Por um prato de sopa
Quinta-feira, 12 de junho de 2014. Sobravam ansiedade e medo no quarto do hotel em São Paulo onde minha mulher e eu assistíamos pela tevê a estreia do Brasil na Copa do Mundo contra a Croácia. Nem a vitória brasileira por 3x1 afastou a nuvem escura que havia sobre nós.
Naquela noite, Magdala seria internada no Hospital do Coração (HCor) para, na manhã seguinte, submeter-se a procedimento com o qual tentaria corrigir arritmia de altíssima frequência – irregularidade no ritmo cardíaco capaz de levar a colapso a qualquer momento.
Vivia sob tensão permanente e chegara até a fazer insuficiência cardíaca. Como médica, tinha consciência de que tudo poderia terminar sem aviso prévio. Eu mesmo havia visto em 2004, pela TV, o zagueiro Serginho ser fulminado dentro de campo numa partida entre São Caetano e São Paulo, vítima desse tipo de problema.
O que lhe dava esperança era estar sob os cuidados do Dr. José Carlos Pachón Mateos, um dos nomes mais respeitados na eletrofisiologia mundial. Fora do Brasil, inclusive, é conhecido por criar técnicas para curar arritmias graves com métodos pouco invasivos, que devolvem o paciente à vida normal com três dias de repouso.
Na consulta pré-operatória, Dr. Pachón achou engraçado quando escutou da colega aflita algo mais ou menos assim: “Por favor, faça a minha cirurgia! Depois de tanta luta, não posso morrer agora e ver o 'véio' tomando um prato de sopa com outra mulher!”
Foram cinco horas de espera que mais pareceram uma semana. Tomei um susto medonho quando o interfone tocou e me orientaram a descer até uma sala reservada no andar do hospital onde ficava o necrotério, a dizerem que o Dr. Pachón gostaria de falar pessoalmente comigo.
Chegaria após 20 ou 25 minutos, transpirando, voz excitada, e contou que ele e sua equipe conseguiram corrigir cinco focos anômalos de arritmias, inclusive fora do músculo cardíaco (na artéria pulmonar). O coração, enfim, batia no ritmo normal.
Voltaríamos a Brasília dias depois, onde comemoramos o aniversário dela no domingo que antecedeu 8 de julho de 2014, data que ficou marcada para sempre na memória do povo brasileiro.
Naquele dia, a Seleção Brasileira, comandada pelo técnico Luiz Felipe Scolari, foi atropelada pelo time da Alemanha, que impôs o vexatório placar de 7x1 nas semifinais da Copa do Mundo.
Para nós, no entanto, haviam coisas em jogo muito mais importantes do que uma partida de futebol. Como, numa noite fria qualquer, poder de novo compartilhar um prato de sopa antes do sono chegar. Faz bem para o coração.
O que faz (muito) bem pro coração é ler uma história tão linda como a de vocês. A vida, como o amor, são os detalhes que são tão grandes e emocionantes até para quem, como eu, não gosta de sopa.
ResponderExcluirCuscuz de milho com ovos fritos e café preto, bem cedinho, fazem o mesmo efeito, Dedé. É que ela prefere a sopinha quente, à boca da noite.
ExcluirEssa cirurgia foi feita na hora certa... o 7 X 1 poderia ser complicado... mas aproveite os pratos de sopa sempre. Fazem bem ao coração.
ResponderExcluirDiferentemente do Dedé, eu gosto - e muito - de sopa. E aqui em Curitiba é um prato que saborearmos com frequência. Mas nada como saborear para comemorar não uma vitória do time do coração e sim uma nova etapa de um coração renovado, não é mesmo, Hayton?
ResponderExcluirSabe amigo, tomar um café lendo as histórias de tua vida tem sido uma das coisas boas da minha. Este prato de sopa, no aconhego do amor, apagou toda a tristeza do 7x1. Afinal, quando celebramos à vida, o luto pede licença pra sair, nem que seja o luto de um vexame futebolístico. Só quem já esteve com seus amados em um período de internação hospitalar sabe o que esta sopa representa. E você a caracterizou com perfeição, no contraponto com a Copa. Também fiz cirurgias pra arritmias, com Dr. BenHur, aqui em Brasília.
ResponderExcluirFamília linda que eu amo tanto! Deus dê muitos anos de vida com saúde a esse casal maravilhoso! Beijos da afilhada Myrella
ResponderExcluirAff Jesus! Imagino a tensão antes e durante a cirurgia. Longe das crias... Ainda bem que Deus cuida dos seus ! E essa baixinha ainda tem muito o que aprontar pra comer o juízo do véio! Rsrsrs
ResponderExcluirFoi uma outra bonita forma que ela encontrou de te dizer, Eu te amo. Desejo que vocês tomem muitos pratos de sopa juntos!!
ResponderExcluirPode ser, Mário. Nunca aprendi a dizer “eu te amo”. Nem a tocar violão. Deus sabe o que faz.
ExcluirDisse agora de outra forma com esta crônica!
ExcluirCrônica delicada e cativante, como, aliás, um prato de sopa partilhado com quem amamos. Forte abraço do Sidney.
ResponderExcluirO coração dela sempre tocou em um ritmo diferente, embalado pelo frevo pernambucano e pelas traquinagens do filho rebelde.
ResponderExcluirEra uma cirurgia que normalmente se faria em duas internações devido ao posicionamento dos três focos, em locais de difícil acesso.
Um médico de carne e osso certamente teria dificuldade em queimar os focos. A genialidade do Pachón e sua equipe com milhares de horas de voo me tranquilizaram... mas confesso que borrei quando caminhei naquele corredor frio ao lado do IML e vi o médico trêmulo pela adrenalina chegar com olhos arregalados e eufórico.
Felizmente trazia boas notícias.
Eu gosto muito do estilo do Hayton, escreve como faz ao falar, emocionando.
ResponderExcluirRealmente quem já pode testemunhar essa união bonita de vocês, entende perfeitamente o quanto foi difícil passar por esses momentos
ResponderExcluiraté o procedimento do tratamento.
E entendo ainda mais, pois também passei por uma situação parecida,quando Eraldo teve uma fibrilação atrial, acompanhada de fadiga e hipertensão, foi horrivel, e eu só pensava , como seria , voltar pra casa sozinha, como seria no horário das refeições. Enfim Deus é muito bom, e tudo está caminhando bem, com medicamentos.
Fico muito feliz, em saber que nossa amiga Magdala está bem , compartilhando o prato de sopa com o véio dela.
Que emoção amigo Hayton! Que venham muitos pratos de sopas para degustarem juntos. Abs
ResponderExcluirHayton,como é bom na manhã, um café com bela crônica. Uma analogia muito bem elaborada, como disse muito bem alguém anteriormente, tomar sopa juntos, escrever palavras tão sinceras para sua amada, é uma das tantas formas suas, de dizer "eu te amo"! Parabéns mais uma vez grande cronista. Você realmente escreve com o coração. Um abraço
ResponderExcluirNossa! Que história emocionante! Além da sopa que nos lembra acolhimento nos dias frios, adorei a Magdala não querer deixar o "véio" tomar sopa com outra mulher! E o Dr. Pachón entendeu o recado!kkk
ResponderExcluirEsses especialistas sabem de tudo, Rita. Tanto mais quando são predestinados, como diz Simão, como o nome sugere.
ExcluirMagdala é uma grande figura. Naquela hora, pensar num prato de sopa !!!!!! É muito amor ao veinho !!!
ResponderExcluirPosso imaginar o estado emocional do veio durante essa fase, que graças a Deus já passou
ResponderExcluirLendo seu comentário sobre a sopa, lembrei da rabada que Magdala pediu pra secretaria cozinhar e ela tirou toda a carne do osso. Ficou somente um potinho de carne. Foi hilário.
ResponderExcluirMagdala é uma grande guerreira e um grande exemplo. Parabéns pela crônica que mostra além de tudo um grande amor.
ResponderExcluirMesmo assim, Wanger, quando ando por aí sozinho e me perguntam por ela, nunca perco a oportunidade de responder: “está muito bem! Também, com o marido que tem...” rsrs
ExcluirQuem venceu a copa da vida foi Magdala. 7x0 !!
ResponderExcluirCoração revigorado e muitos pratos de sopa juntos fazem bem ao Amor que mora em vossos corações.
ResponderExcluirCoração revigorado e muitos pratos de sopa juntos fazem bem ao Amor que mora em vossos corações. É vitoria sempre !!! Grande abraço ao casal. Renato L. Naegele
ResponderExcluirParafraseando alguém aí acima, é sim uma forma de dizer EU TE AMO.
ResponderExcluirCaro Hayton, Um bom prato de sopa e o carinho da mulher amada faz bem para o coração e para a alma. Excelente. 👏👏👏
ResponderExcluirLer sua crônica me fez lembrar da apreensão vivida quando minha esposa, Thaina, no auge de seus 28 anos, fez sua cirurgia de aneurisma cerebral, com a agravante de algumas complicações pós-cirúrgicas. Superado o desafio, nada como comemorar a renovação da vida.
ResponderExcluirEste estilo de narrativa que junta fatos e transforma em situações reais da "vida como ela é" agrada e nos faz esperar pela próxima.
ResponderExcluirNão sabia desse seu trajeto próximo ao necrotério, deve ter sido arrepiante!
ResponderExcluirInclusive eu fiquei de ir mas não me lembro porque não fui. Mas Magdala ganhou muitas sopas pela frente. Que sejam sempre quentinhas!!!
Bela história (mais uma!) relatada em crônica pelo meu primo escritor. Momentos como esse que você viver com a esposa só engrandecem a relação. Eu já sabia que você é um ótimo filho, pai, escritor; agora acrescento ótimo marido! Bravo!
ResponderExcluirQue lindo texto, Hayton! Por essas e por outras que minha querida Magdala faz questão da sua companhia para o prato de sopa.
ResponderExcluirAh, o amor...
ResponderExcluirCom a "tempestividade" que caracteriza a baianidade nagô, ói eu aqui de novo.
ResponderExcluirCara, você brinca com as palavras. Consegue transformar em crônica leve, singularmente bela e tocante, mas sem drama, situação de extrema tensão vivida no terreno pessoal e afetivo. A leitura nos leva à reflexão e não deixa de ser uma lição para possível momento tenso por que possamos vir a passar - alguém está livre deles??
Você é realmente um "veinho enjoado" com a escrita.
Grande abraço, aqui é Volney.
Veinho enjoado é o mar, Volney, e ainda assim é cheio de ondas. Rsrs
ExcluirSomente a Magdala pensar em comida num momento tão delicado.
ResponderExcluirAinda bem que foi sopa, imagine se fosse um cozidão Alagoano?
Acompanhei bem sua angústias, Jurema, nos dias prévios à cirurgia de Magdala. Que bom que deu tudo certo, inclusive por continuarem dividindo os pratos de sopa. Até porquê, coitada daquela que se atrevesse.... corria o risco de ser puxada pela perna enquanto dormisse....
ResponderExcluirO prato de sopa é apenas detalhe, amigo. Na verdade, o que a afligia era partir precocemente e deixar o “véio” livre para a concorrência. Verdade que, assim como o Brasil teve o fim de sua participação na copa de forma vexatória, tudo na vida tem começo, meio e fim!
ResponderExcluirEssa é boa! kkkkk O ciúme da Magadala é famoso, mas ficar preocupada com isso numa hora dessas, é demais! kkkk
ResponderExcluirMas, brincadeiras à parte, felizmente deu tudo certo, porque essa história de amor tem que continuar. É muito linda!
Aí está a beleza do poeta! Detalhes da vida pessoal ganham um colorido todo especial porque a dor física, os sentimentos mais íntimos e os fatos aparentemente corriqueiros viram insumo para descrever um fragmento de mundo!
ResponderExcluirGrande Raquel, só você pra dizer algo tão lindo em tão poucas palavras. Valeu!
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