais tarde um parágrafo a mais na crônica “Memória de minhas surras tristes”.
Engoli seco e ali aprendi, na prática, o que era a tal da chantagem emocional, pelo menos durante as quatro semanas seguintes.
Enquanto isso, vasculhava cada centímetro da casa em que morávamos à procura do desenho. Até que um dia, folheando “Grande Hotel”, revista de fotonovelas favorita de Haydeé, vi numa história que a protagonista escondera uma carta comprometedora num quadro de parede, entre o tampo traseiro e a gravura.
Ao encontrar o danado do desenho, nem cogitei guardá-lo em lugar alternativo, seguro. Picotei-o, joguei os pedaços no vaso sanitário e acionei a descarga para ter certeza de que o sofrimento chegara ao fim. Ainda bem que na época não existiam fotocópias. E a digitalização de papéis não havia nem nas revistinhas de "Flash Gordon".
À noite, vestida e maquiada, pronta para sair, minha irmã espantou-se quando lhe disse que não iria mais à boate. Correu então ao local onde escondera o desenho e ficou furiosa ao descobrir que já não possuía "argumento" para me convencer.
Penso que nosso pai, mesmo sem desconfiar de que o filho estava sendo vítima de "condução coercitiva", gostou da decisão e reconheceu que eu vinha sendo um bom irmão naquelas últimas semanas. Para ele, não precisava sairmos toda sexta-feira, deixando-o preocupado até alta madrugada.
Sim, elas amadurecem antes. A astúcia de minha irmã só confirmava a velha tese que se arrasta desde os tempos de Adão e Eva: mulheres conhecem bem mais de estratégias de manipulação e camuflagem de sentimentos do que homens.
Homens, como elas mesmo dizem, “nunca deixam de ser crianças”. Deve haver um anjo da guarda de plantão a protegê-los. Se não, viver fica perigoso demais.
Grande Hayton,
ResponderExcluirNa minha insônia, de quase todas as madrugas, nos últimos tempos, Me deparo com mais uma bela crônica. PARABÉNS.
Eu que tenho quatro irmãs ( Bendito sois entre Elas), revive este Diferencial das Mulheres. Além, das histórias e do compromisso em acompanhá-las.
Viver e não ter a vergonha de ser FELIZ.
Casa um com suas artimanhas, eu saía de casa para clube com minha ela entrava eu pegava o dinheiro da entrada ia tomar uma em um bar das proximidades. No da festa ela passava no bar e íamos para casa satisfeitos da vida. Cada situação dar uma crônica, faltará quem as escreva com maestria.
ResponderExcluirKkkkkkkkk Fiquei imaginando a cara de Haydee qndo não encontrou o desenho depois de estar toda pronta pra ir à boate kkkkkk ótima crônica e mais uma bela história que provavelmente ela já tinha esquecido kkkk
ResponderExcluirFiquei imaginando a mesma coisa, Tia Haydée toda pronta kkkkkkkkkk
ExcluirImaginou também o tanto que ele " mangou "? O mestre do Bullying!!🤣
ExcluirPrimos, eu daqui do Maranhão, morrendo de rir das cenas que por ventura, a gente fica imaginando. Muito engraçada a situação de ambos. E diga-se de passagem, tio Agostinho, bravo e moralista como todo pai não é? Um abraço e mais uma vez meus parabéns pelas sua tão bem elaboradas crônicas. Mais uma para minha coleção de crônicas, hayton.
ExcluirÉ, meu amigo, como diria o menininho da Parmalat: tomou? Mas olha que lembrança maravilhosa. Apesar dos apertos passados, hoje tenho certeza que você e a Haydee devem rir muito disso. Mas nunca descuide: vai que ela apronta de novo...kkkk
ResponderExcluirOutra excelente crônica escrita com maestria e memoráveis lembranças! Realmente as mulheres amadurecem mais rápidos e nos ensinam a arte de viver melhor! Parabéns irmão! Abs, Canindé
ResponderExcluirExcelente crônica.
ResponderExcluirTua irmã se valeu de uma atitude não muito correta, podemos assim dizer, para conseguir algo que queria muito à época. Engraçado é que às vezes nos rendemos a certas “chantagens” por medo de assumirmos as nossas atitudes, por conta das consequências que estariam por vir!
ResponderExcluirPôxa! Jamais pensei que na minha envelhecência iria ressurgir como a mais cruel das vilãs das fotonovelas que amava em minha adolescência! Deixa fazer minga defesa: No máximo aquela sonhadora menina queria " se arrumar toda", " se pintar" e perceber os olhares de cobiça dos " pães"! Os " namoricos" que fala, nem eram tantos assim! Quanto às minhas estratégias, que mais poderia fazer, se era a primeira de nove irmãos e tinha quatro " homens" pra me "vigiar"? O pobre do Nena ( Agostinho Filho) também foi " obrigado" a me acompanhar às festinhas em casa de amigos. Os famosos " assaltos" da Gruta, nos anos 70. Enfim, sobrevivi! Kkkkkkkk
ResponderExcluirSobrevivi também. Meu anjo da guarda me protegeu!
ExcluirHayton e Haydeé, eu também sei contar muitas aventuras desse tempo, e eu como vocês sou a mais velha das meninas e meu irmão, hoje coronel da Polícia Militar do maranhão, aposentado, era um ciúme doido; e como vocês vivemos essa época. Também li muita revista Grande Hotel, Sétimo Céu, etc.
ExcluirLembrança que marcou! Vocês aprontavam muito...hehehe. Beijos Myrella
ResponderExcluirQue texto maravilhoso e cativante. Você está cada vez melhor sob qualquer critério. A história é retrato de toda uma geração e agora eu entendo perfeitamente que Haydeé já era fã dos métodos do Presidente que elegeu desde cedo e por isso este comentário é anônimo. Hahahahahahaha
ResponderExcluirHahahaha!
ResponderExcluirFolhetim real, muito bom!
“Inspirar-se com um cinturão” não deve ser muito agradável.
Convenhamos, Zé, não era nada poético. Ao contrário, era bem doloroso. Fazia parte.
ExcluirEu também morei em Maceió de 1979 a 1982 e revivi o clima de cada local descrito no seu texto. Parabéns!
ResponderExcluir"... velhos tempos, belos dias...", como diz aquele trecho da música de Roberto Carlos. Mais uma deliciosa viagem no tempo.
ResponderExcluirRindo até 2030, só de imaginar a cara de sua irmã no dia que você virou o jogo.
ResponderExcluirCaro Hayton,
ResponderExcluirRealmente, apesar de não ter irmã, tenho que concordar com você, sobre a maturidade mais precoce das garotas, pois quando era estudante no colégio marista de Maceió, sofria ao ver as minhas colegas de sala, escolherem os caras velhos. E eu era o mais novo da classe, dois anos adiantado. Tive que recorrer, não às revistas suecas, mas a Ele e Ela e a playboy, como consolo. Parabéns pela crônica tão inteligente e obrigado por me permitir viajar pelo tempo e relembrar um pouco de nossas vidas na Maceió de outrora.
aqui é Hemerson
ResponderExcluirÓtima lembrança. Ainda bem que, no meu caso, minha irmã ia aos bailes com amigas de minha mãe.
ResponderExcluirRealmente elas amadurecem mais cedo. Como exemplo, eu com 18 anos e no primeiro ano de medicina namorei Haydèe com 13 anos!
ResponderExcluirNa época, um legítimo “papa-anjo”, no dizer dos alagoanos. Acabei lhe dando o troco, Dr. João, e namorando sua irmã. Até hoje! Rsrs.
ExcluirVerdade! Você teve mais lábia! Eu, aluno do Marista, onde só tinha macho, não tinha experiência com o sexo oposto!
ExcluirEu tinha 13 não, 14 anos! Mas a " paquera" já durava dois anos... Aquele rapaz da capital, educado e inteligente, dirigindo um fusquinha, levava as irmãs,os primos, e a amiga da prima para passear...Era realmente encantador! Rsrsrsrs
ExcluirCurioso mesmo estou é pra ver o desenho. Cacaca. Excelente relato de um tempo tão bom, no qual nos conduziste à saga do frustrado baile. E, com leveza e humor na alma.
ResponderExcluirEm tempo: Não encomendei desenho nenhum! O artista aí era mestre nos rabiscos, e apenas " aproveitei " a chance que caiu em minhas mãos! Kkkkkk
ExcluirMais uma maravilha, Hayton, você consegue sempre se superar. Quanto às mulheres, são anjos ou demônios, conforme a situação e a visão do espectador ou protagonista. Mas, com certeza o homem não sobreviveria se elas desaparecessem, diferentemente da consequência se fosse o homem a desaparecer, porque aí elas, com certeza não só sobreviveriam como certamente achariam outro animal para domesticar. Aqui é Volney.
ResponderExcluirAmigo Hayton! Não tenho irmã, minha família era pequena, além de mim, dois irmãos completavam a prole. Mas, talvez para compensar, tenho duas filhas. Meus irmãos tem filhos e realmente enquanto meus sobrinhos ainda brincavam de carrinho aos 12 anos, minhas filhas já viviam as dores e alegrias da adolescência...
ResponderExcluirAbs
Quando falou na AABB e da banda LSD lembrei na hora do meu pai! Ele me contou várias histórias na época que o clube era na avenida aonde salvo engano hoje é a Tim. Certa vez,ele me contou que foi a um show do Agnaldo Timóteo e que no meio da apresentação faltou energia e ele continuou só no gogó! Parabéns pela crônica
ResponderExcluirJamais imaginei que você pode ter sido danado assim, não combina nem um pouco com o de hoje.
ResponderExcluirDireção coercitiva. Bela figura ilustrativa. Hoje, depois de maduro, ainda somos vítimas de direção argumentativa, sem direito a dizer não, ahahaha
ResponderExcluirO engraçado é que situações assim apenas mudam de endereço. Eu, apesar de 5 anos mais velha, era obrigada a levar meu irmão como "vela" nos passeios com o Roberto! Mas, nunca usei de chantagem, viu?!?
ResponderExcluirAlém de amadurecer mais rápido que nós homens, as mulheres sabem manipular direitinho quando se trata de seus interesses.Com a observação de que, no caso da família do autor, sua irmã Haydeé soube usar a inteligência para conseguir seu objetivo hahaha... Ótima crônica (mais uma vez).
ResponderExcluirMuito boa.
ResponderExcluirTexto saborosíssimo, um dos melhores! Que venha o livro!
ResponderExcluir👏👏👏👏👏
ResponderExcluirMuito boa, Hayton! Coitados dos pais, que ilusão! Achar que os meninos, tão desmiolados, podem cuidar das meninas! Está aí a pesquisa do "Reino Unido" que não me deixa mentir! (kkkkk)
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