quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Aonde iremos?

Diz o escritor Ruy Castro que frases feitas são aquelas que entram por um ouvido e saem pelo outro sem um estágio intermediário no cérebro. Mesmo assim, anote aí: tudo evolui na natureza. Tirando, claro, certas figuras que conhecemos. 

Nós, humanos, não somos exceção – ainda que alguns dos nossos hábitos façam pensar o contrário. Depois de milênios, aqui estamos, bem diferentes de nossos tataravós. Não só demos uns pulinhos na árvore genealógica, acompanhando gorilas e chimpanzés, mas também nos empoleiramos, com todo o nosso charme, no topo da cadeia alimentar.

Se nossa memória fosse um pouco melhor, talvez nos lembrássemos daquele dia em que descemos das árvores para dar uma voltinha no chão. Ficamos de pé, esticamos as pernas, encolhemos os braços e, ao longo da jornada (obrigado, fogo, roda e bússola!), nosso cérebro sofreu um upgrade que faria qualquer software de última geração corar de inveja. O resultado? Um salto enorme em aprendizagem e socialização.


Avançamos tanto que começamos a trocar ideias, domesticar animais (e alguns chefes, vizinhos etc.), criar sociedades e, veja só, regras de convivência. Cruzamos oceanos, exploramos o espaço e, vira e mexe, uns aos outros, com uma facilidade impressionante.

Mas, o que o futuro nos reserva? Será que partimos para uma versão 2.0 de nós mesmos? Além da seleção natural, que outras colheres mexem a panela de nosso caldo genético? Uma coisa é certa: assim como escalamos o pico da montanha evolutiva, há sempre o risco de um escorregão. E qualquer vascaíno pode dar uma aula sobre quedas e recomeços.

Comparados aos nossos ancestrais hominídeos, somos mais altos. Uma pesquisa de 2016 da revista eLife mostra isso: os holandeses cresceram em média 19 cm em um século, os asiáticos até 20 cm. E nós, brasileiros? Bem, ganhamos uns 8,6 cm – avanço modesto, porém melhor do que nada! Nem vou falar do crescimento lateral, para não ferir suscetibilidades após as festas de fim de ano.

Esse "viés de alta" parece estar ligado à dieta: mais proteínas, menos miojo. Mesmo enquanto uns se fartam de nutrientes, muitos ainda esperam um pedaço de pão. E ser mais alto tem seus desafios – problemas nas juntas, certos tipos de câncer. Mas os baixinhos também não vão sumir do mapa, porque, afinal, genética é importante, mas não é tudo. Guerras, fome e doenças ainda dão as cartas nesse jogo evolutivo.

As mudanças não param por aí. Estamos ficando mais franzinos e curvados – dizem que vamos acabar nos transformando em emojis devido ao uso excessivo de mensagens eletrônicas e de páginas da web. Você já viu dedos com aparência de tentáculos de polvo por causa da digitação? E a Academia Americana de Oftalmologia avisa: até 2050, metade dos seres humanos pode estar usando óculos graças à obsessão por telas.

Um estudo de 2019 da Universidade de Potsdam, na Alemanha, sugere que a virtualidade excessiva pode nos levar a uma vida sedentária e ao ganho de peso. Nosso esqueleto enfraquece, os cotovelos encurtam. E nossos pés, antes acostumados a andar descalços, agora estão mais longos, fracos e achatados por conta da rotina moderna. E ainda tem quem use sapatos altos, apertados, de pontas estreitas. 

Quanto ao crânio, também entrou na onda das mudanças. Com comidas mais macias, nossas mandíbulas e dentes deram uma encolhida. Isso facilitou a fala, mas nossa mordida anda cada vez mais frágil, se comparada a outros animais com estrutura óssea similar. Exceções para Mike Tyson e Luisito Suárez.

Para não dizer que só falei de horrores, a novidade é que recentemente alguns  cientistas descobriram que um macaco pode reproduzir a fala humana, graças ao seu trato vocal capaz de emitir os mesmos sons que nós. Essa descoberta, publicada na revista Science Advances, pode ser um sinal de que, talvez, os macacos tenham algo a nos ensinar sobre a humanidade. Se não enveredarem para o funk, o pagode ou o sertanejo universitário, tudo bem!

Já se sabia que traços de comportamento humano podem ser encontrados nos símios. Eles escolhem amizades baseadas em afinidades, se revoltam com injustiças e têm consciência da morte. Mas, falar? Opinar sobre a vida alheia ou discutir a relação com a cara-metade? Isso é revolucionário. Daí a assistir reality shows será um pulo.

Através do uso de imagens de raio-X, os pesquisadores 'desenharam' a anatomia vocal do nosso primo distante. Após examinarem as imagens, eles identificaram 99 diferentes possibilidades de expressão vocal, incluindo as cinco vogais. Já pode até arriscar compor uma nova versão do famoso “Prefixo do Verão” (Aê, aê, aê, aê... Ei, ei, ei, ei... Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô) para os adeptos do axé music.

Brincadeiras à parte, com os 'primos' entrando no jogo, quem sabe não encontraremos soluções mais inteligentes e racionais para os grandes flagelos da humanidade – doenças, fome e guerras – e adiamos o fim da aventura humana na Terra.

No fim das contas, mais do que os humanos, são os bichos que mais nos ensinam sobre o que realmente significa ser humano.

29 comentários:

  1. Ademar Rafael Ferreira3 de janeiro de 2024 às 05:00

    Em nosso Pajeú tem um evento chamado "Balaio cultural", onde apresentamos histórias, poemas e outros artefatos da cultura regional, um texto deste pode ser classificado como "container" cultural. Começamos muito bem o ano de 2024. Precisamos de navios potentes para transportar esse volume de carga cultural.

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  2. Hayton, sou um pouco mais otimista com a humanidade..
    Acho que evoluímos no comportamento, na saúde, na longevidade, na arte, em quase tudo, embora tenhamos tantos defeitos.
    Que Deus nos mostre o melhor caminho a trilhar.
    Obrigado por nos brindar com mais esse mimo.
    Abraço.

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  3. Ingênuos? Espertos? Exploradores? Sensiveis? Insensíveis? Inteligentes? Tolos? Criativos? Limitados? Somos parte de uma extraordinária "loteria genética" e crescemos sob pressão do ambiente em que vivemos. Temos escolhas? Claro que sim. Ou, pelo menos, acreditamos que sim. Mas, quer saber? Estamos mais sujeitos e propensos a sermos induzidos, em razão de todos os fatores que nos cercam. Por mais "espertos" que acreditemos ser.

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  4. Seu texto me lembrou duas coisas bem diferentes: o livro homo sapiens que apesar de algumas teses polêmicas do autor sobre a evolução humana me fez refletir sobre a veracidade de crenças e religiões e o comentário da minha filha, na época com 6 anos de idade, ao olhar uma figura da evolução dos hominídeos, parecida com a que vc colocou no seu texto. Olhando pra mim bem pensativa, ela me disse: “Mãe, não me lembro do tempo quando eu era macaco”

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  5. A harmonia da natureza traz uma esperança de que tudo se ajeite de alguma maneira, do mesmo modo que ouvir música sertaneja traz desesperança. E é nesse desequilíbro vamos equilibrando nossa existência, surfando entre o evoluir e o desaparecer. Os males da humanidade são. Dedé Dwight

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  6. Parabéns Hayton, acabo de receber uma verdadeira aula sobre a evolução humana com excelentes pitadas de bom humor e descontração.
    O Homem, não obstante às grandes evoluções científicas, precisa aprender a viver com empatia, amor, humildade, ..., e sabedoria, deixando de lado a prepotência e a soberba e vivendo de forma harmônica em todos os recantos do mundo. No dia em que os governos precisarem de menos policiamento, de menos fiscais, e menos cadeias e presídios, eu diria que, socialmente, a humanidade evoluiu.
    Vamos em frente, estamos em constante processo de aprendizagem e evolução. 🤝🎯
    Abraço fraterno.
    Oceano

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  7. Bem-vindos os símios, vão contribuir para melhorar a média que anda muito baixa

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  8. Acho que na cabeça de muita gente, tanto frases prontas quanto não, entram por uma "oiça" e saem pela outra, sem nenhum processamento ou processada errada, por conta do vazio cerebral que deve existir por lá.
    Assim não fosse, não estaríamos assistindo tantas beligerâncias injustificáveis que certas cabeças, ditas pensantes, tentam nos convencer das suas certezas.
    Será que aquela máxima "parece que só tem m* na cabeça" não se aplica na cabeça de mais gente do a gente pensa?

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  9. Os símios, se já soubessem discernir, estariam batendo palmas para esse excelente texto de estreia do Ano Novo. Por outro lado, se estivessem nessa condição evolutiva, certamente o mundo estaria muito pior. Torçamos para que a natureza os mantenham, bem como os demais ditos "irracionais", melhores que os humanos.

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  10. Tudo bem, aumentamos a estatura, livramo-nos de algumas doenças, mas, em compensação somos vítimas de doenças "modernas", algumas, possivelmente inventadas em laboratório, outras, consequência das anteriores...
    Tudo é possível quando as preocupações de alguns dizem respeito à eventual escassez de alimentos...
    Mas, o texto, em si, é um "show" à parte...

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  11. Parabéns pelo texto.
    O comentário do Oceano foi por demais oportuno e reflete as preocupações humanas desse momento .
    Que suas palavras ecoem por essa sociedade dita " humana" .

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  12. O celular fez o homem passar da Idade Média para a idade mínima. Com viés de baixa.

    [Francicarlos Diniz]

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  13. Excelente passeio, que foi das eras iniciais da existência, até futuros ainda não sabidos. Falou do homem, dos animais, mais especificamente dos macacos. Tratou de mazelas e aventuras humanas. Assuntos bem trabalhados, com leveza e uma ponta de humor. Muito bom.
    Roberto Rodrigues

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  14. Bom dia. Obrigada, Hayton, por essa pérola de texto.
    Realmente evoluímos muito em várias áreas: longevidade, saúde, tecnologia e outras cositas mais. Infelizmente, ainda estamos engatilhado na principal arte, que o Cristo Jesus veio nos ensinar: o amor. Paz, bem e luz a todos.

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  15. O comentário acima, é meu Belaniza Maciel. Esqueci de assinar.

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  16. Alegoria real de nossos controversos tempos.
    Tempos de brutal progresso das ciências, em todos os campos, e certa regressão (com o perdão dos antepassados!) em atitudes.
    E não falo de “costumes”, claro, pois esses até que evoluíram um pouco, a duras “penas”.

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  17. Não quero ser de todo pessimista, mas quando penso em algumas “pérolas” oferecidas pela Inteligência Artificial, quase prefiro ficar mesmo com minha Burrice Analógica!

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  18. Acompanho o otimismo de Zé Alípio em relação ao atual momento do planeta e também endosso a satisfação manifestada por todos aqui com a qualidade da primeira crônica do ano. Apesar de nossa inclinação para o saudosismo, eu prefiro os tempos de agora. E, para os que ainda duvidam, sugiro ler “O Novo Iluminismo” de Steven Pinker, em que a comparação entre passado e presente se dá com fatos e dados históricos e estatísticos. Por derradeiro, meu desejo para este novo ano é que continuemos nossa jornada na Terra por longos anos, com saúde e alegrias como esta - tão humana - de apreciar a arte, o humor refinado e a partilha com amigos, independentemente da distância.

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  19. Parabéns por mais um belo texto. Desta vez sobre a evolução dos macacos e a possibilidade de eles virem a se comunicar com a criatura humana em plena linguagem compreensível.
    Com a evolução da tecnologia, não se duvida de nada.
    Fico contente com a sua desenvoltura na abordagem de qualquer tema, bem como a cumplicidade com os seus leitores.
    Fico surpreso também com a sua dedicação num tempo festivo como a passagem das festas de fim de ano e você não esquecer o seu grande compromisso.
    Parabéns e votos de muito sucesso.

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  20. Seu horizonte é realmente infinito.
    Nessa crônica você produz um verdadeiro tratado sobre a evolução (?) - vale a interrogação - do ser humano, de sua capacidade de produzir prodígios, mas também maldades inusitadas.
    Em mim, o tema bateu forte, já que acho - sempre comento com amigos - que o ser humano é a melhor e a pior espécie animal produzida pela Natureza.
    Sim, pois se há pessoas que deixam marca indelével pelo bem praticado, há também as que são inesquecíveis pelas maldades produzidas. Sem contar que nenhuma outra espécie animal organiza e produz a guerra, o que por si só já define tudo.
    Enfim, sua crônica merece figurar em todo e qualquer estudo já feito - ou que venha a ser produzido - sobre o assunto.
    Você já começa 2024 superando a si mesmo.

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  21. De fato, como um todo, a sociedade evoluiu muito, porém a desigualdade desse crescimento evolutivo ainda é muito grande entre povos de nações desenvolvidas e as subdesenvolvidas. Ainda há bilhões de analfabetos e as causas são muitas. Esperança que a santa mãe tecnologia ajude esses desafortunados.

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  22. Caro Hayton, começamos o ano com mais um belo presente para nossa leitura e reflexão. Evoluímos, porém, os animais continuam a Nos ensinar. Se pensarmos em nossos irmãos desprovidos de educação, saúde, e o básico alimento, verificamos que a evolução está foge de abranger a massa.

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  23. Excelente👏🏼👏🏼👏🏼

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  24. Agostinho Torres da Rocha Filho5 de janeiro de 2024 às 16:59

    Para quem encerrou 2023 mergulhado numa saudável reflexão acerca do sentido da vida, iniciar o ano novo divagando sobre a evolução da espécie revela a preocupação do autor em debater bons temas relacionados à trajetória humana na terra, bem assim induzir o leitor a participar desse debate enriquecedor. Celebremos, portanto, a possibilidade de ampliarmos essa discussão, mesmo porque dificilmente encontraremos consenso para temas tão complexos quanto polêmicos.

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  25. Vida virtual após a morte: aceitação da clonagem digital é analisada em novo estudo... esta é a matéria de hoje no jornal. Então, meu amigo, os macacos seremos nós e seremos estudados virtualmente depois.

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  26. Irretocável! Não encontrei outra palavra pra definir esse texto maravilhoso. Ao repetir a leitura ele fica, cada vez, maior, mais profundo, mais convidativo. Não fosse o bom humor do autor, a vontade que dá é de ficar "sentado a beira do caminho" esperando o fim. Marina.

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  27. Hayton, suas crônicas contam, cantam e encantam! Essa, então... sensacional! Parabéns!

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  28. Hayton, estou com um probleminha: como adjetivar a sua genialidade... Um humor refinadíssimo, unindo sofisticação e simplicidade na comunicação. Mestre da leveza na abordagem de temas reflexivos e de invejável forma fluida.
    Muito interessante essa reflexão sobre a evolução do ser humano. Sintética e abragente. Só temo que a raça humana,na sua desabalada gana de lucro fácil acima de tudo, se extinga antes de dar o salto civilizatório de verdade.

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