Há quase meio século, o Brasil balançava ao ritmo da novela global Dancin’ Days. No embalo, Brasília viu brotar danceterias como a Machine, no Venâncio 2000, e a New Aquarius, no Conic — a primeira boate gay da cidade. Mais adiante, brilharia a lendária Zoom, no Lago Sul, inaugurada sob os holofotes de Pelé, Xuxa, Luiza Brunet e outros astros cintilantes.
Era uma festa de máscaras. Políticos, lobistas e engravatados de sobriedade elástica e ética flexível se esbaldavam sem medo de estampar folhas do Correio Braziliense ou as manchetes do Jornal Nacional.
Enquanto isso, em outro salão — os corredores de uma estatal poderosa — dançava-se uma coreografia bem menos vistosa, mas não menos animada. A criação de delegacias estaduais transformara a Capital numa pista burocrática.
Reuniões semestrais garantiam à turma do alto escalão distância conjugal conveniente e noites bem mais agitadas que qualquer planejamento de metas — o que, convenhamos, nem é grande vantagem.
Diferentemente dos políticos, os burocratas seguiam fora da mira da imprensa, que preferia garimpar escândalos sob luzes mais precárias.
Foi numa dessas reuniões no Setor Hoteleiro que o chefe Donald — nome fictício, naturalmente — liberou os delegados estaduais para conhecerem a noite brasiliense. Grupos se formaram e partiram para destinos variados. Entre eles, Huguinho, Zezinho e Luisinho — chamemos assim, por razões óbvias.
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Reprodução: Redes Sociais/Walt Disney's Comic and Stories |
O trio desembarcou na Zoom, onde luxo e luxúria andavam de mãos entrelaçadas. Naquela pista, os Metralhas e Maga Patolójika podiam discutir contratos milionários à margem da lei, entre generosos goles de uísque, e minutos depois serem flagrados pelo espelho aos beijos com “colegas de labuta” — sempre “colegas”, claro.
Zezinho, animado além da conta e convencido de sua irresistível virilidade, decidiu incendiar a noite. Cutucava beldades, apalpava o colo alheio sem cerimônia, urinava onde e quando não devia, transitando perigosamente entre o glamour e o vexame —pendendo, como era de se esperar, para o último.
Huguinho e Luisinho tentaram contê-lo. Em vão. Chateados com a teimosia etílica do companheiro, decidiram ensiná-lo a pegar leve.
Huguinho, ainda com traços de bom senso, pulou fora quando percebeu a crueldade do plano. Já Luisinho, veterano em trotes corporativos, seguiu adiante.
Na volta ao hotel, cuidou pessoalmente do translado do colega desacordado. E, com a precisão de um atirador de elite, armou a peça. Com a ajuda da camareira, preparou uma mistura de claras de ovos, gotas de limão e um toque de pimenta malagueta — receita infalível para reações adversas. Em seguida, despejou o líquido na parte traseira da cueca de Zezinho.
Ao despertar, ainda grogue, Zezinho foi informado de que perdera o controle e acabara a noite no piso frio do banheiro, onde fora encontrado balbuciando palavras ininteligíveis. Tentou rir, nervoso, mas uma sensação de incêndio na retaguarda logo lhe roubou a graça.
O rastro pegajoso, viscoso como um escândalo mal abafado, selou o pânico na alma e na cueca de Zezinho. Sem raciocinar, ele correu até Tio Patinhas — todo-poderoso da organização e seu protetor — e, entre gaguejos e lágrimas, denunciou um atentado desonroso e suspeito.
Chamaram médicos. Fizeram exames. Cogitaram tudo: de abuso a espionagem, passando por tentativa de desestabilizar a República. Espantado com o desenrolar dos fatos, Luisinho não resistiu: confessou o "crime".
Em reunião de emergência, determinaram o afastamento sumário do brincalhão e instauraram uma sindicância para avaliar, inclusive, a sua demissão por justa causa — artigo raro nas estatais, onde a máxima costuma ser: “errar é humano, punir é desumano!”.
Para evitar um escândalo de proporções sísmicas, fizeram o que sempre se faz nesses casos: tentaram abafar e torcer para que a fumaça se dissipasse.
Mas, como todo segredo corporativo, a história vazou pelos corredores e ganhou o mundo em versões cada vez mais pitorescas, garantindo a Zezinho uma coleção de apelidos sugestivos: Capitão Cueca, Fire Tail, Peido Picante, Zezinho Leite Moça e por aí afora.
Seis semanas depois, a sindicância foi arquivada — entenderam que não houve má-fé, apenas "excesso de confiança na intimidade entre colegas". Chefe Donald se aposentou antes que o samba descambasse. Huguinho sumiu no mundo, cedido a um cargo diplomático. Zezinho foi promovido e seguiu vida afora fingindo que os apelidos não eram com ele. E Luisinho... ah, o indefectível Luisinho! Perdoado pelo Tio Patinhas, não só escapou da degola como herdou o trono do chefe Donald.
Com o tempo, a ressaca passou. Mas a história — picante e salgada — entrou para o folclore das noites brasilienses, lembrando que, por essas bandas, a conta da farra quase sempre arde onde menos se espera.
🤣😂🤣😂Rindo de embolar. O coitado do Zezinho dançou na maionese caseira e picante. Ainda bem que o Donald sempre sa um jeitinho para os sobrinhos e seus amigos.
ResponderExcluirNos bastidores das mistas economias, alguns cases de bbmorações deixam alguns bbrrões em situações próximas às relatadas nesta bela crônica e seriam dignas de figurar em um memorável livro denominado Histórias Censuradas - O Pós Encontro.🤣
Simbora, Hayton, para a próxima terapia do sorriso.
Minha intuição acredita piamente quem é Luisinho nessa história! Grande ficcionista também. Afinal, eu estava na boate nesse dia!
ResponderExcluirNão é quem você pensa. Note que o Luisinho a que você se refere só ingressou no clube bem mais tarde, em meados dos anos 1990. Logo…
ExcluirContinua sem dono o orifício picante. Com o excesso etílico perdeu o pulso, além do ROLEX.
ResponderExcluirVá ser elegante assim lá em Maceió pra contar uma história com esses ingredientes sexi-escatológicos e não cair em nenhuma vulgaridade!!!
ResponderExcluirCoisa de mestre!
Se conheço bem o autor, ele vai insistir na versão de que a história é totalmente fictícia e que qualquer coincidência com fatos reais é muito azar!
Mas já apareceu gente dizendo que estava na boate naquela noite. E já já vão aparecer os que sabem exatamente quem são Donald, Huguinho, Luisinho e principalmente o Zezinho cueca arrojada!
Eis o mistério da fé, a fé que renova… ao sabor da literatura, ficcional ou não!
ExcluirAinda estou rindo e imaginando a cena
ResponderExcluirQuantas histórias, caríssimo Hayton. O mundo atual carece dessas brincadeiras, de alegria , porque tudo hoje é politicamente incorreto.
ResponderExcluirBrasília deve ter, em cada esquina de seus eixos, histórias altamente cabeludas e repulsivas, nascidas na sombra dos conchaves. Nessa muito bem contada de forma hilária só faltou aparecer o Mancha Negra, mas certamente estava a observar o caso na penumbra.
ResponderExcluirSim, Chagas, a fauna era grande e não para de crescer – sem distinção de gênero. Maga Patalojika e Madame Mim seguem com suas bruxarias no universo de lobistas.
ExcluirNos dias atuais, sob a força das redes sociais, Zezinho escaparia com capa e máscara de Zorro. A "resenha" destruiria sua gloriosa carreira.
ResponderExcluirQualquer coincidência não é mera semelhança e a história se repete.
ResponderExcluirE esta, "à la Nelson Rodrigues" já aconteceu, mais ou menos, alhures, com um Zezinho com quem labutavámos, sem trocadilho.
Conto: Em um dos cursos corporativos, dos quais gostávamos muito, um certo Zezinho, numa saidinha madrugada a dentro, foi dopado, segundo o próprio, com um "boa noite Cinderela".
Só foi encontrado lá pelo meio-dia, com os demais colegas em pleno estudo e estado de nervos à flor da pele.
Polvorosa geral nas várias instâncias corporativas.
Correu, à época, a boca miúda, que o odor levantado, das partes baixas, estava mais para água sanitária do que para clara de ovo.
Ainda hoje, quando se encontram numa farra, mais de um contemporâneo, o assunto vem à baila, com gargalhadas etílicas à beça.
É a vida como ela é.
Por essas e outras, cantemos: Deus me proteja de mim, e da maldade de gente boa….🎵🎵🎵
ResponderExcluirBelíssima crônica, Mestre Hayton!
ResponderExcluirEm Brasília, terra das negociatas, acontece de tudo.
E na escalada da noite, mais ainda.
Portanto, todo cuidado é pouco, com aquilo que não tem dono, depois do exagero nas doses etílicas. Que Deus nos livre das maldades alheias, inclusive da maldade do Luisinho.
É...os gibis de Brasília, ora amarfanhados, estão ainda repletos de segredos que fariam corar Anália, a dona do bordel e suas beldades.
ResponderExcluirO Zezinho se ferrou nessa ! Acredito que de outra ocasião ele vai usar o famoso cuecão de couro pra evitar algum atentado!
ResponderExcluirKkkk
Pois é... Zezinho, tão inocente, até então, foi entrar nessa... No mínimo foi induzido por mentes inquietas e de postura buliçosa... Mas, afinal, as "SQs", os setores intermediarios e as tesourinhas podem levar a confusões geográficas nas melhores cabeças e em
ResponderExcluirpersonalidades de comportamento ilibado...ou nem tanto... Afinal, nos palcos da Capital Federal, os cenários revelam surpresas...
É isso, Derli. Brasília, pode-se dizer, é uma cidade jovem (65 anos), limpa e muito legal de se viver em comunhão com o Cerrado. Toda a “bagunça” que chega vem de fora, das demais regiões do Brasil. Chega e não quer mais voltar às origens.
Excluir"Ah, o glamour da vida pública!
ResponderExcluirZezinho, em sua irresistível jornada de autossabotagem, descobriu da pior forma que nem todo líquido derramado é uísque — às vezes, é a própria dignidade escorrendo pelo ralo. Luisinho, gênio mal pago do contra-espionagem corporativa, ensinou que até os heróis podem ter mãos pegajosas (e um péssimo senso de humor).
No final, como sempre, a Justiça Prevaleceu™: o culpado foi promovido, o cúmplice fugiu para o exterior, e o trouxa... ah, o trouxa ganhou um apelido eterno e uma cadeira mais confortável no inferno dos memes.
Moral? Em Brasília, até as vergonhas têm curriculum — e o único crime sem perdão é ser pego sem aliados poderosos.
P.S.: Alguém avise o próximo estagiário que 'pimenta no rabo dos outros é refresco'... até virar lenda no DOU."
Quem já integrou o mundo corporativo, como a maioria de nós, sabe muito bem que, histórias como esta que Hayton nos traz nesta quarta-feira, dariam para compor milhares de volumes.
ResponderExcluirAcredito que, atualmente, com os cuidados maiores em relação a assédio e responsabilidade das empresas e seus prepostos em relação às suas reputações, tais casos já não ocorram tanto quanto antigamente.
Eu acho. Já aposentada e fora dos ambientes corporativos, eu acho.
Acabei de ler o texto da semana. Até a próxima. Grande abraço.
ResponderExcluirHahahahahaha
ResponderExcluir“Sei” que é tudo ficção, mas tenho palpites muito fortes sobre quem seria cada um desses personagens…
Sempre uma história da vida, descrita de forma envolvente, Nos premiando com um belo texto e histórias marcantes.
ResponderExcluirMais uma, de sua lavra, IMPAGÁVEL!!!!
ResponderExcluirEscritor, cronista, sociólogo, filósofo e tantas outras mais, são definições que cabem bem em você.
Nós, seus privilegiados leitores ficamos quase perturbados com seus textos, martelando a mente pra encontrar o que dizer em comentários, tão excitantes são eles.
Você consegue encaixar expressões que encucam. Até os mais laureados artistas das palavras e da escrita certamente invejariam sua capacidade de postá-las.
Como conseguir colocar, e de forma tão oportuna, expressões como - "lobistas e engravatados de sobriedade elástica e ética flexível" - também - "nas estatais errar é humano, punir é desumano"!!!
Enfim, nem sei mais o que dizer, só sei que ninguém retrata a vida, a natureza humana, além do dia a dia em Pindorama, como você.
Mande brasa...
Divertido. Lembrou-me de fatos ocorridos nas tradicionais cervejadas da sexta-feira.
ResponderExcluirPorreta! Sem trocadilho.
ResponderExcluirAnônimo: Carlos Barbosa
ExcluirTexto saboroso de se ler, como sempre, meu Amigo. Saudades de aparecer por aqui. Como diria o personagem da Escolinha do Professor Raimundo, Nerso da Capitinga: "o tempo passa, passa, e essa categoria de gente não pogrede nunca". É uma grande verdade, dita de forma pitoresca. Mudam apenas os endereços, os cargos e os meio de comunicação, hoje imensamente mais rápidos. Porém o "modus operandi" permanece o mesmo. E a conta da farra sempre chega.
ResponderExcluirAbração!!!
Mário Nelson.
Os trotes no Banco, rituais sempre engraçados, não para as vítimas kkk
ResponderExcluirHayton toca com sabedoria no lado sombrio das noites brasilienses ... se boates falassem, quantos sobreviveriam ?
ResponderExcluirPois é, me lembrei do ditado “c. de bêbado não tem dono”. Brasília tem muitas estórias da vida noturna e o capítulo de farras é o maior.
ResponderExcluirPois é, uma brincadeira dessas só pode ser feita com quem tem confiança no próprio negócio. Se não tinha, o medo de espalhar tomou conta. Brasília é famosa. Daria muitos livros.
ResponderExcluirVixe! Não sei se essa história é cômica ou trágica.
ResponderExcluirMas que é engraçada, ah isso é.
Rapaz, minha curiosidade foi aguçada: quem danado será Zezinho, Huguinho e Luisinho?
ResponderExcluirEssas peraltices engraçadas ainda acontecem.
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