quarta-feira, 26 de março de 2025

Bastidores picantes de uma noite brasiliense

Há quase meio século, o Brasil balançava ao ritmo da novela global Dancin’ Days. No embalo, Brasília viu brotar danceterias como a Machine, no Venâncio 2000, e a New Aquarius, no Conic — a primeira boate gay da cidade. Mais adiante, brilharia a lendária Zoom, no Lago Sul, inaugurada sob os holofotes de Pelé, Xuxa, Luiza Brunet e outros astros cintilantes.


Era uma festa de máscaras. Políticos, lobistas e engravatados de sobriedade elástica e ética flexível se esbaldavam sem medo de estampar folhas do Correio Braziliense ou as manchetes do Jornal Nacional.

 

Enquanto isso, em outro salão — os corredores de uma estatal poderosa — dançava-se uma coreografia bem menos vistosa, mas não menos animada. A criação de delegacias estaduais transformara a Capital numa pista burocrática. 

 

Reuniões semestrais garantiam à turma do alto escalão distância conjugal conveniente e noites bem mais agitadas que qualquer planejamento de metas — o que, convenhamos, nem é grande vantagem.

 

Diferentemente dos políticos, os burocratas seguiam fora da mira da imprensa, que preferia garimpar escândalos sob luzes mais precárias.

 

Foi numa dessas reuniões no Setor Hoteleiro que o chefe Donald — nome fictício, naturalmente — liberou os delegados estaduais para conhecerem a noite brasiliense. Grupos se formaram e partiram para destinos variados. Entre eles, Huguinho, Zezinho e Luisinho — chamemos assim, por razões óbvias.

 

Reprodução: Redes Sociais/Walt Disney's Comic and Stories


O trio desembarcou na Zoom, onde luxo e luxúria andavam de mãos entrelaçadas. Naquela pista, os Metralhas e Maga Patolójika podiam discutir contratos milionários à margem da lei, entre generosos goles de uísque, e minutos depois serem flagrados pelo espelho aos beijos com “colegas de labuta” — sempre “colegas”, claro.

 

Zezinho, animado além da conta e convencido de sua irresistível virilidade, decidiu incendiar a noite. Cutucava beldades, apalpava o colo alheio sem cerimônia, urinava onde e quando não devia, transitando perigosamente entre o glamour e o vexame —pendendo, como era de se esperar, para o último.

 

Huguinho e Luisinho tentaram contê-lo. Em vão. Chateados com a teimosia etílica do companheiro, decidiram ensiná-lo a pegar leve.


Huguinho, ainda com traços de bom senso, pulou fora quando percebeu a crueldade do plano. Já Luisinho, veterano em trotes corporativos, seguiu adiante.

 

Na volta ao hotel, cuidou pessoalmente do translado do colega desacordado. E, com a precisão de um atirador de elite, armou a peça. Com a ajuda da camareira, preparou uma mistura de claras de ovos, gotas de limão e um toque de pimenta malagueta — receita infalível para reações adversas. Em seguida, despejou o líquido na parte traseira da cueca de Zezinho. 

 

Ao despertar, ainda grogue, Zezinho foi informado de que perdera o controle e acabara a noite no piso frio do banheiro, onde fora encontrado balbuciando palavras ininteligíveis. Tentou rir, nervoso, mas uma sensação de incêndio na retaguarda logo lhe roubou a graça.

 

O rastro pegajoso, viscoso como um escândalo mal abafado, selou o pânico na alma e na cueca de ZezinhoSem raciocinar, ele correu até Tio Patinhas — todo-poderoso da organização e seu protetor — e, entre gaguejos e lágrimas, denunciou um atentado desonroso e suspeito.

 

Chamaram médicos. Fizeram exames. Cogitaram tudo: de abuso a espionagem, passando por tentativa de desestabilizar a República. Espantado com o desenrolar dos fatos, Luisinho não resistiu: confessou o "crime".

 

Em reunião de emergência, determinaram o afastamento sumário do brincalhão e instauraram uma sindicância para avaliar, inclusive, a sua demissão por justa causa — artigo raro nas estatais, onde a máxima costuma ser: “errar é humano, punir é desumano!”. 

 

Para evitar um escândalo de proporções sísmicas, fizeram o que sempre se faz nesses casos: tentaram abafar e torcer para que a fumaça se dissipasse.

 

Mas, como todo segredo corporativo, a história vazou pelos corredores e ganhou o mundo em versões cada vez mais pitorescas, garantindo a Zezinho uma coleção de apelidos sugestivos: Capitão Cueca, Fire Tail, Peido Picante, Zezinho Leite Moça e por aí afora. 

 

Seis semanas depois, a sindicância foi arquivada — entenderam que não houve má-fé, apenas "excesso de confiança na intimidade entre colegas". Chefe Donald se aposentou antes que o samba descambasse. Huguinho sumiu no mundo, cedido a um cargo diplomático. Zezinho foi promovido e seguiu vida afora fingindo que os apelidos não eram com ele. E Luisinho... ah, o indefectível Luisinho! Perdoado pelo Tio Patinhas, não só escapou da degola como herdou o trono do chefe Donald.

 

Com o tempo, a ressaca passou. Mas a história — picante e salgada — entrou para o folclore das noites brasilienses, lembrando que, por essas bandas, a conta da farra quase sempre arde onde menos se espera.

35 comentários:

  1. 🤣😂🤣😂Rindo de embolar. O coitado do Zezinho dançou na maionese caseira e picante. Ainda bem que o Donald sempre sa um jeitinho para os sobrinhos e seus amigos.
    Nos bastidores das mistas economias, alguns cases de bbmorações deixam alguns bbrrões em situações próximas às relatadas nesta bela crônica e seriam dignas de figurar em um memorável livro denominado Histórias Censuradas - O Pós Encontro.🤣
    Simbora, Hayton, para a próxima terapia do sorriso.

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  2. Minha intuição acredita piamente quem é Luisinho nessa história! Grande ficcionista também. Afinal, eu estava na boate nesse dia!

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    1. Não é quem você pensa. Note que o Luisinho a que você se refere só ingressou no clube bem mais tarde, em meados dos anos 1990. Logo…

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  3. Continua sem dono o orifício picante. Com o excesso etílico perdeu o pulso, além do ROLEX.

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  4. Vá ser elegante assim lá em Maceió pra contar uma história com esses ingredientes sexi-escatológicos e não cair em nenhuma vulgaridade!!!
    Coisa de mestre!
    Se conheço bem o autor, ele vai insistir na versão de que a história é totalmente fictícia e que qualquer coincidência com fatos reais é muito azar!
    Mas já apareceu gente dizendo que estava na boate naquela noite. E já já vão aparecer os que sabem exatamente quem são Donald, Huguinho, Luisinho e principalmente o Zezinho cueca arrojada!

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    1. Eis o mistério da fé, a fé que renova… ao sabor da literatura, ficcional ou não!

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  5. Ainda estou rindo e imaginando a cena

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  6. Quantas histórias, caríssimo Hayton. O mundo atual carece dessas brincadeiras, de alegria , porque tudo hoje é politicamente incorreto.

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  7. Brasília deve ter, em cada esquina de seus eixos, histórias altamente cabeludas e repulsivas, nascidas na sombra dos conchaves. Nessa muito bem contada de forma hilária só faltou aparecer o Mancha Negra, mas certamente estava a observar o caso na penumbra.

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    1. Sim, Chagas, a fauna era grande e não para de crescer – sem distinção de gênero. Maga Patalojika e Madame Mim seguem com suas bruxarias no universo de lobistas.

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  8. ADEMAR RAFAEL FERREIRA26 de março de 2025 às 07:40

    Nos dias atuais, sob a força das redes sociais, Zezinho escaparia com capa e máscara de Zorro. A "resenha" destruiria sua gloriosa carreira.

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  9. Qualquer coincidência não é mera semelhança e a história se repete.
    E esta, "à la Nelson Rodrigues" já aconteceu, mais ou menos, alhures, com um Zezinho com quem labutavámos, sem trocadilho.
    Conto: Em um dos cursos corporativos, dos quais gostávamos muito, um certo Zezinho, numa saidinha madrugada a dentro, foi dopado, segundo o próprio, com um "boa noite Cinderela".
    Só foi encontrado lá pelo meio-dia, com os demais colegas em pleno estudo e estado de nervos à flor da pele.
    Polvorosa geral nas várias instâncias corporativas.
    Correu, à época, a boca miúda, que o odor levantado, das partes baixas, estava mais para água sanitária do que para clara de ovo.
    Ainda hoje, quando se encontram numa farra, mais de um contemporâneo, o assunto vem à baila, com gargalhadas etílicas à beça.
    É a vida como ela é.

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  10. Por essas e outras, cantemos: Deus me proteja de mim, e da maldade de gente boa….🎵🎵🎵

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  11. Belíssima crônica, Mestre Hayton!
    Em Brasília, terra das negociatas, acontece de tudo.
    E na escalada da noite, mais ainda.
    Portanto, todo cuidado é pouco, com aquilo que não tem dono, depois do exagero nas doses etílicas. Que Deus nos livre das maldades alheias, inclusive da maldade do Luisinho.

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  12. É...os gibis de Brasília, ora amarfanhados, estão ainda repletos de segredos que fariam corar Anália, a dona do bordel e suas beldades.

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  13. ROBERTO SANTOS FERNANDES26 de março de 2025 às 10:38

    O Zezinho se ferrou nessa ! Acredito que de outra ocasião ele vai usar o famoso cuecão de couro pra evitar algum atentado!
    Kkkk

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  14. Pois é... Zezinho, tão inocente, até então, foi entrar nessa... No mínimo foi induzido por mentes inquietas e de postura buliçosa... Mas, afinal, as "SQs", os setores intermediarios e as tesourinhas podem levar a confusões geográficas nas melhores cabeças e em
    personalidades de comportamento ilibado...ou nem tanto... Afinal, nos palcos da Capital Federal, os cenários revelam surpresas...

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    1. É isso, Derli. Brasília, pode-se dizer, é uma cidade jovem (65 anos), limpa e muito legal de se viver em comunhão com o Cerrado. Toda a “bagunça” que chega vem de fora, das demais regiões do Brasil. Chega e não quer mais voltar às origens.

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  15. Stoney Palmeira Melo26 de março de 2025 às 15:24

    "Ah, o glamour da vida pública!

    Zezinho, em sua irresistível jornada de autossabotagem, descobriu da pior forma que nem todo líquido derramado é uísque — às vezes, é a própria dignidade escorrendo pelo ralo. Luisinho, gênio mal pago do contra-espionagem corporativa, ensinou que até os heróis podem ter mãos pegajosas (e um péssimo senso de humor).

    No final, como sempre, a Justiça Prevaleceu™: o culpado foi promovido, o cúmplice fugiu para o exterior, e o trouxa... ah, o trouxa ganhou um apelido eterno e uma cadeira mais confortável no inferno dos memes.

    Moral? Em Brasília, até as vergonhas têm curriculum — e o único crime sem perdão é ser pego sem aliados poderosos.

    P.S.: Alguém avise o próximo estagiário que 'pimenta no rabo dos outros é refresco'... até virar lenda no DOU."

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  16. Quem já integrou o mundo corporativo, como a maioria de nós, sabe muito bem que, histórias como esta que Hayton nos traz nesta quarta-feira, dariam para compor milhares de volumes.

    Acredito que, atualmente, com os cuidados maiores em relação a assédio e responsabilidade das empresas e seus prepostos em relação às suas reputações, tais casos já não ocorram tanto quanto antigamente.

    Eu acho. Já aposentada e fora dos ambientes corporativos, eu acho.

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  17. Acabei de ler o texto da semana. Até a próxima. Grande abraço.

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  18. Hahahahahaha
    “Sei” que é tudo ficção, mas tenho palpites muito fortes sobre quem seria cada um desses personagens…

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  19. Sempre uma história da vida, descrita de forma envolvente, Nos premiando com um belo texto e histórias marcantes.

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  20. Mais uma, de sua lavra, IMPAGÁVEL!!!!
    Escritor, cronista, sociólogo, filósofo e tantas outras mais, são definições que cabem bem em você.
    Nós, seus privilegiados leitores ficamos quase perturbados com seus textos, martelando a mente pra encontrar o que dizer em comentários, tão excitantes são eles.
    Você consegue encaixar expressões que encucam. Até os mais laureados artistas das palavras e da escrita certamente invejariam sua capacidade de postá-las.
    Como conseguir colocar, e de forma tão oportuna, expressões como - "lobistas e engravatados de sobriedade elástica e ética flexível" - também - "nas estatais errar é humano, punir é desumano"!!!
    Enfim, nem sei mais o que dizer, só sei que ninguém retrata a vida, a natureza humana, além do dia a dia em Pindorama, como você.
    Mande brasa...

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  21. Divertido. Lembrou-me de fatos ocorridos nas tradicionais cervejadas da sexta-feira.

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  22. Porreta! Sem trocadilho.

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  23. Texto saboroso de se ler, como sempre, meu Amigo. Saudades de aparecer por aqui. Como diria o personagem da Escolinha do Professor Raimundo, Nerso da Capitinga: "o tempo passa, passa, e essa categoria de gente não pogrede nunca". É uma grande verdade, dita de forma pitoresca. Mudam apenas os endereços, os cargos e os meio de comunicação, hoje imensamente mais rápidos. Porém o "modus operandi" permanece o mesmo. E a conta da farra sempre chega.
    Abração!!!
    Mário Nelson.

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  24. Os trotes no Banco, rituais sempre engraçados, não para as vítimas kkk

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  25. Hayton toca com sabedoria no lado sombrio das noites brasilienses ... se boates falassem, quantos sobreviveriam ?

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  26. Pois é, me lembrei do ditado “c. de bêbado não tem dono”. Brasília tem muitas estórias da vida noturna e o capítulo de farras é o maior.

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  27. Pois é, uma brincadeira dessas só pode ser feita com quem tem confiança no próprio negócio. Se não tinha, o medo de espalhar tomou conta. Brasília é famosa. Daria muitos livros.

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  28. Vixe! Não sei se essa história é cômica ou trágica.
    Mas que é engraçada, ah isso é.

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  29. Rapaz, minha curiosidade foi aguçada: quem danado será Zezinho, Huguinho e Luisinho?

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  30. Essas peraltices engraçadas ainda acontecem.

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