quarta-feira, 19 de julho de 2023

Por isso tô aqui!

Correu o mundo, semana passada, a notícia de que a madre superiora Teresa Agnes Gerlach, encarregada do Mosteiro Carmelita da Santíssima Trindade em Arlington, no Texas, Estados Unidos, foi acusada de enviar mensagens de texto com conteúdo sexual a um sacerdote, identificado como padre Philip Johnson.

 

Embora tenha confessado o envio das mensagens, ela alegou que nunca houve intimidade física entre eles. Demonstrando remorso durante uma audiência na diocese, Teresa disse que o vacilo foi motivado pelo amor que nutre pelo padre. "Eu cometi um erro terrível. Não estava em meu juízo perfeito. Até uma freira pode cair"

 

Por coincidência, isso me fez recordar de outro padre Johnson (deve estar bem velhinho!), um missionário canadense que viveu no Brasil em meados do século passado, que me matou a curiosidade sobre algumas hipóteses para o nome da missa celebrada na véspera de Natal. A mais aceita pela fé católica, segundo ele, diz que um galo teria cantado à meia-noite do dia do nascimento de Jesus, anunciando a chegada do Messias – a única vez que um galo cantou antes do amanhecer. 


Há quem diga que um galo cantou quando o apóstolo Pedro negou três vezes conhecer Jesus. Outros afirmam que o animal simboliza o amanhecer, celebrado pelos pagãos com gratidão ao Deus-Sol. Ou que a missa leva esse nome porque acaba tão tarde que os galos já estão "tecendo a manhã", como no poema escrito por João Cabral de Melo Neto, que levou mais de oito anos e 32 versões para ser concluído.

 

De fato, padre Johnson era bastante curioso, interessado nos mais variados assuntos, uma verdadeira “enciclopédia Barsa”. E lidava na paróquia com muitos adolescentes cheios de cravos, dúvidas e espinhas, a quem oferecia sábios conselhos, merecendo, por isso mesmo, o respeito das famílias do bairro. 

 

Tanto respeito, inclusive, o levava a benzer casas recém-construídas. Nada cobrava para si nem para a Igreja, mas exigia três coisas: uma barra de enxofre, um prato de sal grosso e uma lata de carvão vegetal. Só então tinham início as orações e o enaltecimento da imagem de Nossa Senhora. Depois, partiam para o quintal onde estava a cisterna ou o poço, onde ele despejava os materiais requisitados. E a casa estava abençoada.

 

Anos mais tarde, depois que retornou para a América do Norte, descobriu-se a lógica “espiritual” do benzimento: o sal grosso é fonte de minerais e de iodo, elementos importantes para a nutrição e a saúde; o enxofre fortalece a imunidade e participa da produção de colágeno; e o carvão, que além de eliminar cheiros e sabores desagradáveis da água, é grande aliado no tratamento de gases gastrointestinais, combate o inchaço e dores abdominais.

 

Curioso como poucos, numa época em que nem se cogitavam avanços científicos do porte de um chatbot online de inteligência artificial, padre Johnson sabia da vida de todos os moradores do bairro. Era estuário e cofre das confissões e segredos comunitários, dos pecadilhos veniais aos mais encardidos.

 

Fotografia: Dedé Dwigth


Certo dia, Teresa (outra coincidência, acreditem!), uma loirinha que morava no bairro, curtia cinema, teatro e dançar solta, livre e leve, ao ritmo  de Os Embalos de Sábado à Noite, procurou o padre Johnson bem cedo, indo ao ponto:

– Padre, eu sei que pequei, mas tô arrependida. Cometi um erro terrível. Não estava em meu juízo perfeito.

– Como foi isso, minha filha?

– Nem faço ideia. Me pegou desprevenida, juro! 

– Sei… E daí? 

– Daí que ele me perguntou se podia botar pra fora. 

– E você?

– Quase infarto. Tinha tão pouco tempo que a gente… 

– Quanto?

– Três semanas.

– Só?! Já tinha acontecido algo mais sério entre vocês?

– Nada demais… Só uns abraços apertados, dançando "Je t'aime... Moi Non Plus"Something... E um selinho na boca, vai! 

– Pois é… E ele?

– Ele o quê, padre?

– Botou pra fora?

– Nem me fale…

– Botou ou não botou?

– Não me deixe mais acanhada…

– Veja, filha, foi você que veio me procurar. Só posso ajudar se souber o que ocorreu – pondera o confessor, no auge da excitação de todo curioso quando prestes a descobrir um segredo felpudo.

– Não sei se vou ter coragem de contar.

– Por que não? O pior já passou, imagino…

– Sei não… Era enorme, padre…

– Eu devia ter desconfiado desde domingo... Você aqui na missa ao lado dele, toda animada... Tinha uma coisa esquisita no ar…

– Na hora, o susto foi grande, fiquei muda. Fechei os olhos e rezei baixinho…

– Seja mais clara, filha, me conte tudo o que houve.

– Assim que ele desabotoou, aquele troço deu um pulo…

– Você chegou a apalpar?

– Como?

– Filha, das passagens bíblicas que tratam do pecado da luxúria, uma das mais incisivas é a que está em Gálatas 5:19: “Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem”. E em Colossenses 3:5-6, tem outra referência: “Assim, façam morrer tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade sexual, impureza, paixão, desejos maus... É por causa dessas coisas que vem a ira de Deus sobre os que vivem na desobediência”. Mas, me diga uma coisa: o que você tá chamando de “troço”?

– Padre, tô falando da hérnia no umbigo dele… Parece uma bola de ping-pong de couro! – explicou, com um sorriso ambíguo.

– Eu, hein?! Pensei que…

– Também pensei, padre… Por isso tô aqui!




41 comentários:

  1. O autor não disse, mas eu creio que o episódio envolvendo a ex-primeira-dama, pedindo à correligionaria pra tirar a prótese ocular, também serviu como inspiração. 🤭🤭🤭

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  2. Kkkk e duvido de quem diz que não tenha pensado !

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  3. O peso da inexperiência leva a cometer erros e interpretações equivocadas, o sumisso do juízo perfeito agrava. Cuidemos dos dois com zelo.

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    1. Até agora não sei quem estava mais ansioso: eu ou o padre!

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    2. Só se pensou naquilo, até o desfecho do segredo!

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  4. O que um padre ou um delegado não faz para arrancar uma confissão de uma inocente, não?

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  5. Mais uma vez, impossível parar de ler do início ao fim… e começar o dia rindo muito hoje rsss

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  6. A curiosidade quase matou o gato. Fiquei curioso, até o fim, torcendo e esperando o padre perguntar: - foi só a cabecinha ou o corpo todo? Ótimo desfecho

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  7. É muita coincidência nos dois casos relatados. Só pode ser coisa da cabeça do autor.

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  8. Eita padre curioso! Ganhou de nós , leitores.Excelente!

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  9. Quem é o voyeur mais enrustido: o padre, a pecadora, o autor ou o leitor? E quem é o mais assumido?
    Belo exercício de atiçar e controlar a curiosidade dos leitores. Com João Cabral de sobremesa!
    Há muitos filmes antológicos que potencializam a excitação dos espectadores muito mais com aquilo que é sugerido do que com o que é explicitado. Lembro de cara de Ligações Perigosas, com John Malkovich, Glenn Close, Michelle Pfeiffer e Uma Thurmann. É mole ou quer mais?

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  10. Vimos um verdadeiro thriller, com direito a um final não sabido. Cujo encaminhamento deixou o leitor curioso, roendo as unhas. E, ao final, foi hilário. Receita perfeita para aguçar o interesse de quem lê. Afinal, enredos bem criativos têm esse condão. São o fio condutor que une a ideia com quem a escuta com interesse e atenção especiais.

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  11. A trama é bem engendrada. Parece estória de suspense, fiquei ligado na curiosidade para saber o que era aquilo, fiquei mais surpreso que o Padre. .
    Abraço Valdery

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  12. Curiosidade mata de ansiedade, acelera a leitura para 2 X 😂

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  13. É verdade. No meu tempo os catequistas explicavam que a gente pecava por pensamentos, palavras e obras. Então só de pensamento, a gente acaba de ler essa crônica devendo uns 1000 reais de salve-rainha. Misericórdia! Dedé

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  14. Mais um texto muito bem elaborado, para nos prender do início ao fim, a fim de vermos o desfecho hilariante. E, por coincidência ou não, publicado a poucos dias da morte de Jane Birkin, que cantou com tanta sensualidade, em parceria com Serge Gainsbourg, a erótica criação musical citada na crônica, Je t'aime... Moi Nom Plus.

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    1. Não é coincidência, amigo, a citação da obra prima sussurrada por Jane Birkin. Rsrs

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  15. Eita ferro! 😳🤔 estou pensando até agora! Que pecado! Me enganou direitinho! 😂

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  16. Pense num colunista que tem os mais variados conteúdos. Parabéns, meu amigo Hayton.

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  17. Essa me surpreendeu, Hayton.
    Eita escritor danado.

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  18. Hahahaha
    Isso de “poder” pecar por pensamentos, palavras e obras é um problema!

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  19. Como sempre, brilhante! Marina.

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  20. Realmente, atiçou a curiosidade dos leitores... Como crônica, mostrou uma realidade que pode ocorrer em mais ocasiões do que se imagina...

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  21. Essa me fez lembrar da personagem interpretada por Paulo Silvino, Olegário Carnaval. Um homem de bigode postiço, vestido de boneca e que diziam frases de duplo sentido como "ai, Como era grande" e "dá uma pegadinha aqui, dá " . Adorei essa moça matreira que sabia, claro, com que tipo de padre estava lidando.

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  22. Você e seus personagens, impagáveis, coitados deles...
    Essa crônica me fez lembrar um caso que contam ter acontecido no Rio de Janeiro, em tempos passados.
    Diz-se que um cidadão foi à cidade participar de um congresso e, querendo curtir um pouco a cidade, lá chegou mais de uma semana antes da abertura do evento.
    Cinquentão e gozando de boa saúde, mesmo assim resolveu fazer uma checada geral no organismo. Aí, procurou a melhor Clínica da decantada terra rubro-negra - "sorry periferia"...
    Dias depois, lá voltando pra receber o resultado, foi recepcionado por um cidadão, que lhe informou ser o médico chefe daquela casa de saúde há 27 anos.
    Disse-lhe que estar ali entregando o resultado - o encargo era de outros profissionais - se devia ao fato de lá nunca ter passado alguém com saúde tão perfeita.
    Após externar sua vibração com a singularidade da plenitude daquela saúde, pediu-lhe, destacando que era apenas curiosidade científica, informação sobre sua atividade sexual.
    O interrogado, demonstrando algum acanhamento, informou-lhe que nisso aí ele era muito comedido, normalmente conseguia uma vez por mês, às vezes demorava até dois meses, raramente tinha a felicidade de duas vezes em um mesmo mês.
    O doutor pediu-lhe que não fosse modesto pois a curiosidade era tão somente pra completar convicção profissional e a informação seria tratada com o sigilo que o juramento impunha.
    Completando, disse-lhe que era bem mais velho que ele, não tinha sequer metade de sua saúde e no entanto sua média era bem superior àquela informada.
    Foi aí que o personagem se revelou, disse-lhe - "Doutor, há uma grande diferença entre nós".
    Espantado, o esculápio perguntou-lhe "além dessa saúde inigualável , qual a outra??"
    Encerrando a cena e "matando a charada", o examinado disse-lhe - "É QUE O SENHOR É MÉDICO NO RIO DE JANEIRO, ENQUANTO EU SOU BISPO EM CARUARU".
    Apagaram-se as luzes e todos se foram. Penso em me converter ao catolicismo.

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  23. Maria de Jesus Almeida19 de julho de 2023 às 23:53

    Kkkkk,
    Nem tudo que parece de fato, é...
    Realmente, a curiosidade mata e nos leva a imaginar coisas bem diferentes da realidade.
    Acredito, que todos os leitores foram além do imaginário...

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  24. O autor não disse, mas eu creio que o episódio envolvendo a ex-primeira-dama, pedindo à correligionária pra tirar a prótese ocular, também serviu como inspiração. 🤭🤭🤭

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    1. Sinceramente, nem soube do episódio a que você se refere e imagina que me inspirou. Mas, não nego, gosto do seu jeito de pensar…

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Aqui sua inspiração certamente foi Joãozinho!

      A professora pergunta na classe:
      - Numa árvore tem 5 pássaros, se vc der 1 tiro em 1 deles, quantos ficam?
      Joãozinho depressa responde:
      - Nenhum! A senhora vai dar 1 tiro e os pássaros vão fugir assustados.
      A Professora:
      - Não é essa resposta que eu queria, mas gosto do seu jeito de pensar!
      Joãozinho então faz uma pergunta para a professora:
      - Tem 3 mulheres comendo picolé. Uma morde, uma chupa e a outra lambe. Quem é casada?
      A professora, envergonhada, pensa e fala:
      - A que chupa!
      Joãozinho responde:
      - Não! É a que tem a aliança! Mas gosto do seu jeito de pensar. .

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  25. Exercício de leitura dinâmica natural....

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  26. O Braga Jr. aí, foi cirúrgico...

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    1. Como você provocou, respondi acima ao “cirurgião”.

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  27. Hérnia, hein! Engana-me que eu gosto!
    Mais uma pérola, que você nos presenteia, amigo Hayton! Gostei.

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  28. Vou deixar um lembre pro galo me acordar cedo... confesso que terei de ir ao confessionário...

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  29. Pobres seres humanos, não importa se madres ou padres (e não me refiro aos criminosos pedófilos). Por essas e outras que a hipocrisia do celibato deveria acabar.

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    1. Se o celibato deles acabar, os cronistas perderão uma boa fonte de inspiração, meu amigo…

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  30. Que padre danado kkkk... O ser humano, pode ser quem seja, carrega consigo todos os defeitos do mundo hahaha

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  31. kkkkk mas que padre danado!!! O ser humano, de qualquer raça ou credo, carreha consigo todos os defeitos do mundo hahaha

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