Na virada do ano novo, meu amigo Francicarlos Diniz, jornalista e escritor, postou nas redes sociais:
“Em busca do seu ninho
Há 23 anos, morria o compositor Lourenço da Fonseca Barbosa, o eterno "Capiba".
O maestro pernambucano gravou mais de 200 composições, entre boleros e inesquecíveis frevos-canção que tantos carnavais animaram.
Repórter da revista "Fenabb Notícias", escrevi o texto... em homenagem a Capiba, publicado na edição de fevereiro de 1998.
Os discos de Capiba sempre fizeram parte da antiga radiola da minha casa. Suas canções ainda hoje ecoam na memória dos meus tempos de criança vendo minha saudosa mãe, animadíssima, cantando e dançando músicas como "Oh, bela”.
"Bela é ver o passarinho / Oh! Bela / Indo em busca do seu ninho / Oh! Bela / Todo mundo se amando / Com amor e com carinho / Uns sorrindo, outros chorando de amor...”. “
Com o encolhimento de três bancos tradicionais que operavam em Pernambuco – Bandepe, Banorte e Mercantil – nos anos 1996/97, o Banco do Brasil buscava ocupar o vácuo. Se dependesse de alguns gerentes de sua rede de agências, eu estaria até agora às voltas com almoços e jantares com potenciais clientes, tentando convencê-los a migrarem seus negócios para o bancão.
Ocorre que nunca fui de almoços e jantares fora de casa, apesar das necessidades de relacionamento público-social dos cargos que ocupei. Não queria encurtar ainda mais o convívio com a mulher e os filhos. Pensava, por isso mesmo, em como fazer o que deveria ser feito, mas de forma objetiva, juntando mais interessados numa mesma oportunidade.
Grandes instrumentistas como Altamiro Carrilho, André Geraissati, Armandinho, Dominguinhos, Hermeto Paschoal, Paulinho Nogueira, Nivaldo Ornellas, Paulo Moura, Raphael Rabello, Wagner Tiso etc., haviam participado, em 1995, do Projeto Tom Brasil/BB Musical, ação de marketing cultural patrocinada que resultara na distribuição a clientes de caixas-brindes (coletânea de 11 CDs, gravados ao vivo no Sesc Pompeia) com obras primas daquele timaço de craques da MPB instrumental.
Como o prédio mais tradicional do bancão (ao lado da ponte Buarque de Macedo, sobre o rio Capibaribe, no lendário bairro do Recife Antigo) possuía na cobertura auditório com pé-direito alto, poltronas confortáveis, palco, iluminação e acústica excepcionais, nossa equipe desenhou uma espécie de pocket show, seguido de bebidas e canapés, onde traríamos a cada evento um daqueles instrumentistas. Azeitaríamos, assim, sempre na última sexta-feira de cada mês, o entrosamento com pelo menos 60 convidados especiais no mesmo momento de descontração.
Deu certo durante algum tempo, como quase tudo na vida. Um dia, Capiba aceitou nosso convite e, meia hora antes da abertura, lá estava ele sentado na primeira fila do auditório, com dona Zezita, musa com quem era casado havia quase quatro décadas. Conversávamos à espera dos demais convidados. A atração da tarde-noite seria Armandinho, instrumentista, cantor e compositor baiano filho de Osmar Macêdo (da lendária dupla Dodô e Osmar), idealizador do trio elétrico.
Às seis, como anfitrião, subi ao palco para agradecer a presença de todos, esclarecer o objetivo do encontro e detalhar a programação. Naquele instante, achei que cairia bem reconhecer publicamente que nenhum de nós, funcionários da empresa, traduzia melhor o amor à MPB instrumental e o respeito aos músicos deste país do que a figura mítica que ali se encontrava na primeira fila do auditório, colega aposentado havia alguns anos.
De repente, fora do script, aparece no palco Armandinho com uma guitarra nas mãos e executa um solo maravilhoso de “Oh! Bela!”, o frevo-canção de autoria de Capiba mencionado por meu amigo Francicarlos Diniz. Em seguida, sob aplausos, Armadinho emenda com “Vassourinhas”, composto por Matias da Rocha e Joana Batista em 1909, conhecido no Brasil inteiro como o mais perfeito frevo de ruas e clubes, autêntico hino do carnaval pernambucano.
Timidamente, Capiba apenas sorria e acenava. Parecia pressentir que, no último dia de 1997, a semente voltaria à terra, fechando o ciclo. O passarinho voltaria ao ninho da eternidade.
Recordo que em nossa conversa antes do pocket show, eu quis saber qual teria sido a obra que mais lhe dera prazer compor. Tinha quase certeza de que ele me falaria de “Maria Betânia”, imortalizada na voz de Nélson Gonçalves, em 1943:
“Maria Betânia
Tu és para mim
A senhora do engenho.
Em sonho te vejo
Maria Betânia
És tudo que eu tenho...”
Não era. Como todo pai, disse que canções são como filhas e não havia predileção de sua parte, mas lembrava com carinho da origem da marcha de blocos “Madeira que cupim não rói”, muito cantada nos dias de Carnaval do Recife e de Olinda.
“Madeira do Rosarinho
Venha à cidade sua fama mostrar
E traz, com o seu pessoal, seu estandarte tão original.
Não vem pra fazer barulho.
Vem só dizer,
E com satisfação,
Queiram ou não queiram os juízes
O nosso bloco é de fato campeão.
E se aqui estamos cantando esta canção,
Viemos defender a nossa tradição.
E dizer bem alto
Que a injustiça dói.
Nós somos madeira de lei que cupim não rói.”
Se já gostava dessa marchinha carnavalesca simples por conta daquela nossa breve conversa, passei a admirá-la ainda mais quando a ouvi pela tevê, há sete anos, no velório de Ariano Suassuna, numa homenagem ao escritor, dramaturgo e professor, que costumava usá-la em suas aulas-espetáculo como símbolo da resistência popular contra os maus tratos a suas raízes culturais.
Parabéns!!! Maravilhoso resgate cultural. Capiba jamais será esquecido!! Compositor extraordinário.
ResponderExcluirObrigado, João. Capiba era uma prova de que no BB havia até bancário. Além de exímio compositor, um adorável colega de trabalho por onde andou.
ExcluirParabéns pelo primor de texto. Uma bela homenagem ao povo do Recife, através dessas duas grandes figuras que muito orgulham o povo Pernambucano. Como todo bom "Cumaru" sempre gostei muito do verso "Nós somos madeira de lei que cupim não rói."
ResponderExcluirQue benção essa oportunidade. A admiração que todos temos por Capiba é feita da mesma madeira que Armandinho também tinha por ele e que hoje temos por Armandinho. É o amor pela arte, criação e cultura. Encheu meu café da manhã de alegria. Bom día!
ResponderExcluirExcelente! Linda homenagem ao colega do BB Capiba. Parabens por mais uma pérols
ResponderExcluirÓtima homenagem para deixar-nos sempre lembrado desse conterrâneo pernambucano que nos maravilhou com sua bela obra. A AABB do Recife recentemente ganhou uma estátua do artista, feita por Genésio Gomes, para abrilhantar o Salão Capiba no seu Memorial.
ResponderExcluirLinda homenagem à Capiba e aos pernambucanos!!
ResponderExcluirDe Edilene
Mais uma excelente costura do estilista Hayton, juntando revista da Fenabb (na época eu estava lá), Francicarlos e Capiba, misturando com Ariano, Armandinho e Nelson Gonçalves e trazendo novo sentido pra marchinhas e frevos que tocam nossos corações! Magnífico texto!
ResponderExcluirQue crônica, Hayton! Além da beleza do texto, temos a riqueza de informações históricas! �� tiberio
ResponderExcluirQuem passou pela vida fazendo história, tem histórias para contar. Belo texto e nova prova que temos muitos formatos para fazer as coisas que teimam em realizar com único modelo.
ResponderExcluirLinda crônica. Um resgate maravilhoso. Existem pessoas que deveriam ser eternas. Capiba era uma dessas.
ResponderExcluirAos poucos vou conhecendo os nossos colegas que fizeram a 'história não escrita do BB'.
ResponderExcluirParabéns!
Hayton!
ResponderExcluirParabéns pelo texto e pela homenagem.
Eu desconhecia a história do nosso colega Capiba, obrigado por compartilhar.
"Eu bem sabia que esse amor um dia
ResponderExcluirTambém tinha seu fim
Essa vida é mesmo assim Não penses que estou triste
Nem que vou chorar
Eu vou cair no frevo que é de amargar..."
"Aí se eu tivesse
Quem me fizesse carinho
Não levava a vida que eu levo
Sozinho ..."
"Madeira do Rosarinho
Venha à cidade sua fama mostrar..."
"Vamos pra casa de Noca*
Que lá é bom e tem tudo que se
quer
Vamos pra casa de Noca
Pra seu governo está assim de mulher..."
(*Casa de Noca, em Maceió, à época, virou sinônimo de pensão nada familiar).
Ah! Os carnavais de minha infância embalados com as músicas de Capiba na voz de Claudionor Germano. Quanta saudade!
Passou-se o tempo e, em 1976, já com doze anos de Casa, fui trabalhar na Agência Centro do Recife do Banco do Brasil e tive a felicidade de conhecer o grande compositor de frevo, Capiba (o maior do Brasil, segundo o Wilkepedia),aquela altura já aposentado do BB.
Naquele ano, o carnaval do Recife estava morrendo pela violência, com as gangues jogando na multidão urinas e fezes, e pó de mico.
Não tive vontade, nem coragem, de ir à Avenida Guararapes para assistir ao vivo o carnaval dos meus sonhos, que tanto desejava conhecer.
Felizmente, tempos depois, o carnaval de Recife foi revitalizado, ressuscitou, e, desde então, comecei a frequentá-lo, mesmo morando em Maceió. Por doze anos seguidos, sem interrupção, assisti ao Carnaval do Recife Antigo (Marco Zero), desde o primeiro.
O pernambucano, como ninguém, sabe fazer carnaval para o povo. Para mim, o carnaval de Pernambuco é a maior festa do mundo. E gratuita.
Hayton, adorei o tema e a maneira como você o descreveu. Sensacional!
Muito bom.
ResponderExcluirMuito bom. Maria Betânia pode não ter sido a predileta de Capiba, mas, dele, certamente é a minha. Que história linda essa. Também lembrei de Francicarlos. Trabalhamos juntos na formatação de um curso de Governo do BB e foi mesmo um prazer.
ResponderExcluirMeu caro Hayton, bela crônica. Você sempre garimpando as raízes da nossa MPB. Desconhecia o autor da música, bem como que o Capiba foi nosso colega. Ah casa para ter gente boa, esse tal de BB.
ResponderExcluirQuantas preciosidades! A crônica incluída!
ResponderExcluirParabéns!
Que bela homenagem. Capiba reflete a diversidade de culturas, aptidões, personalidades que Nos encantaram e fizeram-nos felizes. PARABÉNS, Vamos que Vamos!!!
ResponderExcluirMais um texto de qualidade, que junta conhecimento e que atrai do início ao fim. Lembrei-me da "radiola" que meu pai tinha em casa para ouvir aleatoriamente todos os dias na hora do almoço, um dos LPs das centenas que ele possuía em seu acervo. Aliás, estou finalizando o livro do meu primo-autor: "Vai que dá certo ano que vem". Excelente!
ResponderExcluirVocê sabe, Hayton, que nesses últimos tempos, tenho procurado me socorrer em
ResponderExcluirDocumentários, livros e filmes que tratam da vida e obra de personalidades que simplesmente deixaram de existir. Gente como Pixinguinha, São Pixinguinha, Nelson Cavaquinho, Ary Barroso, Tom Jobim, Cartola. Só pra sair mesmo um pouquinho dessa aridez. Aliás, não sei como Dorival Caymmi poderia compartilhar esses tempos velozes do WhatsApp. À frente do Clube do Choro e Escola Raphael Rabello, peço todos os dias que essas almas sensíveis voltem à planície para iluminar, reconectar a terra e favorecer a cultura, as coisas do espírito e que nos fazem humanos! Sua crônica chega em boa hora, pra salvar essa tarde de quarta-feira!
È importante assinalar de que pouco antes de seu encantamento, Sérgio Loureiro e Hayton Jurema da Rocha patrocinaram a construção de uma praça que produzimos no Caxangá, para homenagear Capiba. No momento apresentou-se a Banda da Polícia Militar de Pernambuco, interpretando várias de suas canções e alunos de algumas escolas formaram o coro. De tão importante foi o acontecimento, que tivemos a presença de Leda Alves - representando o Governo do Estado - Dom Hélder Câmara e outras personalidades. A Praça Capiba foi uma iniciativa da Academia de Artes e Letras dos Funcionários do Banco do Brasil. Em dias recentes, tive a satisfação de colaborar com a produção de mais uma estátua, que será fixada num dos clubes que ele fundou: a AABB-Recife, por iniciativa de Euler Araújo de Souza. - CARLOS EDUARDO CARVALHO DOS SANTOS, RECIFE, 13 DE JANEIRO DE 2021.
ResponderExcluirUma bela crônica/relato que nos levam ao carnaval de rua da Praçinha do Diário Os frevos de Capiba era a virtude maior da animação.Meus parabéns pelo texto e pela oportunidade de me levar aos anos 50.
ResponderExcluir.
Mums saudosa lembrança sue ons enche de nostalgia e #orgulhodesernordestino e acima de rudi nascudo e Cristo na zone norte do Recife , Massachusetts precisamente no bairto do Rosarinho , onde vivian Amos maravilhosos e fix amigos e sue home tragedy no photo, memo a wise 20 anos , morando em Londtres , Jama e
ResponderExcluirBela homenagem a uma das melhores e mais conhecidas “Pratas da Casa”. Realmente, no BB, tem até bancários... Parabéns, mestre Hayton!
ResponderExcluir👏👏👏👏👏
ResponderExcluirParabéns pela bela crônica e homenagem ao inesquecível Capiba! 👏🏻👏🏻👏🏻
ResponderExcluirBela e merecida homenagem a uma figura emblemática, mais que uma pessoa, um verdadeiro personagem, o Capiba.
ResponderExcluirRealmente, o BB de tempos menos estressantes era uma casa onde se encontrava talentos de várias dimensões e segmentos - tinha até cronista aínda não revelado! - e até competentes bancários.
Registro também minha surpresa e satisfação por saber que o grande e inesquecível Capiba foi nosso colega.
Continue revelando curiosidades...
Caro Hayton, Pernambuco não é Pernambuco sem o velho Capiba. É inegável a importância que o Banco do Brasil sempre teve em valorizar a cultura brasileira, através do seu excelente texto, percebe-se este trabalho. E como você em suas produções enfatiza bem este banquete de histórias vividas, reais, onde em todas as suas crônicas você nos leva por vários lugares do Brasil, você nos apresenta personagens importantes, nos remetendo aos bons tempos que até um dia desses se podia curtir eventos como este citado onde o velho Capiba é a figura base. Algo que hoje parece impossível. Que bom sua perfeita apresentação de histórias ricas em detalhes, que até as pessoas que não tiveram a oportunidade de conhecer, através de você, exímio cronista, passa a conhecer. Se tiver equivocada, me corrija. Um abraço
ResponderExcluirCapiba foi monstro. Armandinho é outro.
ResponderExcluirAssisti edições desse projeto do BB em Brasília (Clube do Choro) e em Salvador (Iate Clube).
Tenho CDs que foram gravados com os maravihosos instrumentistas citados na crônica.
Parabéns, Haytin.
Bela homenagem ao artista. Pesquisei os seus sucessos no Spotify e vi que o cara realmente é merecedor de todas as homenagens. Parabéns, Hayton, por homenagear Capiba em sua excelente crônica!
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